O basquetebol é, como se disse, uma das modalidades desportivas que mais contribui para a ocorrência de um grande número de lesões desportivas (Kelm e col., 2004; Cohen e Metzl, 2000; Taylor e Attia, 2000; Siewers, 1998). O jogo de basquetebol envolve não só a aplicação de diferentes tipos de força, mas também um elevado contacto físico em todos os níveis de jogo. Embora as regras restrinjam o contacto físico, as colisões com as paredes e o soalho, com os suportes das tabelas e com companheiros e adversários são, por vezes, inevitáveis. Cada colisão destas representa uma oportunidade para a ocorrência de uma lesão. De facto, os diferentes tipos de forças aplicadas no jogo e as colisões decorrentes dos seus constrangimentos não se podem anular por completo (Janeira, 1998).
Nos Estados Unidos da América, onde o basquetebol é a segunda modalidade mais popular a questão das lesões tem sido bastante abordada. Apesar da forma de jogar apresentar algumas diferenças em relação ao basquetebol europeu, é possível estabelecer comparações na medida em que existem gestos desportivos semelhantes. A “National Collegiate Athletic Association” (NCAA) elabora anualmente um relatório das lesões ocorridas nesta modalidade, respectivas características e diferenças entre géneros. No último relatório (NCAA, 2004a; NCAA, 2004b) é evidente a predominância da ocorrência de lesões no membro inferior especialmente no tornozelo, contribuindo para a maior frequência de lesão nos dois sexos e especialmente na fase inicial da época desportiva. Neste estudo que reflecte 16 anos de análise das lesões do basquetebol nos vários níveis competitivos, o tornozelo é sempre a região anatómica que mais frequentemente sofre lesão seguida do joelho. A terceira zona mais acometida por lesões tem variado ao longo dos anos, mas no último triénio, a região lombar, o pé e o membro superior representam as terceiras localizações de lesão mais frequentes para os atletas do sexo masculino e a cabeça e pé para os atletas do sexo feminino. Em ambos os sexos o tipo de lesão com maior ocorrência, tanto em jogos como em treinos, é a entorse. Já o segundo e terceiro tipos de lesão variam entre a rotura e as contusões consoante se reportam a treinos ou a jogos, respectivamente.
No estudo efectuado por Powell e Barber-Foss, (1999) em duas épocas desportivas no desporto escolar, foram encontradas taxas de lesão de 3,4 por 1000 exposições de atletas em rapazes e 3,2 nas raparigas, durante os treinos e de 7,1 e 7,9 respectivamente durante os jogos. Estas lesões correspondiam maioritariamente a entorses do tornozelo, seguidas de outras lesões no membro inferior e no joelho. Cerca de 75% das lesões encontradas foram consideradas de gravidade ligeira. Já Sallis e col. (2001) encontraram resultados idênticos embora o joelho apareça como a segunda zona mais lesionada a seguir ao tornozelo, também em ambos os sexos.
Diversos autores (Damore e col., 2003; Baumhauer e col., 1995a; Zelisko e col., 1982) referem igualmente, que as lesões músculo-esqueléticas mais frequentes em basquetebolistas são as que afectam as extremidades dos membros inferiores e incluem contusões, roturas ligamentares e musculares, inflamações músculo-tendinosas, fracturas e luxações. As justificações deste tipo de ocorrências têm a ver com as particularidades específicas do jogo de basquetebol, ou seja com os locais onde o jogo decorre, com os materiais com que se lida e com as próprias imposições do jogo. O basquetebol é um jogo que privilegia a força explosiva, praticado num espaço físico muito reduzido e desenvolvendo-se em movimentos que requerem bruscas mudanças de velocidade e de direcção, rotações súbitas e inúmeros saltos, o que, necessariamente, implica variadíssimas situações de contacto físico não sancionadas pelas regras.
As características atrás mencionadas estarão provavelmente na origem do facto do basquetebol ser uma das modalidades onde ocorrem tipos de lesões tão específicas como as anteriormente referidas. Entre os anos de 1990 e 1993, (Ellison, 1995) estudou 125690 desportistas de ambos os sexos, com idades compreendidas entre os cinco e os dezanove anos, os quais recorreram aos serviços de urgências de diversos hospitais canadianos. As conclusões do estudo apontavam para (i) o enorme contributo das lesões desportivas para a totalidade das lesões ocorridas nas mais diversas situações, ultrapassando claramente o número de lesões devidas a acidentes de viação (referências a partir dos estudos de (Davies, 1981) efectuados na Grã-Bretanha); (ii) a importância do valor absoluto de indivíduos lesionados na sequência da prática do basquetebol (5028), sobretudo do sexo masculino (67%), números estes que representam 4% da totalidade dos indivíduos avaliados, lesionados no decorrer da prática de outras modalidades. O basquetebol é frequentemente apontado como a modalidade que depois do futebol americano, mais contribui para a ocorrência de lesões (Damore e col., 2003; Powell e Barber-Foss, 2000b). Destas, a entorse do tornozelo é, sem dúvida, a mais frequente no basquetebol de competição (McHugh e col., 2005; Junge e col., 2005; Hosea e col., 2000a; Yde e Nielsen, 1990) com expressões que variam entre os 38% (Powell e Barber-Foss, 1999; Pienkowski e col., 1995) e os 45% (Locke e col., 1997; Liu e Jason, 1994) da totalidade das lesões ocorridas no basquetebol. Smith e Reischl (1986) num estudo que envolveu 84 basquetebolistas do sexo masculino pertencentes a cinco liceus dos EUA, constataram que 59 dos indivíduos avaliados sofreram entorse do tornozelodurante a época desportiva, valor este, que representa 70% da amostra em estudo. Também Martin e col. (1987) numa análise epidemiológica nos Jogos Olímpicos para atletas juniores verificaram que dos 347 participantes do sexo masculino do torneio de basquetebol, 77 sofreram uma qualquer lesão. Destes, 32% sofreram entorses. De igual modo, Gomez e col. (1996) identificaram a entorse do tornozelo como a lesão mais frequente no basquetebol, a partir da avaliação realizada em atletas do sexo feminino (n=890; idade=[14-18]anos) nos EUA. De facto, das 430 lesões participadas, 56% referiam-se a entorses do tornozelo. Neste mesmo domínio, a entorse do tornozelo corresponde a 21,7% de todas as lesões avaliadas em basquetebolistas canadianos do sexo masculino (n=5028; idade=[5-19] anos) estudados por Ellison (1995) durante 3 anos consecutivos (1990/93).
Mesmo no basquetebol de recreação, as entorses representam o tipo de lesão mais frequente (Chan e col., 1984) ou então o segundo tipo de lesão mais frequente, apenas antecedidos pelas contusões (Gutgesell, 1991). Todavia, a unanimidade acerca destes valores não é total. É de notar ainda que as entorses do tornozelo representam mais de 3/4 de todas as lesões do tornozelo ocorridas no basquetebol - 85% segundo Garrick e col. (1997) e 91,2% segundo Ellison (1995)1.
Outro aspecto que importa analisar refere-se ao tempo a que lesão obriga o atleta a estar ausente do treino ou competição (tempo de paragem). Em todas as modalidades desportivas, este traumatismo representa entre 10% a 20% do tempo de paragem dos atletas por efeito de lesões (Shapiro e col., 1994a). Valores ligeiramente superiores (20% - 25%) são referidos por Robbins e Waked (1994) para atletas de modalidades cuja prática desportiva recorra de forma sistemática, à corrida e aos saltos. Também no basquetebol a entorse do tornozelo é aquela que provoca mais tempo de paragem ao basquetebolista lesionado. De facto, alguns estudos neste domínio evidenciam valores de tempos de paragem após entorse do tornozelo que variam entre 16,6% (Sheth e col., 1997b) e 25% (Ottaviani e col., 1995) da totalidade do tempo de paragem por efeito de qualquer tipo de lesão.
Os aspectos anteriormente evidenciados reflectem bem a importância das lesões no quadro dos cuidados da preparação desportiva em basquetebol, no qual a entorse do tornozelo assume uma preponderância assinalável. Reforçando esta ideia, Thonnard (1996) é peremptório ao afirmar que os atletas que tenham feito uma entorse do tornozelo têm o dobro das probabilidades de voltar a lesionar o mesmo tornozelo e Sheth e colaboradores (1997b) apontam a ocorrência desta lesão como factor predisponente para uma recidiva.
Factores de risco de lesão no Basquetebol
Especificamente ao nível do basquetebol, a literatura internacional refere alguns factores que se relacionam ou contribuem para a variação na incidência das lesões, como sejam o sexo, a idade, as características antropométricas, a posição ocupada no jogo, o equipamento usado, as condições de treino, a flexibilidade, a força, a potência e a resistência, o equilíbrio, a coordenação, a estabilidade e a propriocepção, a fadiga, o nível competitivo e a preexistência de doença ou de lesão (Murphy e col., 2003; Richards DW e col., 2000).
Para vários autores (Tucker, 1997; Ellison, 1995; Stone e Steingard, 1993) a frequência de lesões no basquetebol, a exemplo do que acontece noutras modalidades desportivas, aumenta proporcionalmente com o aumento da idade dos atletas. Ao nível da competição profissional, a ocorrência de lesões é mais elevada durante a competição que durante o treino (NCCA, 1993; Backx e col., 1991a; Henry e col., 1982) o que leva a crer que a maior intensidade do jogo, conduz a um maior risco de lesão (Zvijac e Thompson, 1996) ou pelo menos a padrões de lesão diferentes.
Como já foi anteriormente referido para a generalidade das modalidades desportivas, também no basquetebol existe alguma controvérsia sobre o facto do género dos atletas contribuir para uma maior ocorrência de lesões (Dane e col., 2004; Kelm e col., 2004; McKay e col., 2001c; Stevenson e col., 2000; Messina e col., 1999). Todavia, nesta modalidade, a frequência de lesões no joelho é elevada atendendo às muitas solicitações em torção. Este é o mecanismo de lesão mais frequente desta região anatómica, e a lesão do joelho foi em vários estudos mais significativa em atletas de sexo feminino (Hickey e col., 1997b; Gomez e col., 1996b).
O tipo de superfície em que o basquetebol é jogado condiciona o tipo de lesão ocorrida. A maior ocorrência de queimaduras por fricção deve-se a superfícies mais ásperas enquanto que uma maior ocorrência de lesões de repetição, de que são exemplo as inflamações de músculos e tendões se verifica em terrenos duros. Os campos sintéticos são normalmente responsáveis por lesões de desaceleração atendendo ao elevado atrito que produzem. Neste aspecto é de evidenciar o facto de os atletas estarem ou não habituados a usar o campo (Meeuwisse e col., 2003) já que as condições do campo afectam mais os atletas visitantes. Do mesmo modo parece consensual, o maior risco de lesão durante o jogo que durante os treinos.
A posição ocupada pelo atleta no campo representa diferentes exposições ao risco. As particularidades do jogo de basquetebol exigem dos atletas uma especialização apurada em diversos domínios que se constitui como um conjunto de atributos únicos da forma de jogar dos bases, dos extremos e dos postes (Janeira, 1994a). Esta diversidade de funções e, obviamente, de tarefas que os atletas são obrigados a realizar implicam modos de actuação também diversificados, com recurso a diferentes solicitações motoras.
Autora : Maria António Castro
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