Autores:Sara Freitas Oliveira1 , Joana Rodrigues1 , Lúcia Rodrigues1 , Mafalda Santos3
RESUMO
Introdução: As dores de crescimento são uma entidade
comum na prática pediátrica.
Objectivos: O presente trabalho tem como objectivo fazer
uma revisão bibliográfi ca actual sobre a etiologia, apresentação
clínica, diagnóstico, diagnóstico diferencial e tratamento das dores
de crescimento.
Desenvolvimento: Apesar das dores de crescimento terem
sido descritas pela primeira vez na literatura médica há 188
anos, até ao momento ainda não é conhecida a sua causa, mas
parece que não existe relação entre esta condição e o crescimento.
Apresentam -se, geralmente, em crianças entre os três e
os 12 anos de idade. Caracterizam -se por dor nos membros inferiores,
de tipo simétrico, predomínio nocturno e de curta duração.
O seu diagnóstico é clínico e devem excluir -se outras patologias,
como por exemplo, tumores ou infecções. Os exames laboratoriais
assim como os de imagiologia, quando solicitados, são
sempre normais, pelo que qualquer alteração encontrada em algum
deles deve fazer pensar noutra patologia. Uma vez estabelecido
o diagnóstico, o tratamento deve orientar -se por medidas
conservadoras, tais como, massagens, aplicação de calor nas
zonas dolorosas ou analgésicos.
Conclusões: O conhecimento das características desta
entidade assume importância em Pediatria para que sejam evitados
erros de diagnóstico.
Palavras -chave: Criança, dores de crescimento, dor nos membros inferiores. Nascer e Crescer 2012; 21(4): 230-233
INTRODUÇÃO
As dores de crescimento são a causa mais comum de dor
musculoesquelética na infância e um motivo frequente de consulta
em idade pediátrica(1 -7).
Foram mencionadas pela primeira vez na literatura médica
em 1823, pelo médico francês Marcel Duchamp. Ele foi o primeiro
a notar que um grande número de crianças apresentavam um
aumento da frequência de dores musculoesqueléticas e aplicou
o termo “dores de crescimento” para as descrever, acreditando
que elas eram causadas pelo rápido crescimento esquelético(3,8).
Desde então, vários autores investigaram esta condição, contudo
a natureza exacta e a etiologia permanecem desconhecidas(2 -5).
Alguns autores consideram que a denominação “dores de
crescimento” é errada, pois é consensual que o processo de
crescimento deve ser indolor, senão todas as crianças deveriam
sentir dor. Têm assim surgido na literatura médica denominações
alternativas, como “dores nocturnas benignas da infância”(9) ou
“dores recorrentes dos membros inferiores”(8). Contudo, a designação
“dores de crescimento” é universalmente aceite pois deixa
implícito o seu carácter benigno e transitório.
O presente trabalho tem como objectivo fazer uma revisão
bibliográfi ca actual sobre a etiologia, apresentação clínica,
diagnóstico, diagnóstico diferencial e tratamento das dores de
crescimento.
EPIDEMIOLOGIA
As dores de crescimento ocorrem em crianças entre os três
e os 12 anos de idade(1,6), com uma frequência ligeiramente superior
no sexo feminino segundo algumas séries(10,11). A sua prevalência
varia entre 2,6 -49,4% consoante a população estudada,
a idade das crianças e a defi nição clínica utilizada(7).
ETIOLOGIA
A etiologia das dores de crescimento é desconhecida. Contudo,
parece que nada têm a ver com o crescimento pois: não
coincidem com os períodos de maior crescimento (primeiros dois
anos de vida e puberdade); raramente afectam os membros superiores
e outras zonas do corpo, que também crescem; e não
afectam o crescimento das crianças que as têm(11).
Foram propostas várias teorias para tentar explicar as dores
de crescimento. A primeira delas, a teoria da fadiga, foi proposta
em 1894, por Bennie, sugerindo que a dor ocorreria devido
ao uso excessivo das pernas(8). E é um facto que os pais muitas
vezes associam os episódios de dor com períodos de maior actividade
física da criança(2). Em 1938, surgiu a teoria anatómica,
descrita por Hawksley, com base na constatação de que muitos
casos de dores de crescimento estavam associados a um defeito
postural ou ortopédico (ex. escoliose, lordose, joelho valgo, pé
plano)(8). Uma terceira teoria, introduzida em 1951, por Naish e
Apley(11), a teoria psicológica ou emocional, propunha que alguns
factores psicossociais poderiam mediar esta situação (por ex. famílias
disfuncionais, tipo de personalidade depressiva ou ansiosa
e stress). Até ao momento, não há estudos que comprovem
nenhuma destas teorias.
Na última década, têm sido feitos alguns estudos para tentar
determinar a causa das dores de crescimento. O Quadro I
apresenta resumidamente três estudos recentes que propõem
novas teorias quanto à etiologia das dores de crescimento, tal
como se descreve no texto que se segue:
Baixo limiar para a dor: O limiar para a dor em crianças
com dores de crescimento encontra -se signifi cativamente reduzido
em comparação com o grupo controlo. Os autores sugerem
que isto poderá indicar que as dores de crescimento são um
síndrome doloroso não -infl amatório generalizado que ocorre na
infância(12).
Diminuição da resistência óssea: A velocidade de transmissão
ultrassónica através do osso foi medida usando um ecógrafo
e verifi cou -se que a resistência óssea da tíbia em crianças com
dores de crescimento era signifi cativamente menor que no grupo
controlo. Os autores colocaram como hipótese que a fadiga
óssea com a actividade poderia originar as dores nos membros
inferiores(13).
Perfusão vascular alterada: Para alguns especialistas as
dores de crescimento poderiam estar relacionadas com altera-
ções da perfusão vascular. No entanto, as cintigrafi as ósseas
realizadas não demonstraram diferenças signifi cativas entre as
crianças com e sem dores de crescimento(14).
Hipermobilidade articular: Há a impressão clínica de que
as crianças com dores de crescimento têm hiperlaxidez articular.
Contudo, como não há uma ferramenta universalmente válida
para avaliar a hipermobilidade nas crianças, esta hipótese ainda
não foi testada(9).
CLÍNICA
As dores de crescimento ocorrem em crianças em idade
pré -escolar e escolar(15). Localizam -se em ambos os membros inferiores
(nas coxas, nas pernas e na fossa poplítea). A dor pode
também ocorrer nos membros superiores, mas apenas em conjugação
com dor nos membros inferiores. Em geral, não envolve
as articulações. As crianças quase nunca referem um ponto
doloroso concreto com o dedo, mas sim deslizam a palma da
mão sobre as zonas dolorosas. Surge ao fi m do dia ou à noite
e pode acordar a criança, mas na manhã seguinte, quando ela
se levanta, não apresenta qualquer dor e é capaz de realizar as
suas actividades normais. Geralmente dura menos de 30 minutos
e tem uma intensidade variável, desde muito ligeira a muito
intensa. A dor é caracteristicamente intermitente, alternando a
sua presença com intervalos sem dor que podem ser de dias a
meses, apesar de em algumas ocasiões poderem apresentar -se
diariamente(4,6,10,11).
A literatura médica refere que, durante e após os episódios
de dor, não são evidentes alterações musculoesqueléticas nem
articulares no exame objectivo(6).
Aproximadamente um terço dos casos estão associados
a dor abdominal recorrente e/ou cefaleias. É comum haver
história familiar de dores de crescimento ou de queixas
reumáticas(4,10,11).
DIAGNÓSTICO
Não existe nenhum exame complementar que permita fazer
o diagnóstico de dores de crescimento. Assim, perante uma criança saudável com uma apresentação típica, que permanece sem
dor durante o dia, o diagnóstico pode geralmente ser feito com
base em critérios de inclusão e de exclusão (Quadro II) (2, 10).
Um estudo caso -controlo recente, concluiu que as dores de
crescimento permanecem um diagnóstico clínico e que se forem
considerados critérios de inclusão e de exclusão precisos,
não há necessidade de exames laboratoriais para estabelecer o
diagnóstico(16).
Perante quadros clínicos com características atípicas ou na
presença de critérios de exclusão, será prudente solicitar exames
complementares, como por exemplo, hemograma completo,
velocidade de sedimentação ou proteína C reactiva e/ou radiografi
as. Se for detectada alguma alteração nos resultados destes
exames, exclui -se o diagnóstico de dores de crescimento.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
O diagnóstico diferencial de dor intermitente nos membros
inferiores é extenso. No entanto, de seguida é feita uma breve
referência às principais patologias a ter em conta, a maioria das
quais pode ser excluída com base na história clínica e no exame
físico(4).
O traumatismo é uma causa comum de dor nos membros.
Poderá haver história de traumatismo e podem ser visíveis equimoses
ao exame objectivo. Geralmente não causa dor crónica e
intermitente, típica das dores de crescimento.
As infecções, como por exemplo a artrite séptica e a osteomielite
aguda, estão habitualmente associadas a doença febril e
difi cilmente se confundem com dores de crescimento. Contudo,
a apresentação clínica clássica pode estar ausente se a infecção
estiver a ser parcialmente tratada com antibióticos.
Os tumores ósseos são muitas vezes esquecidos. No caso
de tumores malignos, como o osteossarcoma ou o sarcoma de
Ewing, a dor é persistente e de severidade crescente. O osteoma
osteóide é um tumor benigno, caracterizado por dor intermitente,
unilateral, que geralmente piora à noite e pode interromper o
sono. A criança com leucemia ocasionalmente apresenta dor óssea
vaga, mas poderá também ter outros sinais/sintomas como
por exemplo, febre recorrente, palidez e petéquias.
No caso das osteonecroses, de que é exemplo a Doença
de Legg -Calvé -Perthes, a criança apresenta diminuição da mobilidade
da anca.
A anemia de células falciformes e a hemofi lia são outros
dois diagnósticos diferenciais a considerar. O primeiro deverá
ser pensado em crianças de raça negra com dor nos membros e anemia. As hemartroses são comuns em casos moderados a
severos de hemofi lia.
As doenças reumáticas, particularmente as espondilartropatias
como a artrite psoriática e a artrite reactiva, podem causar
dor nocturna.
Finalmente, casos subtis de raquitismo podem ser confundidos
com dores de crescimento.
TRATAMENTO
Em muitos casos bastará o esclarecimento da família acerca
da natureza benigna destes episódios, evitanto deste modo
preocupações e medos desnecessários.
Muitas crianças obtêm alívio da dor com a massagem das
zonas dolorosas ou através da aplicação de calor local. Na maioria
dos casos não está indicada a administração de qualquer medicamento
pois as dores são de curta duração. Nos casos mais
aparatosos poderá estar indicado o tratamento sintomático com
analgésicos (por ex. paracetamol ou ibuprofeno). Em crianças
com episódios muito frequentes, pode ser útil a administração de
analgésicos preventivos à tarde (por ex. naproxeno).
Exercícios de estiramento muscular podem aliviar as crianças com sintomas crónicos. Em 1988, Baxter e Dulberg, fi zeram
um estudo com 36 crianças com dores de crescimento, e verifi -
caram que as crianças tratadas com um regime de exercícios de
estiramento muscular obtinham resolução mais rápida dos seus
sintomas que as crianças do grupo controlo(4). Contudo, não está
claro até que ponto a melhoria ocorreu devido ao exercício ou
devido ao aumento da atenção por parte dos pais que era requerida
duas vezes por dia.
PROGNÓSTICO
O prognóstico das dores de crescimento é muito bom. Não
estão associadas a nenhuma patologia orgânica séria e em 100%
dos casos as dores desaparecem com a idade(6). Na maioria dos
casos, ocorre resolução até 24 meses após o início.
CONCLUSÃO
As dores de crescimento são uma entidade frequente na
prática pediátrica. Até à actualidade ainda não é conhecida a sua
etiologia. O seu diagnóstico é clínico, com base em critérios de
inclusão e de exclusão. É importante conhecermos as suas características
de modo a evitarmos duas situações: por um lado
atribuir o diagnóstico de “dores de crescimento” a situações
claramente orgânicas e que podem ser graves e por outro lado
solicitarmos exames complementares a crianças com quadros
típicos de dores de crescimento.
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