Autores: Gilberto Luís Camacho 1,Alexandre de Christo Viegas 2
1 - Professor associado da FMUSP
2 - Mestre em Ortopedia pela FMUSP
RESUMO
Os autores estudaram em joelhos de 11 cadáveres a presença do ligamento femoropatelar medial.Em 6 joelhos o estudo foi anatômico por dissecção e secção seriada das peças anatômicas. Em 5 joelhos o estudo foi artroscópico pela visibilização nos joelhos do ligamento encontrado nos seis joelhos estudados anatomicamente.
Em todas as peças anatômicas foi possível a dissecção da estrutura ligamentar descrita como o ligamento femoropatelar medial e nos cinco joelhos estudados sob visão artroscópica a visibilização e identificação do ligamento foi evidente .
Descritores: Joelho; Artroscopia; Traumatismos do joelho.
INTRODUÇÃO
A luxação aguda da articulação femoropatelar é um evento pouco frequente. Ocorre em conseqüência de traumas resultantes de uma associação de movimentos rotacionais com graus variáveis de flexão do joelho.
A história clínica com o relato do trauma, o falseio com dor e a hemartrose é comum à maioria das lesões agudas de joelho, nas quais o exame clínico é difícil pela presença de dor e do espasmo da musculatura, que impedem uma adequada movimentação da articulação, que possibilitaria um diagnóstico clínico preciso. Hughston et al. (6), em 1974, relatam que a luxação femoropatelar aguda é a causa mais freqüente de erro no diagnostico da avaliação do joelho agudo.
O tratamento da luxação femoropatelar aguda é ainda controverso pois alguns autores confundem o tratamento da luxação com o realinhamento do aparelho extensor
A partir dos anos 90 alguns autores (1,2,8) relatam seus resultados no tratamento da luxação aguda da patela, pelo reparo do ligamento femoropatelar medial LFPM descrito por Warren e Marshall (10) em 1979 .
O conhecimento anatômico e biomecânico deste ligamento e a sua reparação, trouxe resultados melhores
e mais uniformes ao tratamento cirúrgico da luxação aguda da patela (1,9)
.
O objetivo do presente trabalho é descrever anatomicamente o LFPM e descrever também o seu aspecto visibilizado por artroscopia, para possibilitar a sua reparação por via artroscópica no tratamento da luxação femoropatelar aguda .
MATERIAL E MÉTODO
Utilizamos para o presente 11 joelhos de cadáveres armazenados no Laboratório de Artroscopia do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clinicas da FMUSP. Estes joelhos haviam sido utilizados para treinamento de meniscectomias e reparações ligamentares ,porém nenhum deles tinha qualquer tipo de abordagem cirúrgica no aparelho extensor do joelho .
Dividimos o estudo em dois:o anatômico e o artroscópico ,pois os joelhos estudados no estudo anatômico
foram dissecados ou cortados impedindo o estudo artroscópico .
ESTUDO ANATÓMICO
Utilizamos para o presente trabalho seis joelhos de cadáveres congelados .
Inicialmente dissecamos o aspecto medial do joelho expondo o músculo vasto medial e sua inserção na
porção medial da patela. Desinserimos o m-vasto medial e verificamos que após a desinserção da patela há um espaço entre o m.vasto medial e cápsula articular facilmente dissecável, não havendo nenhuma inserção anatomicamente detectável entre o músculo e a cápsula articular, neste nível.
Palpa-se nitidamente um espessamento da cápsula articular posterior ao m-vasto medial que dirige-se do bordo medial da patela até a região do epicôndilo medial .A identificação desta estrutura ocorreu nitidamente em todos os seis joelhos estudados.
A dissecção desta estrutura permite identificar um ligamento que origina-se no bordo medial superior e médio da patela e insere-se no epicôndilo femoral anteriormente a inserção do ligamento colateral medial. (Figuras 1,2,3,4 e 5)
Figura 1 - Aspecto medial do joelho com o ligamento femoropatelar medial sendo levantado pelo instrumento metálico.
Figura 2 - Ligamento femoropatelar medial desinserido do epicôndilo medial.
Figura 3 - Ligamento femoropatelar medial desinserido da patela.
Figura 4 - Corte axial do joelho demonstrando o ligamento femoropatelar medial.
Figura 5 - Corte axial do joelho demonstrando o ligamento femoropatelar medial e traves de inserção entre o ligamento e a face posterior da porção distal do músculo vasto medial.
ESTUDO ARTROSCÓPICO
Utilizamos 5 joelhos de cadáveres congelados para o estudo artroscópico. Realizamos a artroscopia por metodologia convencional.
Pudemos visibilizar, por transparência da membrana sinovial as fibras horizontais do ligamento dirigindo-se do bordo medial da patela até o epicôndilo medial.
Fizemos em todos os casos a sinovectomia medial extensa utilizando para tal um “shaver” com lamina própria para sinovectomia.
Após a sinovectomia a visualização e a palpação do LFPM tornou-se evidente.
Trata-se de uma estrutura com aspecto tendinoso que dirige-se da face medial da patela até a região mais anterior do epicôndilo medial.
A sua visibilizaçào foi possível em todos os 5 joelhos estudados. (Figuras 6 e 7)
Figura 6 - Imagem obtida por visibilização artroscópica da região medial para patelar do joelho,pós sinovectomia, demonstrando o LFPM
Figura 7 - Imagem obtida por visibilização artroscópica da região medial para patelar do joelho,pós sinovectomia, com o gancho de palpação demonstrando o LFPM
DISCUSSÃO
A motivação de realizarmos um estudo anatômico foi procurar padronizar uma técnica de sutura e reparo do LFPM ,para tratamento da luxação femoropatelar aguda.
Warren e Marshall(10) em 1979, após estudo anatômico detalhado do lado medial do joelho descrevem o ligamento femoropatelar medial. Este ligamento é mais profundo que o músculo vasto medial, originando-se no epicôndilo femoral medial e inserindo-se no bordo medial da patela.
O ligamento femoropatelar medial não consta da nomina anatômica.
Hughston et al.(7), em 1984 ,referem-se ao ligamento pateloepicondilar como suporte estático da estabilidade femoropatelar.
Consideram, no seu trabalho, o vasto medial obliquo como o mais importante estabilizador dinâmico da patela.
Relatam a lesão do músculo vasto medial com o ligamento chamado pelos autores de pateloepicondilar, por desinserção no epicôndilo em algumas luxações agudas da patela.
Pela descrição dos autores parece que os mesmos estão se referindo ao ligamento femoropatelar medial descrito por Warren e Marshall(10).
Baseamos nesta descrição inicial para localizarmos o LFPM nos cadáveres estudados e encontramos em todos o ligamento nitidamente presente.
Feller et al.(5) ,em 1993 ,estudaram joelhos de 20 cadáveres e confirmaram a existência do ligamento femoropatelar medial em todos.
Colan et al.(3), em 1993, estudaram 25 cadáveres congelados e reconheceram o ligamento femoropatelar medial em todos. Fizeram estudos biomecânicos que constituíam em tentar luxar a patela lateralmente, para estudar quais as principais estruturas que impediam esta luxação. Verificaram que a força correspondente a integridade do ligamento femoropatelar medial é responsável por 53% de toda a força de contensores mediais.
Desio et al.(4) em 1998 fizeram um interessante estudo em 9 cadáveres humanos. Provocavam a luxação da patela com uma máquina que aplicava uma força lateral de 200 N com o joelho fletido a 20 graus. Realizavam a secção seletiva das estruturas de contenção seguida do teste mecânico.
As estruturas seccionadas foram, na ordem: Retináculo lateral ,ligamento femoropatelar medial(LPFM), retináculo medial, ligamento patelo tibial medial, ligamento patelo meniscal medial.
O estudo demonstrou que o ligamento patelo femoral medial é responsável por 60% da contenção da luxação lateral da patela .
A visibilizaçào por artroscopia confirmou o aspecto encontrado no estudo anatômico e demonstrou ser possível a reconstrução deste ligamento em toda a sua extensão por via artroscópica .Não há na literatura pesquisada referencia a reconstrução artroscópica do LFPM .
Sallay et al.(9) em 1996, estudaram 23 pacientes com luxação aguda da patela. Deste grupo 16 pacientes foram submetidos a artroscopia, seguida de exploração cirúrgica do lado medial do joelho.
Em 15 dos 16 pacientes foi encontrada lesão do ligamento femoropatelar medial (LFPM), que foi suturada .Estas lesões ocorreram,na maioria dos casos, na inserção do LFPM no epicôndilo femoral. Em alguns casos foi necessário o uso de ancoras para a sutura de reinserção do LFPM.
Os pacientes foram acompanhados por pelo menos 2 anos .Nenhum paciente que teve o LFPM reparado apresentou recorrência da luxação da patela .
Acreditamos que após este estudo anatômico artroscópico a reparação do LFPM será possível por via artroscópica .
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Ahmad CS, Stein BES, Matuz D, Henry JH. Immediate surgical repair of the medial patellar stabilizers for acute patellar dislocation. A review of eight cases. Am J Sports Med 28:804-810, 2000.
2. Atkin DM, Fithian DC, Marangi KS, Stone ML, Dobson BE, Mendelnsohn C. Characteristics of patients with primary acute patellar dislocation and their recovery within 6 months of injury. Am J Sports Med 28:472-479, 2000.
3. Conlan T, Grath WP, Lemons JE. Evaluation of the medial softtissue restraints of the extensor mechanism of the knee. J Bone Joint Surg Am 75:682-693, 1993.
4. Desio SM, Burks RT, Bachus KN. Soft tissue restraints to lateral patellar translation in the human knee. Am J Sports Med 26:59- 65, 1998.
5. Feller JA, Feagin JA, Garret WE, Jr. The medial patello femoral ligament revisited: an anatomical study. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc 1:184-6, 1993.
6. Hughston JC, Andrews JR, Cross MJ. The injured knee. J Med Assoc Ga, 63:362-368,1974.
7. Hughston JC, Walsh WM, Puddu G. Patellar subluxation and dislocation. Philadelphia:Saunders, 1984. 198p.
8. Nomura E. Classification of lesions of the medial patello-femoral ligament in patellar dislocation. Int Orthop 23:260- 263,1999.
9. Sallay PI, Poggi J, Speer KP, Garret WE. Acute dislocation of the patella. A correlative pathoanatomic study. Am J Sports Med 24:52-60, 1996.
10. Warren LF, Marshall JL. The supporting structures and layers on the medial side of the knee; an anatomical analysis. J Bone Joint Surg Am 61:56-62, 1979
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