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segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Comportamento Organizacional no Hospital

1. INTRODUÇÃO


No nosso país, a instituição hospitalar tem merecido poucos estudos empíricos. A necessidade de reduzir as despesas dos Estados e as alterações demográficas das populações, nos países industrializados, com o prolongamento da vida, por um lado, e a diminuição relativa da população activa, por outro lado, têm contribuído para o questionar do modelo de solidariedade social em que assentava a prestação dos cuidados de saúde. Exige-se hoje uma maior racionalidade na gestão do sistema, lado a lado com o aumento, sempre necessário da qualidade da prestação dos cuidados.
Assim, a crise que se faz sentir no sistema de saúde vem motivar um olhar mais atento sobre a sua eficácia e eficiência. Procuram-se hoje soluções alternativas em termos de financiamentos, de propriedade e de gestão das organizações.

Em Portugal pode igualmente constatar-se que o utente não tem da estrutura do hospital uma percepção clara, registando-se incompreensões e mesmo a desvalorização do trabalho dos prestadores. Parece tratar-se de uma organização complexa, onde exercem a sua actividade profissionais de especialidades diferentes, levando-nos a prever a existência de interesses divergentes e a suspeitar da existência de um conjunto de
forças centrífugas relativamente à organização, o que leva a questionarmo-nos sobre a forma de conseguir dos actores as indispensáveis áreas de consenso para a prossecução de objectivos comuns.

Esta questão remete-nos para o problema da gestão hospitalar e da estruturação das suas actividades.
Interessou-nos, por isso, analisar como tem sido descrita a estrutura hospitalar na literatura.

1.1. O hospital, uma burocracia profissional

Ao longo da revisão efectuada, pudemos constatar que a organização dos serviços de saúde foi surgindo como uma organização burocrática de características específicas. Mesmo os autores clássicos, como Weber (1949) referem explicitamente esta especificidade. Outros, (Etzioni, 1974; Stelling & Bucher, 1972) salientam a impossibilidade de efectuar nestas organizações uma gestão assente nos princípios da burocracia mecanicista. A organização mecanicista segue os princípios da autoridade legal e racional de Weber (1949). São eles, uma direcção centralizada, separação entre direcção e execução, coordenação realizada através de normas e regulamentos cujo cumprimento é controlado pela hierarquia A caracterização do hospital como uma organização muito diferenciada apresentando uma estrutura dual de autoridade, parece uma constante dos diferentes modelos teóricos.
O elevado nível de qualificação dos profissionais dificulta, ou impossibilita a supervisão hierárquica. Henri Mintzberg (1982) descreve a estrutura do hospital como uma burocracia profissional. Trata-se de uma organização muito diferenciada vertical e horizontalmente, em que o poder se situa no centro operacional, parte mais importante da organização. Os serviços de apoio existem  apenas para servir o centro operacional; a tecnoestrutura e a hierarquia são embrionárias (a título de exemplo, o enfermeiro director e a enfermeira supervisora podem ser considerados como tecnoestrutura).
No centro operacional, o principal mecanismo de coordenação das actividades é a estandardização das qualificações, cujos parâmetros de concepção correspondentes são a formação e a socialização. O hospital recruta profissionais devidamente formados e socializados e conferelhes autonomia para execução do seu trabalho. O médico trabalha de modo quase independente dos seus colegas, e está próximo do cliente ou utente. Faz o diagnóstico e aplica assim a cada caso o programa standard adequado.O hospital difere substancialmente das burocracias mecânicas, na medida em que os profissionais obedecem a valores, normas éticas e códigos profissionais e não a uma hierarquia. Esta cultura profissional é transmitida durante a longa formação e prática supervisionada pelos professores, colegas e pelas associações profissionais.

Grande parte do poder situa-se na base da hierarquia, cada profissional trabalha com os seus clientes e submete-se apenas ao controlo dos seus colegas que o formaram e socializaram; são eles que têm o direito de o censurar em caso de erro profissional.

O vértice estratégico confere poder e autonomia aos profissionais porque a complexidade e urgência do trabalho bem como a necessidade de uma abordagem casuística dificulta o controlo por um superior hierárquico (não profissional) ou a estandardização por analistas. A progressão na carreira obedece a critérios profissionais, associados à capacidade de resolver problemas de crescente complexidade; o poder assenta pois na competência profissional. Assim o profissional tende a identificar-se mais com a sua profissão que com a organização onde exerce.
O profissional garante o seu poder na organização, não apenas pelo controlo sobre o seu próprio trabalho, mas procura controlar as decisões de carácter administrativo que lhes dizem respeito. Para tanto, asseguram eles próprios parte do trabalho administrativo, e participam em órgão e comissões, cujo número tende a ser relativamente importante. Estaremos, pois, no centro operacional, em presença de uma estrutura muito
participativa ou democrática. Paralelamente, o autor descreve a área administrativa como uma burocracia mecânica. O estatuto e a posição na carreira estão associados à função desempenhada. Existem regras e procedimentos definidos cujo cumprimento é controlado pela hierarquia. Estas duas hierarquias são independentes e tendem a manter-se separadas até ao nível do vértice estratégico.
Relativamente aos factores de contingência habitualmente referido Mintzberg (1982) apenas refere um meio envolvente complexo mas estável e um sistema técnico pouco sofisticado e não regulador.

1.2. O hospital como organização baseada no conhecimento

Desde há já alguns anos, a ideia de que o aumento das qualificações dos profissionais terá consequências determinantes na modificação dos modelos de gestão, tem vindo a ganhar adeptos junto dos teóricos. Com efeito, reconhece-se a dificuldade, senão mesmo a impossibilidade de exercer um controlo hierárquico sobre pessoas com elevados níveis de formação. Miner (1988) identificou quatro sistemas organizacionais diferentes.O sistema hierárquico ou burocrático que segue os princípios da autoridade racional de Weber. O sistema de tarefa ou empresarial, sistema baseado no indivíduo, sendo este que estabelece os seus próprios objectivos; o sucesso empresarial está ligado ao sucesso individual. O sistema grupal ou socio-técnico que caracteriza os grupos autónomos em que existem objectivos de grupo, normas de grupo e uma avaliação em grupo. E o sistema baseado no conhecimento que aqui descrevemos. E entre os quais o sistema baseado no conhecimento cuja descrição se aproxima muito da burocracia profissional de Mintzberg (1982) acima descrita.

Mais recentemente, a temática das organizações baseadas no conhecimento foi retomada. Blacker, Reed e Whitaker (1993) constataramque, à medida que as qualificações vão aumentando, o conhecimento e o trabalho baseado no conhecimento desempenham um papel cada vez mais importante nas teorias do desenvolvimento das sociedades industriais. O conhecimento começa a ser considerado como um recurso estratégico.
Levanta-se a questão de a perícia se tornar uma vantagem competitiva. Em termos organizacionais, esta perspectiva obrigaria a uma mudança, passando-se do enfoque na gestão dos peritos para a gestão das qualificações ou da perícia. Starbuck (1992) situa-se nesta perspectiva ao falar de «knowledge intensive firms» (organizações de conhecimentos intensivos) à semelhança da designação de empresas de capital intensivo.
Se a descrição de Miner se aproxima da configuração da burocracia profissional, a descrição de Starbuck está mais próxima da adocracia. A adocracia segue o modelo de organização orgânica, muito flexível, composta por peritos, agrupados em unidades de pequena dimensão, facilitando as relações interpessoais. Trata-se de uma estrutura orientada para o cliente, adequada para operar num meio envolvente complexo e instável.
Mas uma burocracia profissional pode evoluir para a adocracia, se a tecnologia se tornar mais complexa e exigir maior multidisciplinaridade e interdependência entre profissionais.

1.3. O hospital, sistema imperfeitamente conectado

A elevada diferenciação que se manifesta na estrutura hospitalar levou-nos a interessar-nos pelos trabalhos de Orton e Weick (1990) sobre os sistemas imperfeitamente conectados, definidos como sistemas em que os elementos respondem em conjunto, embora preservando a sua diferenciação e identidade. A conexão imperfeita numa organização sugere a existência de elementos interdependentes relacionados entre si, mas capazes de um certo nível de independência. «Daí resulta um sistema simultaneamente aberto e fechado, indeterminado e racional, espontâneo e deliberado» (p. 204-205).

O hospital aparece-nos, neste sentido e a vários níveis, como um sistema imperfeitamente conectado. A diferenciação faz-se sentir na dificuldade de estandardização do trabalho dos profissionais dada a sua complexidade e urgência, exigindo assim uma gestão casuística da actividade. O meio interno é fragmentado, como o atesta a grande autonomia de que gozam os profissionais, sendo de salientar o paradoxo entre esta tendência para a autonomia e a necessidade de coordenação das actividades internas sentida por toda a organização. O meio envolvente externo, também fragmentado, caracteriza-se por estímulos dispersos, os diferentes tipos de clientes e patologias, e pela existência de expectativas incompatíveis ou contraditórias, tais como as pressões institucionais para a redução dos custos e as pressões dos utentes e dos profissionais para o aumento da qualidade da prestação de cuidados. Para compensar a conexão imperfeita, Orton e Weick (1990) identificaram três tipos de estratégias– a liderança, a focalização e a partilha de valores. A liderança deve ser subtil e individualizada, assegurando-se que a visão central esteja sempre presente, facilitando assim a integração do sistema. Numa estratégia de focalização, o líder procura mudar o comportamento dos seus subordinados, mas apenas naquilo que se considera essencial, deixando-lhes uma considerável margem de liberdade para adaptação às situações. A título de exemplo procurar-se-ia uma mudança dos comportamentos relacionados com o utente, através da implementação de um sistema de informação permanente sobre o «sistema cliente» e o meio envolvente externo (Nunes,1994: 23). Quanto à partilha dos valores, e tendo em conta as características da organização hospitalar, podemos considerar que a perda decontrolo a que se assiste actualmente é compensada por uma orientação clãnica (Ouchi, 1986). Contudo, a perspectiva de focalização acima mencionada, ao exigir um aumento da coordenação que, neste contexto, obriga a uma mudança dos valores, remetendo-nos assim para uma liderança transformacional, como é definido por Burns e mais tarde retomado por Bass (1985).
Os sistemas imperfeitamente conectados, em termos de resultados organizacionais, tendem a apresentar, segundo Orton e Weick (1990), uma maior estabilidade, amortecendo o impacte dos problemas e impedindo-os de afectar toda a organização.
Parecem evidenciar simultaneamente uma maior adaptabilidade, fomentando a experimentação e inovação (parecendo por isso adequado à resolução de problemas complexos), o juízo colectivo (através da pertença a grupos ou associações colectivas), bem como a preservação do desacordo (garantindo a capacidade de influências das minorias). Estas organizações proporcionariam assim maior satisfação aos seus membros e seriam mais eficazes. Cremadez (1992), estudou a gestão dos hospitais franceses e identificou uma estrutura organizacional semelhante à burocracia profissional de Mintzberg. Um dos aspectos que nos interessou neste estudo foi a análise das mudanças que se fazem sentir actualmente sobre os seus actores e que põem em causa os modelos em que assentam os seus comportamentos e crenças. Assim, considera a mudança de três paradigmas: o paradigma da medicina, o paradigma do serviço público e o paradigma do profissional.

- A mudança do paradigma da medicina faz com que o hospital, tradicionalmente assente em valores caritativos e humanitários, fosse catapultado para o mundo do progresso científico e tecnológico, com uma crescente especialização, obrigando o médico a deixar o exercício liberal da profissão, integrar as instituições e aumentar a interdependência. A medicina procura hoje abordar o homem, na sua globalidade biológica, psicológica e social. Aumenta, portanto, a interdependência entre os diferentes actores organizacionais.

- Assiste-se também a uma mudança no paradigma do serviço público. O reconhecimento da ineficácia dos serviços públicos, bem como a constatação de que um sistema inicialmente pensado para servir a justiça social acabou por ser fonte de inequidade, obrigam à procura de novas soluções.

- O paradigma do profissional sofre a influência das mudanças tecnológicas que provoca uma rápida desactualização dos saberes e das práticas e vem obrigar simultaneamente a uma acção mais interdependente e multidisciplinar.

Assistimos pois ao aumento da especialização acompanhado de uma diminuição da autonomia das especialidades. O médico vê assim contestado o seu poder pelos outros profissionais, que tendo aumentada substancialmente as suas competências, reivindica o seu reconhecimento.

Das mudanças descritas, (Cremadez, 1992: 238-248), resultaria uma ruptura do contrato psicológico e consequentes alterações identitárias.
Através de uma gestão estratégica, com a elaboração de um projecto de organização, o hospital encontraria meios para solucionar as dificuldades que hoje se lhe colocam.
Desta breve revisão de literatura acerca da estrutura hospitalar, gostaríamos de salientar que os trabalhos de Mintzberg (1982), sobre a burocracia profissional se nos afiguram como um modelo particularmente abrangente e integrado para a análise destas organizações. De referir ainda que esta configuração estrutural, descrita por este autor para os hospitais dos EUA, é retomada por Cremadez (1992) no estudo, acima descrito, dos hospitais franceses, parecendo assim apontar para uma possível universalidade deste modelo. Esta constatação levou-nos a procurar características semelhantes num hospital português.

Tendo ainda em consideração que o modelo da burocracia profissional nos remete para uma organização muito diferenciada, podemos desde já prever que daí advêm diferenças nas percepções dos seus actores. O conceito de sistema imperfeitamente conectado parece-nos, assim, muito útil para a compreensão da dinâmica da estrutura do hospital, tanto mais que aponta para possíveis formas organizacionais de resolução de alguns dos problemas de gestão. Interessar-nosemos pois pelas características estruturais e suas consequências nas percepções dos diferentes profissionais.

2. ESTUDO DE UM HOSPITAL

2.1. Método

Procurando analisar uma estrutura hospitalar, para verificar se o modelo de Henri Mintzberg (1982), acima descrito, se poderia encontrar no nosso país, escolhemos como campo de estudo um pequeno hospital distrital, do Sul do País, que evoluiu de hospital da Misericórdia, com funções de prestação de cuidados de rectaguarda, para hospital distrital que denominamos aqui HDE (hospital distrital em estudo). Tem por missão a prestação de cuidados diferenciados à população da zona, assumindo simultaneamente a prestação de cuidados primários, de consultas de especialidade e, devido à falta de camas na região, é obrigado a assumir igualmente a prestação de cuidados de rectaguarda.

2.1.1. Caracterização da amostra

Participaram neste estudo os dirigentes do vértice estratégico (conselho de administração) e as chefias profissionais no centro operacional. Realizaram-se assim entrevistas semi-directivas aos quatro elementos que integram o conselho de administração (Director do Hospital, Administradora Delegada, Director Clínico e Enfermeiro Director), ao Adjunto do Director Clínico (Director do Serviço de Urgência) e aos restantes directores de serviço (Directores dos Serviços de Cirurgia, Ginecologia e Obstetrícia, Medicina, Oftalmologia, Pediatria, Laboratório e Farmácia). Foram igualmente entrevistadas as chefias de enfermagem Enfermeira Supervisora e os cinco enfermeiros chefes em funções nos serviços de Cirurgia, Esterilização, Ginecologia e Obstetrícia, Medicina e Pediatria. Ou seja 4 membros do Conselho de Administração; 7 médicos, directores de serviço; 1 farmacêutico; 6 enfermeiros.

2.1.2. Procedimentos e recolha de dados
Os dados foram recolhidos por entrevista semi-directiva, gravada, em condições de privacidade,no gabinete dos inquiridos.Tendo como objectivo caracterizar a estrutura do hospital e avaliar em que medida dela emergem as características descritas por Mintzberg (1982), procurámos, com o guião de entrevista, obter as opiniões dos inquiridos relativamente às seguintes dimensões: identidade dos profissionais; centralização ou descentralização da tomada de decisão; diferenciação da estrutura; modos de integração das actividades; conflitos emergentes no seio do centro operacional, do centro operacional com os serviços administrativos e de apoio logístico e finalmente as relações com os utentes.

2.1.3. Tratamento dos dados

As entrevistas foram submetidas a uma análise de conteúdo temática (Bardin, 1977; Vala,1986) de onde foram emergindo, por aproximações sucessivas, as categorias. Escolhemos o tema como unidade de registo, procurando «núcleos de sentido» (Bardin, 1977: 104) integrantes do discurso dos entrevistados e cuja presença se revela significativa para o objecto de estudo.

Como unidade de contexto escolhemos a entrevista individual de modo a podermos trabalhar um corpus suficientemente amplo e analisá-lo por temas.
Como unidade de enumeração definimos a importância para o entrevistado de cada tema. Partimos do princípio que a importância que um sujeito atribui a um tema é função da sua frequência de aparição no discurso.
Obtivemos deste modo um conjunto de categorias cujo número foi sendo reduzido por aproximações sucessivas:

1.ª categoria: A estrutura, sob a qual agrupamos as subcategorias emergentes que se aproximam do modelo da burocracia profissional (Mintzberg, 1982): descentralização vertical e horizontal, mecanismos de coordenação das actividades.

2.ª categoria: a identidade dos profissionais.

Esta categoria decorre igualmente do modelo teórico de Mintzberg (1982). Procurámos pôr em evidência as semelhanças (ou diferenças) entre os diferentes grupos profissionais.

3.ª categoria: as percepções dos diferentes grupos profissionais: conflitos e diferenciação intergrupal.

Na análise da diferenciação entre grupos reportámo-nos ao estudo de Baldwin (1978) que repetiu nos hospitais o estudo de Lawrence e Lorsch (1967). Assim, procurámos nas entrevistas elementos referentes à natureza dos objectivos, ao horizonte temporal e ao estilo de liderança. Na sequência destes estudos, interessou-nos saber se existiam diferenças significativas nas percepções que os grupos profissionais estudados têm do hospital. Definimos como variável independente a profissão e como variável dependente a importância atribuída a cada categoria pelos sujeitos. Utilizámos o teste t de Student para concluirmos da homogeneidade ou diferença entre grupos.

Comparámos os resultados obtidos com os modelos teóricos acima descritos, procurando salientar as semelhanças, nomeadamente com o modelo da burocracia profissional de Mintzberg (1982).

2.2. Resultados

2.2.1. 1.ª categoria: A estrutura organizacional

A descentralização vertical é reconhecida nomeadamente pelos membros do conselho de administração que afirmam a necessidade de delegar e consideram a sua gestão participativa. Os directores de serviço reivindicam uma maior autonomia e consideram que o hospital tem uma estrutura decisional demasiado centralizada. Reconhecem, contudo, ter real capacidade de influenciar o Conselho de Administração, através de pressões individuais. As chefias de enfermagem referem que existe participação na tomada de decisão.
A descentralização horizontal verifica-se a dois níveis: entre os serviços, e dentro dos próprios serviços.
Entre os serviços: os seus directores não sentem necessidade de integração das actividades, manifestam preocupar-se apenas com o seu próprio serviço e desconhecer os restantes; as chefias de enfermagem e directores dos serviços de apoio, manifestaram um bom conhecimento dos diferentes serviços clínicos. Esta grande descentralização entre serviços pode originar dificuldades ao doente que necessite de cuidados simultâneos de duas especialidades
Entre os grupos profissionais, verifica-se uma dupla hierarquia dentro dos próprios serviços – a hierarquia médica e a hierarquia de enfermagem, independentes até ao nível estratégico. Esta dupla hierarquia pode originar problemas de funcionamento no próprio serviço. (Um dos directores de serviço referiu que, no ano anterior, a maioria dos enfermeiros tinham sido mudados, sem o avisarem, o que dificultou a prestação de cuidados durante meses).
Quanto aos mecanismos de coordenação que encontramos no hospital estudado é de salientar, a par da estandardização das qualificações (o HDE recebe profissionais devidamente formados e socializados), a existência de múltiplos mecanismos de integração das actividades:

- Existe muito ajustamento mútuo que, na opinião de todos os entrevistados, soluciona ou previne grande parte dos problemas. A integração das actividades realiza-se, portanto, através destas relações informais
(ajustamento mútuo) e também através de grupos de trabalho e comissões.

- Ainda no centro operacional, mas apenas no corpo de enfermagem a integração efectuase também através da hierarquia, na medida em que existe alguma estandardização dos procedimentos (a implementação dos sistemas de enfermagem e de classificação de doentes são disso exemplo).

2.2.2. 2ª categoria: a identidade dos profissionais

No que concerne a identidade, chefias médicas e de enfermagem identificam-se com a sua profissão, privilegiando a sua carreira, em detrimento da organização. Mesmo os profissionais membros do conselho de administração do hospital, o director clínico e o enfermeiro director, manifestam identificar-se mais com a sua profissão que com a organização.
Em termos identitários, a maioria dos médicos entrevistados referem-se à mudança que se registou nos últimos anos: consideram que o médico deixou de ser percebido como «um pai, um amigo», sendo hoje um «técnico igual a outros técnicos». O humanista dá pois lugar ao técnico.
As entrevistas parecem apontar também para uma diferenciação entre os profissionais médicos e enfermeiros. Os primeiros consideram-se individualistas,e referem-se aos enfermeiros como um «corpo». Quanto aos enfermeiros reconhecem- se como grupo homogéneo e diferenciado.
Parece pois saliente a uma diferenciação intergrupal, o que nos conduz à análise da terceira categoria emergente das entrevistas.

2.2.3. 3ª categoria: a percepções dos diferentes

grupos profissionais

Sendo o hospital uma estrutura complexa e fragmentada, procurámos os indícios de diferenciação nos processos cognitivos. Assim, procurámos no discurso dos entrevistados diferenças nas percepções relativas à natureza dos objectivos, ao horizonte temporal e ao estilo de liderança.
Os membros do conselho de administração prosseguem objectivos essencialmente quantitativos e de médio prazo, procurando racionalizar custos e respeitar o orçamento atribuído ao hospital.
Quanto ao horizonte temporal, esta administração considera essencialmente objectivos anuais e de médio prazo – até à construção de um novo hospital. Considera a sua gestão essencialmente de manutenção, investindo apenas o indispensável.
Os profissionais manifestam objectivos de natureza essencialmente qualitativa e de curto prazo. É preocupação de todos os profissionais, melhorar o nível da prestação de cuidados aos doentes. Mas os profissionais não constituem um grupo homogéneo, como atrás referimos. Registámos,

assim, diferenças entre as chefias médicas

e de enfermagem quanto à natureza qualitativa

dos objectivos:

- os médicos apresentam essencialmente preocupações de carácter técnico-científico, pretendendo melhorar o equipamento e os recursos dos seus serviços ou aumentar o número de valências, de modo a ir ao encontro dos principais casos que se apresentam no hospital e para os quais não dispõem de meios adequados;

- os enfermeiros, paralelamente às preocupações de natureza técnica, manifestam uma orientação humanista, relacionada com a qualidade da estadia do utente e da hotelaria.
Nesse sentido, referem a necessidade de maior disponibilidade de tempo que lhes permita prestar algum apoio psicológico aos doentes.

Quanto ao estilo de liderança, os dados emergentes referem-se apenas à centralização/descentralização da tomada de decisão, que considerámos como indício de descentralização vertical.

Parecendo-nos existir uma marcada diferenciação intergrupal, procurámos, no discurso dos entrevistados, conteúdos que nos colocassem em presença de conflitos interserviços ou interprofissionais.
Contudo constatámos que o conflito não é significativo. Todos os entrevistados se referiram à pequena dimensão desta organização que, possibilitando muito ajustamento mútuo, dificulta a emergência de conflitos.

Um outro resultado do estudo realizado diz respeito ao modo como as chefias definem o seu próprio papel.

- Os directores de serviço, consideram o cargo de director de serviço um cargo de nomeação administrativa e não um cargo de carreira. (impõe-se aqui uma nota explicativa: alguns dos directores de serviço não possuem ainda o grau de chefe de serviço, o que dificulta o reconhecimento pelos pares). Consideram que não têm poderes sobre os colegas menos competentes ou menos conscienciosos.

Considera que apenas pode chamar a atenção mas não há mecanismo que obrigue o colega a modificar o seu comportamento.
Um outro problema que surge diz respeito à ausência de meios de gestão dos recursos humanos. O director do serviço não tem meios para escolher a sua equipa – ela é-lhe imposta pela via dos concursos públicos; não tem meios de recompensar ou punir os membros da sua equipa.

- As chefias de enfermagem colocam a tónica na socialização e formação dos enfermeiros.
Este hospital foi um dos primeiros a implementar os sistemas de classificação de doentes e de avaliação do desempenho, instituídos a nível nacional para esta classe profissional, e, nesse sentido o enfermeiro chefe, tem um papel de orientador, de formador dentro do serviço. Referem ainda o seu papel na identificação de necessidades de formação e no incentivo dos outros enfermeiros à formação interna ao hospital ou externa.

- Os membros do conselho de administração afirmam-se como garante das fronteiras da organização, assegurando as relações com o exterior da organização, no sentido da negociação dos recursos. Asseguram as relações com o Ministério da Saúde e a Administração Regional de Saúde, para recrutamento de médicos, negociação de verbas. Os membros do vértice estratégico definem-se ainda como gestores dos conflitos internos, compatibilizando objectivos dos diferentes serviços.

Os quatro membros do Conselho de Administração salientam, em diversas ocasiões, a necessidade de adoptar um estilo de decisão participativo.

A história recente do HDE constitui um bom exemplo do poder dos profissionais e das dificuldades que uma tentativa de controlo pela hierarquia tem de enfrentar. Uma administração muito centralizadora viu-se impossibilitada de terminar o seu mandato. A contestação dos médicos obrigou o Ministério da Saúde a substituir o conselho de administração. Verificou-se, assim, que a intenção de centralização do poder, através de uma liderança política, fez surgir de imediato o conflito com o centro operacional. Este conflito só será apaziguado voltando a dar o poder ao centro operacional.

Finalmente, pudemos constatar que a perspectiva

do cliente encontra-se ausente do discurso dos entrevistados. O hospital tem utentes a quem é facultada a possibilidade de reclamar (no gabinete do utente) mas não instituiu mecanismos para sua auscultação sistemática. Se considerarmos, com Hirschman, que apenas os sistemas que promovem as reclamações dos clientes se actualizam e aperfeiçoam, podemos concluir que, estando os profissionais afastados da pressão do utente, não se impõe a institucionalização de mecanismos para a melhoria da qualidade.

3. DISCUSSÃO

Verificamos, assim, que um pequeno hospital distrital, não muito diferenciado, que evoluiu a partir de uma estrutura humanista, de hospital da Misericórdia, parece apresentar características muito semelhantes ao modelo da burocracia profissional, descrito por Mintzberg (1982).

A sua estrutura aparece-nos como muito descentralizada vertical e horizontalmente: os nossos dados apontam claramente para um poder situado no centro operacional e para a consequente necessidade de uma gestão participativa.

O modo como o Conselho de Administração define o seu papel, parece-nos respeitar esta necessidade e ir ao encontro da liderança subtil e individualizada preconizada por Orton e Weick (1990) como uma das estratégias de gestão dos sistemas imperfeitamente conectados.

O hospital que estudámos apresenta também uma certa descentralização horizontal. Os diferentes serviços são autónomos e funcionam de modo independente. Embora o hospital não seja muito diferenciado, não possuindo muitas valências médicas, a autonomia entre elas pôde ser verificada.

Dentro dos serviços, constatámos igualmente a dupla hierarquia descrita por Mintzberg (1982) e que considerámos como um indicador de fragmentação interna, um dos aspectos que define os sistemas imperfeitamente conectados, definidos por Orton e Weick (1990). Esta fragmentação é também visível na identidade e nas percepções que os diferentes grupos profissionais manifestam.
Perante esta grande fragmentação interna verificada, os mecanismos de coordenação revestem-se de uma grande importância para assegurar uma certa coesão ao sistema. Mintzberg (1982), descreve-nos como principal mecanismo de coordenação a estandardização dos conhecimentos e, efectivamente, no nosso estudo, os entrevistados referem claramente que o hospital recebe profissionais devidamente formados e socializados na sua profissão. Contudo, pudemos constatar que ajustamento mútuo tem uma importância significativa na coordenação das actividades. Não encontramos na literatura referências a este mecanismo de coordenação para estas organizações. Este facto merece, em nosso entender, ser aprofundado, embora possa provavelmente ser explicado pelo reduzido tamanho deste hospital.

Assim, nesta organização, verificamos uma grande diversidade de mecanismos de coordenação, a par dos referidos, são de salientar várias comissões, umas previstas na lei, outras nomeadas para solucionar problemas específicos. Os profissionais de enfermagem implementam igualmente a coordenação hierárquica, através da estandardização de alguns dos procedimentos mais gerais, comuns aos vários serviços. Esta diversidade contribui, em nosso entender, para a baixa conflituosidade, quer entre grupos profissionais, quer também com os funcionários do apoio logístico.

Em suma, com este estudo, mostrámos que um pequeno hospital, que evoluiu de uma organização humanista de hospital da Misericórdia, para uma estrutura mais diferenciada de hospital distrital, apresenta muitas semelhanças com a configuração que Mintzberg (1982) descreveu nos hospitais americanos e que Cremadez (1992) reencontrou nos hospitais franceses. Impõe-se dar-lhe sequência, agora recorrendo a metodologias quantitativas que permitam a generalização e a procura de eventuais soluções.

REFERÊNCIAS

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RESUMO

Reconhecendo a importância da gestão dos hospitais para fazer face às dificuldades que o sistema de saúde atravessa, e constatando que são poucos os estudos publicados sobre estas organizações, procurámos dar um contributo (necessariamente limitado) ao estudo desta matéria.

Após uma breve revisão de literatura, em que apresentamos alguns dos principais modelos, interessámonos particularmente pelo modelo da burocracia profissional, configuração estudada por Henri Mintzberg (1982), nos hospitais dos EUA e que Michel Cremadez (1992) descreve também nos hospitais franceses. Questionámo-nos pois se, no nosso país, esta estrutura também poderia existir.

Estudámos esta questão, através da análise de conteúdo de entrevistas realizadas junto dos membros do conselho de administração, das chefias médicas e de enfermagem do centro operacional, num hospital distrital do Sul do país, que evoluiu, em poucos anos, de uma estrutura humanista (de hospital da Misericórdia) para uma estrutura diferenciada. Os resultados obtidos levam-nos a concluir que a estrutura organizacional emergente se assemelha à burocracia profissional, descrita por aqueles autores.

Palavras-chave: Estrutura hospitalar, burocracia profissional, sistema imperfeitamente conectado.

ABSTRACT

Recognising the importance of hospital management to face the serious problems western health system
has to deal with and verifying that in Portugal little research have been done in this area, we tried to give a (limited) contribution to this subject.

From a literature review, in which we detached the most important models, we focused ourselves on Henri Mintzberg´s (1982) professional bureaucracy, for it seems a rather cross-cultural configuration. In fact, Mintzberg described it in the USA, and Michel Cremadez (1992) showed this structure in France.
We figured, it might as well emerge in a portugues hospital.
Therefore, we interviewed all administration’s board members and the medical department’s chiefs and nurse hierarchy of a small hospital in the South of Portugal which have recently evolved from an humanistic
structure to a more differentiated one. We have then analysed the emergent structure. From the content
analysis were able to conclude that it’s structure is very similar to Mintzberg’s professional bureaucracy configuration.
Key words: Hospital structure, professional burocracy, loosely coupled systems.

Autora: ILEANA PARDAL MONTEIRO


Psicóloga. Mestre em comportamento organizacional pelo ISPA. Equiparada a Professor Adjunto da Escola de Gestão, Hotelaria e Turismo da Universidade do Algarve.

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