Apesar da expressão comum em desporto de que “a lesão faz
parte do jogo” (Chalmers, 2002) ela é, um problema complexo de origem
multifactorial resultante de interacções várias entre factores de origens diversas de que
são exemplo factores fisiológicos, psicológicos, ambientais e do próprio acaso (Gleim
e McHugh, 1997). Por essa razão, a lesão desportiva exige uma abordagem
multidisciplinar no sentido de encontrar e implementar soluções efectivas para
a redução da sua ocorrência (Whiting e Zernicke, 1998).
Aliás parece ser essa atitude que se tem desenvolvido nos
últimos anos, avaliando pelo crescente aumento do número de estudos que nesta área se têm
vindo a realizar. De acordo com o modelo desenvolvido para o desporto por Van
Mechelen (1992a) os programas de prevenção compreendem quatro fases distintas
mas fortemente interligadas, que devem permitir a identificação e descrição da
extensão das lesões desportivas e das suas consequências bem como dos
mecanismos de lesão, para que seja possível introduzir medidas que possam
reduzir de forma eficaz o risco futuro ou a severidade das lesões desportivas.
A última etapa corresponde necessariamente à imprescindível reavaliação de todo
o processo no sentido de verificar a eficácia das medidas introduzidas. Estas
medidas deverão ter por base o trabalho previamente realizado de identificação
de mecanismos e etiologias das lesões, pois só dessa forma serão fundamentadas
e poderão conduzir a resultados positivos na prevenção das lesões.
De forma genérica a prevenção e as medidas preventivas que
podem ser tomadas a
propósito das lesões desportivas dividem-se em dois níveis:
aquelas que procuram evitar a ocorrência da lesão (prevenção primária), e as
que depois da lesão ter ocorrido, procuram minimizar as suas consequências
contribuindo para a rápida recuperação do indivíduo lesionado e evitar a sua
recorrência (prevenção secundária) (Weaver e col., 2002). As estratégias
preventivas do primeiro nível são definidas depois de terem sido identificados factores
de risco relativos à actividade desportiva, às capacidades morfo-funcionais do
atleta e/ou ao modo como este realiza a actividade. A identificação dos
factores de risco é feita através da análise cinesiológica da actividade
desportiva (componentes anatómicas e mecânicas implicadas), através da
avaliação funcional do atleta (análise morfo-funcional do atleta em função do
seu estado de desenvolvimento biológico e das necessidades requeridas pela
actividade desportiva) e ainda pela análise epidemiológica que procura conhecer
como e porque acontecem as lesões. Para Chalmers (Chalmers, 2002) o verdadeiro
desafio consiste neste nível de prevenção, ou seja evitar a primeira ocorrência
de lesão. Powell e Barber–Foss (2000b) defendem ainda que para implementar
melhores programas de prevenção devem ser usados os resultados de investigações
que combinem as variações anatomo-fisiológicas entre os dois sexos e integrem
essa informação com outros riscos internos, dos praticantes e externos, do
desporto específico.
Embora não seja possível evitar totalmente a ocorrência de
lesões em desporto, têm sido utilizadas várias estratégias no sentido de as reduzir
e atenuar igualmente a sua gravidade e as consequências nefastas para os atletas e para
o seu envolvimento desportivo e social. A avaliação dos resultados obtidos por
via dessas estratégias preventivas está no entanto, ainda numa fase inicial, o
que aliás é ilustrado pelo facto de apenas no ano de 2005 decorrer o primeiro
congresso mundial sobre prevenção de lesões desportivas.
Segundo Brukner (1993) algumas das medidas que podem
contribuir para a prevenção de lesões são o aquecimento prévio à actividade
desportiva, o desenvolvimento de flexibilidade, a utilização de material de
protecção adequado onde se incluem as ortóteses e ligaduras funcionais e, a análise
e aplicação dos princípios biomecânicos ao treino, o treino adequado, a
inexistência prévia de lesões e todo o envolvimento psicológico e nutricional
dos atletas. Outros autores referem ainda como aspectos fundamentais na
prevenção de lesões desportivas o treino de força (Petersen e Holmich, 2005;
Holm e col., 2004) e o treino proprioceptivo (Dante e Valmor, 2005; Cerulli e
col., 2001; Soderman e col., 2000).
O aquecimento prepara o corpo para o exercício aumentando a
saída energética e a temperatura corporal. A sua estrutura dependerá do tipo de
actividade a realizar. Para Kannus e Natri (1997) o aquecimento tem duas funções
essenciais: prevenir lesões e melhorar a performance. A flexibilidade parece fazer
diminuir a incidência de lesões músculo-tendinosas para além de permitir que o movimento
decorra em toda a amplitude disponível nas articulações de uma forma harmoniosa
(Welch e col., 1995). Por outro lado, a utilização de ligaduras funcionais e
ortóteses com o objectivo de restringir ou modificar movimentos que possam ser causadores de lesões tem-se
tornado uma forma muito comum de prevenção (Davis, 2004; Parkkari e col.,
2001). O mesmo acontece com a utilização de equipamento de protecção de que são
exemplo as caneleiras e protecções dentárias (Rampton e col., 1997). A utilização de equipamento
adequado, de que é exemplo o calçado desportivo, poderá significar a diferença
na ocorrência de lesões (Stacoff, 2000; Barrett e Bilisko, 1995; Barrett e
col., 1993). De igual modo, a superfície de prática desportiva deverá ser
adequada à modalidade em causa e ao tipo de esforço requerido (Stacoff, 2000;
Barrett e Bilisko, 1995; Barrett e col., 1993).
A análise biomecânica contribui para a execução harmoniosa
do movimento, permitindo que o movimento executado pelo atleta possa ser corrigido
e optimizado. Dessa forma, é possivel obter a máxima eficácia do movimento e assim,
fazer diminuir o risco de ocorrência de lesão (Subotnick, 1985). O treino
apropriado tendo em conta a resistência máxima das várias estruturas envolvidas
na actividade permite o equilíbrio entre quantidade e qualidade de performance
de forma a maximizá-la e, pressupõe a periodização, especificidade, sobrecarga
e individualidade, aspectos que deverão estar presentes na planificação do
treino efectuada pelo treinador (Ekstrand, 1982). A pré existência de lesão é
um dos factores mais frequentemente apontados como causador de lesão em
desporto (Walther e col., 2005). Por essa razão, a recuperação adequada das
lesões é considerada de fulcral importância, assim como o controlo do retorno à
prática desportiva (Bahr e Krosshaug, 2005). A tensão emocional que envolve o
fenómeno desportivo contribui para ocorrência de lesões pelo desequilíbrio que
provoca ao nível da tensão muscular, do mesmo modo que na diminuição da
concentração. Neste sentido o trabalho psicológico dos atletas surge também
como uma forma de prevenir a ocorrência das lesões. Um outro aspecto a ter em
conta quando se pretendem prevenir lesões em desporto é a nutrição (Armsey e
Hosey, 2004), tanto pela sua relação directa com as cargas a que o atleta é submetido
como, especialmente em desportos em que se classifica o atleta com base no peso,
pela forma como a nutrição é abordada.
Uma estratégia de prevenção que tem sido desenvolvida nos
últimos anos é o arrefecimento pós esforço que permite um retorno gradual a
um nível de metabolismo próximo do normal, facilitando desse modo a mais rápida
recuperação (Coulon e col., 2001).
A diminuição progressiva do exercício parece favorecer a remoção
dos produtos resultantes da contracção muscular (Wigernaes e col., 2001), nomeadamente
o ácido láctico,diminuindo a rigidez muscular pós exercício e favorecendo assim
a recuperação física do atleta (Brukner e Khan, 1993). Para além disso, quando
o exercício termina de forma abrupta, as alterações na pré-carga a que o
sistema cardiovascular se sujeita podem trazer complicações já que uma parte
significativa de sangue se mantém nos membros inferiores podendo fazer reduzir
o aporte sanguíneo a órgãos vitais.
Permanece alguma controvérsia relativamente ao efeito da
flexibilidade na prevençãode lesões desportivas mas alguns autores (Witvrouw e col.,
2004; Watson, 2001), encontraram uma associação significativa de risco de lesão
em indivíduos com menos flexibilidade. Já a diminuição da amplitude disponível na articulação
parece influenciar a maior ocorrência de lesão (Willems e col., 2005a) o que
poderá estar relacionado com a flexibilidade na medida em que, uma menor
flexibilidade implica uma menor amplitude articular.
A ocorrência de lesões durante a prática desportiva é uma
realidade. Embora o desporto apresente uma perspectiva teórico–filosófica cujos
princípios visam, um desenvolvimento harmonioso, global e salutar do atleta, a realidade
mostra-nos como esses princípios são ultrapassados, atingindo-se por vezes, principalmente
ao nível da alta competição, limites perigosos para a saúde do praticante devendo
por isso, ser dada maior ênfase à prevenção.
Autora: Maria Antonio Castro.
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