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terça-feira, 26 de outubro de 2010

Espondilite Anquilosante

A espondilite anquilosante (EA) é uma doença reumática crónica com um envolvimento articular predominantemente axial. Até recentemente, a terapêutica assentava na administração de fármacos anti-inflamatórios e em medidas de medicina física e reabilitação. Nos últimos anos assistimos à introdução no mercado de terapêuticas biológicas, potencialmente eficazes no tratamento da EA. A disponibilidade destes fármacos tornou ainda mais crucial a existência de protocolos de seguimento e de avaliação dos doentes com EA.
Baseados na revisão da literatura e dos instrumentos mais consensualmente utilizados em ensaios clínicos,
os autores propõem um protocolo para avaliação clínica e funcional de doentes com o diagnóstico de espondilite anquilosante. Pretende-se que o protocolo seja de fácil utilização na prática clínica diária, adaptado à realidade portuguesa e que contribua para uma melhor avaliação dos doentes com EA.
A Espondilite Anquilosante (EA) é uma artropatia inflamatória com expressão e evolução clínicas muito variáveis de indivíduo para indivíduo. Os critérios de classificação mais consensuais são os critérios de Nova Iorque modificados1, que incluem:
sacroileíte documentada por radiografia, lombalgia inflamatória e rigidez com mais de 3 meses de duração, limitação da mobilidade da coluna e limitação da expansão torácica.

Os sintomas dolorosos associados à EA respondem caracteristicamente bem à terapêutica com anti-inflamatórios não esteróides (AINE)2. Por este motivo, até recentemente, a terapêutica da EA assentava na utilização de AINE e em medidas de Medicina Física e Reabilitação. Ao contrário do que se passa na AR, na EA não dispúnhamos de fármacos classificados como modificadores da doença (DMARDs), sobretudo considerando o envolvimento axial da doença. Na literatura estão publicados dois estudos randomizados e controlados3,4, utilizando sulfasalazina na terapêutica da EA, que demonstraram benefício no envolvimento
periférico, mas não no envolvimento axial. O metotrexato é utilizado nos casos refractários, mas não há evidências robustas que suportem a sua utilização5,6. Nos últimos anos têm surgido cada vez mais evidências de que os antagonistas do tumor necrosis factor alfa (TNF), podem ser eficazes no envolvimento axial da EA7,8. Mas a eficácia a longo prazo destes fármacos e a sua capacidade para alterar o curso da doença ainda estão por esclarecer. Assim, existe uma necessidade crescente de efectuar um seguimento rigoroso e objectivo dos doentes com EA. A monitorização clínica só é possível com um suporte escrito
estruturado, que seja de rápida execução, reprodutível e permita obter dados relativos à evolução da doença. Para além disso, um protocolo deste género deverá incluir uma avaliação inicial pormenorizada,
que possibilite uma análise exaustiva das características da doença, das patologias associadas e das terapêuticas anteriormente efectuadas.
Esta necessidade é particularmente relevante na EA, pois não há um consenso definitivo em relação a quais os melhores instrumentos de avaliação a seleccionar9.

O protocolo de monitorização clínica da EA (PMEA) que aqui publicamos, à semelhança do publicado para a artrite reumatóide (PMAR)10, permite a criação de uma base de dados das características epidemiológicas dos doentes com EA e pode funcionar também como instrumento deorientação para decisões terapêuticas.
No nosso país, seria útil que os vários centros de reumatologia utilizassem meios semelhantes na avaliação dos doentes com EA, o que permitiria a constituição de bases de dados comuns, contribuindo para a realização de estudos multicêntricos prospectivos e para a avaliação da eficácia e segurança das novas terapêuticas.

São raros os protocolos de monitorização da EA publicados, pelo que nos parece muito útil a apresentação deste protocolo. O PMEA foi desenvolvido de acordo com orientações que fomos obtendo a partir da literatura e de ensaios clínicos e tem sido aplicado a alguns doentes da Consulta de Reumatologia do Hospital de Santa Maria. A duração do preenchimento da primeira avaliação é de cerca de 30 minutos e as reavaliações demoram cerca de 15 minutos. Esperamos que a sua publicação seja um contributo para uma discussão mais alargada da melhor forma de avaliar os doentes com EA e que contribua para um melhor seguimento destes doentes.

No PMEA, a avaliação inicial é composta por uma folha de rosto que contém dados identificadores do doente como o nome completo, a morada e o telefone e está preparada para ser se-parada do restante registo, de forma a garantir o anonimato do doente. O protocolo na primeira visita, reúne dados demográficos do doente: nome, data de nascimento, sexo, raça, naturalidade, estado civil, situação profissional no início da doença e actual e escolaridade. Inclui ainda outros dados como o peso, altura, sinais vitais, hábitos tabágicos e alcoólicos. Regista-se também a data do início da doença e do diagnóstico, a data da primeira consulta de reumatologia, o número de consultas de reumatologia por ano, se cumpre ou não os critérios de Nova Iorque modificados e as terapêuticas prévias para a EA. O envolvimento da doença é classificado como apenas axial ou axial e periférico e a sacroileíte radiológica nos graus de I a IV11 e uni ou bilateral. Para avaliação da actividade da doença, utilizamos o Bath Ankylosing Spondylitis Disease Activity Index12 (BASDAI) de acordo com os critérios recentemente considerados mais consensuais13.

Este questionário simples, preenchido pelo doente, com 6 questões, consiste em 3 perguntas que avaliam dor em 3 locais de envolvimento (axial, periférica e entesis), 2 perguntas sobre rigidez matinal (duração e intensidade) e uma sobre fadiga. A resposta é fornecida com base em 6 escalas visuais analógicas com 10 cm de comprimento. A pontuação total é obtida pela média das diferentes pontuações. A doença é considerada activa quando o BASDAI é superior a 4.

A avaliação da mobilidade é efectuada utilizando os parâmetros definidos pelo Assessments in Ankylosing Spondylitis (ASAS)14. Este grupo de trabalho foi constituído em 1995 tendo como objectivo estabelecer normas de actuação consensuais na EA. Os parâmetros identificados para a avaliação da mobilidade foram o teste de Schober, a variação da amplitude torácica em inspiração e expiração e a distância occipital-parede.

No nosso protocolo e de acordo com a opinião generalizada13 a avaliação funcional é obtida através do Bath Ankylosing Spondylitis Functional Index (BASFI)15 que consiste em dez perguntas sobre capacidade funcional, também avaliadas através de escalas analógicas com 10 cm de comprimento.

Além destes índices, incluímos na avaliação a contagem e descrição da localização do envolvimento articular periférico e das entesis, as manifestações extra-articulares, cirurgias osteo-articulares anteriores e duas escalas visuais analógicas de actividade global da doença avaliada pelo doente e pelo médico.

O registo de exames laboratoriais inclui velocidade de sedimentação (VS), proteína C reactiva (PCR) e dados laboratoriais das alterações consideradas relevantes. São registadas a terapêutica actual, os seus efeitos adversos e a avaliação global da resposta ao tratamento, além de observações consideradas pertinentes. No final elabora-se um plano para a próxima visita. As avaliações seguintes trimestrais, constituem uma versão simplificada da avaliação inicial.

Na primeira página é feita a actualização de dados como o peso, situação profissional, aparecimento de novas manifestações extra-articulares, envolvimento articular periférico e entesites. Faz-se a avaliação da actividade através do BASDAI, da capacidade funcional com o BASFI e da mobilidade com as 3 manobras descritas anteriormente.
Incluem-se novamente as escalas visuais para avaliação da actividade da doença pelo doente e pelo médico. Registam-se intercorrências surgidas desde a última consulta, observações consideradas pertinentes e o plano a cumprir.

O desenho deste protocolo foi efectuado de acordo com os instrumentos de avaliação considerados mais consensuais e permite caracterizar os domínios considerados pertinentes pelo ASAS13: função, dor, mobilidade da coluna, avaliação global da actividade da doença pelo doente, rigidez, articulações periféricas e entesis, reagentes de fase aguda e fadiga. Os outros pontos destacados pelo ASAS são as alterações radiológicas da coluna cervical e lombar, articulações sacro-ilíacas e coxo-femorais. Os índices compostos aceites para essa avaliação são o Bath Ankylosing Spondylitis Radiology Index (BASRI)16 e o Stoke Ankylosing Spondylitis Spinal Score (SASSS)17. No entanto, cada vez mais as alterações radiológicas são consideradas pouco sensíveis à mudança, e por isso são pouco utilizadas como critério de variação entre duas avaliações18. Recentemente, a ressonância magnética (RMN) tem sido objecto de estudo, para eventual validação como instrumento de avaliação das modificações estruturais19. Ainda não há posições de consenso nesta área, nem sistemas de pontuação validados no entanto, é nossa intenção, sobretudo em doentes que vão ser submetidos a terapêuticas biológicas, procedermos a avaliação prévia, aos 6 meses, 1 ano e depois anual por RMN. Este protocolo foi também desenhado para monitorização da evolução e avaliação da resposta a fármacos. Assim, permite-nos o registo das pontuações do BASDAI em visitas sucessivas – alguns trabalhos consideram variações significativas a melhoria em 50% em 2 visitas separadas por 2 meses de intervalo. Permite também avaliar a melhoria, de acordo com os critérios do ASAS: melhoria de 20% em três parâmetros, sem agravamento superior a 20% no quarto. Estes parâmetros são: função (BASFI), dor (EVA da dor ou média da dor do BASDAI), avaliação global da doença pelo doente (EVA), rigidez (média da rigidez do BASDAI). Em conclusão, o PMEA parece-nos ser de fácil aplicabilidade e interpretação e pode permitir um seguimento mais rigoroso dos doentes com EA.

Referências Bibliográficas

1. van Der Linden SM, Vakenburg HA, Cat SA. Evaluation of diagnostic criteria for ankylosing spondylitis: a proposal for modification of the New York criteria. Arthritis Rheum 1984; 27: 361-8.

2. Dougados M, Revel M, Khan MA. Spondylarthropathy treatment: progress in medical therapy. Baillieres Clin Rheumatol 1998; 12: 717-36

3. Dougados M, van der Linden S, Leirisalo-Repo M et al. Sulfasalazine in the treatment of spondyloarthropathy. A randomized multicenter, doubleblind, placebo-controlled study. Arthritis Rheum 1995; 38: 618-27

4. Clegg DO, Reda DI, Weisman MH et al. Comparison of sulfasalazine and placebo in the treatment of ankylosing spondylitis: a Department of Veterans Affairs Cooperative Study. Arthritis Rheum 1996; 39: 2004-12

5. Biasi D, Carletto A, Caramashi P et al. Efficacy of methotrexate in the treatment of ankylosing spondylitis: a three-year open study. Clin Rheumatol 2000; 19: 114-17

6. Altan L, Bingol U, Karakoc Y et al. Clinical investigation of methotrexate in the treatment of ankylosing spondylitis. Scand J Rheumatol 2001; 30: 255-9

7. Brandt J, Haibel H, Cornely D et al. Successful treatment of active ankylosing spondylitis with the anti-tumor necrosis factor alpha monoclonal antibody infliximab. Arthritis Rheum 2000; 43(6): 1346-52

8. Gorman JD, Sack KE, Davis JC Jr. Treatment of ankylosing spondylitis by inhibition of tumor necrosis factor alpha. N Engl J Med 2002; 346(18): 1349-56

9. Khan MA. Ankylosing spondylitis: introductory comments on its diagnosis and treatment. Ann Rheum Dis 2002; 61 (Suppl III): iii3-iii7

10. Fonseca JE, Canhão H, Reis P, Jesus H, Pereira da Silva JA, Viana Queiroz M. Protocolo de Monitorização Clínica da Artrite Reumatóide. Jornal CIAR 2001; 11: 113-118.

11. Resnick D, Niwayama G. Ankylosing spondylitis. In Resnick D, Niwayama G, eds, Diagnosis of bone and joint disorders. Philadelphia; WB Saunders 1981; 1040-102

12. Garrett S, Jenkinson T, Kennedy LG et al. A new approach to defining disease status in ankylosing spondylitis: the Bath ankylosing spondylitis disease activity index. J Rheumatol 1994; 21(12): 2286-91

13. van der Heijde D, Braun J, McGonagle D, Siegel J. Treatment trials in ankylosing spondylitis: current and future considerations. Ann Rheum Dis 2002; 61 (Suppl III): iii24-iii32

14. van der Heijde D, Bellamy N, Calin A et al. Preliminary core sets for endpoints in ankylosing spondylitis: assessments in ankylosing spondylitis working group. J Rheumatol 1997; 24: 2225-9

15. Calin A, Garrett S, Whitelock H et al. A new approach to defining functional ability in ankylosing spondylitis: the development of the Bath ankylosing spondylitis functional index. J Rheumatol 1994; 21(12): 2281-5

16. Calin A, Mackay K, Brophy S. A new dimension to outcome: application of the Bath ankylosing spondylitis radiology index. J Rheumatol 1999; 26: 988-92

17. Taylor HG, Wardle T, Beswick EJ, Dawes PT. The relations-hip of clinical and laboratory measurements to radiological change in ankylosing spondylitis. Br JRheumatol 1991; 30: 330-5

18. Spoorenberg A, de Vlam K, van der Heijde D et al. Radiological scoring methods in ankylosing spondylitis: reliability and sensivity to change over one year. J Rheumatol 1999; 26: 997-1002

19. Braun J, Golder W, Bollow M, Sieper J, van der Heijde D. Imaging and scoring in ankylosing spondylitis. Clin Exp Rheumatol 2002 Nov-Dec;20(6 Supp l28):S178-84.

Autores:

Helena Canhão

João Eurico Fonseca
Walter Castelão
Mário Viana de Queiroz

Hospital de Santa Maria, Lisboa
Hospital de Egas Moniz, Lisboa
Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

1 comentário:

  1. Meu namorado tem EA e tenho acompanhado a vida dele de um ano e sete meses para cá,período em que nos aproximamos.Quero animar a todos aqui,com algum parente ou alguém que ama e que tem EA,a perseverar,a amar,entender e ajudar,de todas as maneiras possíveis,quem tem esta doença.É muito importante o acompanhamento de profissionais qualificados,que realmente entendam do assunto.Graças a DEUS,o amor da minha vida,tem sido muito bem assistido no tratamento.
    Quero aproveitar e deixar uma dica que acredito,vai ajudar muito quem convive com EA.

    http://bit.ly/b1uKWN

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