Autor: Dan Jones
Publicado: 31/08/2015
PESQUISA – Nos últimos 10 anos, o lean foi aplicado em muitos hospitais e sistemas de saúde, muitas vezes com resultados impressionantes. O professor Dan Jones revê as lições que aprendeu nessa década.
Apesar de o lean ter nascido na Toyota nos anos 50 e 60, não foi antes de 2000 que os primeiros hospitais dos Estados Unidos, da Europa e da Austrália começaram a explorá-lo. Essas organizações pioneiras reuniram-se para compartilhar suas histórias no primeiro Global Lean Healthcare Summit, ocorrido no Reino Unido em 2007, que, por sua vez, deu início a muitos outros experimentos ao redor do mundo. Desde então, o interesse vem crescendo muito rapidamente.
Temos, agora, uma grande oportunidade para aprender com todos os tipos de exemplos da área da saúde onde o lean tenha feito uma diferença significativa, desde clínicas e departamentos até hospitais inteiros e até sistemas de saúde inteiros. Mas nem todos os experimentos iniciais tiveram sucesso ou foram sustentados, e ainda estamos longe de fazer do lean uma forma reconhecida de se trabalhar na indústria da saúde.
Além disso, os desafios que os provedores de saúde ao redor do mundo enfrentam estão longe de serem superados. Populações mais velhas e estilos de vida pouco saudáveis estão aumentando a demanda em uma base mais rápida do que o crescimento das receitas e a renda das classes médias. Adicionalmente, reconhecemos que a qualidade do serviço não melhorou tão rapidamente quanto a qualidade de outros produtos e serviços da economia.
Não é, portanto, surpreendente que mais e mais profissionais da área da saúde estejam adotando o lean.
Mas quais são as lições que podemos aprender com a primeira década do lean na área da saúde?
Em primeiro lugar, está claro, agora, que o lean pode melhorar a qualidade (e segurança) e a experiência do paciente (menos filas e retrabalhos) enquanto, ao mesmo tempo, utiliza melhor os recursos que possui (para tratar mais pacientes) e melhora a experiência de trabalho das pessoas (menos frustração e estresse).
Apesar de o argumento de “não fazermos carros” ser verdadeiro, os desafios operacionais que os hospitais enfrentam não são muito diferentes daqueles com os quais organizações de manufatura ou serviço têm de lidar. Na área da saúde, a linguagem e as ferramentas são certamente diferentes, e o paciente experimenta o processo diretamente, mas, quando se trata de lean, a abordagem baseada em evidências é exatamente a mesma.
O lean usa o mesmo método científico para diagnosticar e tratar problemas organizacionais como os médicos o usam para diagnosticar e tratar condições médicas.
Em segundo lugar, o que diferencia o lean é seu foco no desenvolvimento de capacidades das equipes da linha de frente (médicos, enfermeiras e pessoal de apoio) para gerenciar e melhorar continuamente seus trabalhos. Isso começa quando as equipes aprendem a criar estabilidade e a padronizar seus trabalhos como base para a melhoria e é aprofundado conforme eles praticam o uso da abordagem científica para lidar com os problemas que os interrompem e distraem do atendimento aos pacientes.
A repetição da prática de solucionar os problemas de hoje aumenta a habilidade das pessoas de enxergar e solucionar os problemas de amanhã, o que nos leva a um círculo virtuoso de melhoria contínua. Ela também tem como resultado uma alta motivação dos colaboradores, que passam a sentir um forte sentimento de domínio por “suas” melhorias.
A aprendizagem individual e em equipe é, portanto, o principal foco do lean. Sabemos, agora, que essas habilidades de solução de problemas são aprendidas através da prática diária, e não apenas pelo treinamento teórico em ferramentas lean ou workshops ocasionais de kaizen. Essas habilidades devem ser nutridas e sustentadas por líderes de equipes e gerentes de linha apoiados por coaches, e a implementação do lean não deve ser delegada a consultores externos ou internos. As equipes de melhoria acabam, muitas vezes, apagando incêndios para a gestão sênior, que reacendem logo que precisam sair para apagar outro.
A terceira lição aprendida é que, para melhorar significativamente a experiência dos pacientes e para melhorar o desempenho do hospital, essas ilhas de melhoria precisam ser unidas com a jornada do paciente desde a entrada até a alta e além. Conforme mapeamos os fluxos do paciente nos sistemas de saúde, passamos a enxergar todas as transferências, atrasos e interações com os serviços de apoio que precisam trabalhar juntos para permitir que o paciente siga para o próximo passo em sua jornada de tratamento. Mapear o fluxo de valor em uma organização ou sistema também permite aos gerentes enxergar, por exemplo, que, a menos que atenção seja prestada à alta de pacientes no momento certo, melhorar o processo de entrada apenas levará a mais filas esperando por leitos. Mapear o fluxo de valor também evidencia a necessidade por cuidados primários e hospitais trabalhando mais próximos com a reabilitação e os cuidados sociais na comunidade.
A chave para gerenciar os fluxos de pacientes é torná-los visíveis. Isso começa na entrada quando a equipe estabelece um plano para todos os passos esperados até a alta de cada paciente. Mostrar esse plano em um quadro branco (em vez de escondê-lo em um computador) ajuda a equipe a enxergar se os passos planejados são completados no tempo certo e a entender os motivos dos atrasos. Pode-se, então, tomar uma ação para voltar ao caminho certo. Mas interrupções recorrentes mostram a necessidade para a equipe diagnosticar e eliminar as causas raízes do problema em vez de pular para uma solução e culpar outros. Coletar o status dos pacientes que estão quase prontos para ir para casa a cada duas horas em um quadro visual ajuda na identificação das ações necessárias para garantir que eles vão para casa na hora certa a fim de liberar mais leitos para os pacientes que estão entrando. A gestão, em todos os níveis, também pode enxergar o status do hospital rapidamente (mais sobre isso no livro de Mark Baker e Ian Taylor "Making Hospitals Work").
Minha quarta reflexão é que se tornou claro que apoiar a atividade de melhoria da linha de frente e a gestão visual dos fluxos de pacientes apresenta novos desafios para a gestão sênior (veja o livro de Kim Barnas “Além dos Heróis” – que será lançado em novembro). Os gerentes precisam passar tempo na linha de frente entendendo os problemas, eliminando obstáculos, desafiando as equipes e ensinando solução de problemas. Talvez o maior desafio seja aprender como gerenciar fazendo perguntas em vez de dizer aos subordinados o que fazer, o que tira a responsabilidade deles de aprender o que fazer – como John Shook nos ensinou em " Gerenciando para o Aprendizado". Dessa forma, os gerentes aprendem a enxergar problemas maiores e fundamentais ao ajudar a linha de frente a aprender a solucionar seus problemas.
A forma lean de liberar o tempo dos gerentes é usando um processo de planejamento de estratégia visual para estabelecer os principais objetivos para a organização e para conduzir um diálogo estruturado por toda a organização sobre ações propostas para alcançá-los. Como resultado, os recursos e as energias são focados e alinhados através de um processo visual alcançando até a linha de frente. Usar o mesmo sistema visual para monitorar o progresso e gerenciar desvios dá à gestão a confiança de que esses poucos objetivos vitais serão alcançados. Isso, por sua vez, corta dramaticamente o número de projetos e reuniões que desperdiçam tanto do tempo dos gerentes. Construir esse sistema de gestão visual e os diferentes comportamentos desse sistema leva tempo. É por isso que a direção dos hospitais também precisa entender a importância do apoio contínuo para o lean em apontar o próximo CEO.
Certamente, aprendemos muito sobre como o lean pode ajudar a área da saúde, mas ainda estamos no começo de uma longa jornada para entender o potencial do lean como um sistema de gestão e como uma base para projetar os sistemas de atendimento futuros da área da saúde.
Até recentemente, muitos dos experimentos com o lean na área da saúde têm sido em grandes complexos de hospitais, muitas vezes com apoio externo considerável de consultores. Entretanto o lean na área da saúde apenas amadurecerá quando tivermos um método simples “faça você mesmo” que hospitais e clínicas menores possam seguir por si mesmos com pouca mentoria de conselheiros experientes. O exemplo impressionante do Consorci Sanitari del Garraf, perto de Barcelona, mostra o caminho para chegar a um método assim. Essa história pode agir como catalisadora para ajudar outros hospitais na Catalunha e Espanha a seguir seu exemplo. Estou trabalhando com o Planet Lean para desenvolver novos materiais do estudo de caso do Garraf, mas, enquanto isso, você pode ver estes links: aqui está um estudo de caso sobre o hospital, e aqui o CEO compartilha alguns pensamentos (ambos em inglês).
Melhorar o desempenho dos hospitais e sistemas de saúde é também a base para pensarmos no projeto da próxima geração de sistemas lean de saúde.
Experimentos muito interessantes estão sendo feitos em Saskatchewan, Canadá, usando a abordagem lean de preparação do processo (3P) para projetar novos hospitais. Isso envolve as equipes da linha de frente e os pacientes mapeando todos os fluxos do hospital (de pacientes, médicos, exames, medicamentos etc.) a fim de projetar um layout ideal para os quartos e construir maquetes em escala dos principais quartos. Uma vez que esse conhecimento do processo seja capturado e esboçado, os arquitetos e engenheiros podem decidir como construir o novo hospital. Como resultado, eles não estarão apenas reduzindo as pegadas e o custo de construção do novo hospital, mas também reduzindo significativamente o custo de administração pelos próximos quarenta anos do edifício.
O que é impressionante sobre o lean é sua habilidade de tocar as pessoas e dar-lhes esperança de que podem melhorar seu trabalho de atendimento aos pacientes. Quando eles descrevem com orgulho os problemas que solucionaram e quais pretendem solucionar depois, você sabe que continuarão em sua jornada. O desafio agora é encorajar cada vez mais as equipes de gestão para mobilizar e apoiar esses exércitos de solucionadores de problemas.
Fonte: Lean Enterprise Institute.
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