Autores: Talita Helen Ferreira e Vieira1 , Rosária Dias Aires1 , Vanessa Amaral Mendonça2 * Clynton Lourenço Corrêa3
RESUMO
Introdução. A doença de Charcot-Marrie-Tooth (CMT) é uma neuropatia periférica hereditária caracterizada por atrofia muscular e hipoestesia distal dos membros podendo estar associada à hipotonia, fraqueza muscular, diminuição dos reflexos profundos, fadiga e alterações respiratórias. O objetivo do estudo foi avaliar os efeitos da fisioterapia motora, do treinamento de condicionamento físico e do treino muscular respiratório em uma paciente com a doença de CMT. Método. As variáveis analisadas foram: Pressão Inspirató- ria Máxima (PImáx), Pressão Expiratória Máxima (PEmáx), Teste de Caminhada de 6 minutos, Timed up and go, os Testes de Velocidade Média da Marcha, Subida e Descida de Escadas e o Questionário de Qualidade de Vida SF-36. Resultados. Após 8 semanas de tratamento foram encontrados aumento dos valores da PImáx e PEmáx, da distância percorrida no teste de caminhada de 6 minutos, na pontuação atingida no questionário SF-36, na velocidade média da marcha e nos tempos de realização dos testes de subida e descida de escadas. Houve diminuição no tempo de realização do timed up and go.
Conclusão. O treino de força muscular respiratória e o treinamento físico associados à fisioterapia convencional neurológica podem potencializar a funcionalidade motora e respiratória e prevenir a fadiga em pacientes com doença de CMT.
Keywords: Condicionamento Físico Hmano. Exercícios Respiratórios. Fisioterapia. Qualidade de Vida. Doença de Charcot-Marie-Tooth. Citação: Vieira THF, Aires RD, Mendonça VA, Corrêa CL. Reabilitação física em um paciente com a Doença de CharcotMarie-Tooth: Relato de caso.
A doença de Charcot-Marie-Tooth (CMT),
também conhecida como neuropatia hereditária
sensitiva motora (NHSM), é a mais freqüente das
doenças neuromusculares hereditárias, podendo ser
classificada em diversos tipos distintos1-3.
A doença de CMT é comumente
classificada como tipo I (desmielinizante), em
que ocorre desmielinização e grande redução
na velocidade de condução nervosa ou tipo II
(axonal), em que ocorre degeneração axonal
primária e a velocidade de condução nervosa
está normal ou ligeiramente comprometida4-6.
Clinicamente a doença de CMT é caracterizada
por amiotrofia, paresia, hipoestesia e arreflexia
distal em membros inferiores, podendo também
acometer os membros superiores1,2,4. Seus
primeiros sintomas geralmente aparecem na
1a
ou 2a
décadas de vida2,4, com distúrbios na
marcha ocasionados pela queda do pé e redução
da propriocepção2
. Com a evolução da doença, o
indivíduo pode apresentar outros sintomas, tais
como escoliose, pé cavo e tremor nas mãos2-4,7.
A maioria das causas de morbidade e
mortalidade dos pacientes com doenças neuromusculares
é a falência respiratória8,9. O primeiro
relato de disfunção respiratória na doença
CMT foi descrita por Chan et al., os quais descreveram
2 pacientes com fraqueza diafragmá-
tica10,11. Posteriormente, Laroche et al., também
descreveram 2 pacientes com CMT com a mesma
alteração no diafragma11 e Gilchrist et al.,
encontraram atrofia neurogênica diafragmática
e alterações no nervo frênico em autópsia de pacientes,
com doença de CMT, que morreram de
falência respiratória11,12.
A presença da fraqueza dos músculos respiratórios
associada à imobilidade, geralmente
apresentada por pacientes portadores de doen-
ças neuromusculares, pode levar o indivíduo a
um quadro de descondicionamento13 e conseqüentemente
a um importante quadro de limitações
físicas.
Analisando este fato e levando em considera-
ção a escassez de estudos associando a fisioterapia
motora, ao treino muscular respiratório e ao treinamento
de condicionamento físico nos pacientes com
doença de CMT, o objetivo do presente estudo destina-se
a avaliar os efeitos da associação dessas três
modalidades de tratamento em um paciente com
essa doença.
MÉTODO
Relato do Caso
Paciente IMR, sexo feminino, 49 anos, com
diagnóstico da doença de CMT 1A confirmado por
exame genético há um ano, foi admitida e avaliada na
Clínica-Escola de Fisioterapia da Universidade Federal
dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM).
A paciente apresentava marcha escarvante, atrofia,
fraqueza e hipotonia muscular, com predomínio em
membros inferiores, hipoestesia e hiporreflexia distal,
bem como escoliose e tremor nas mãos. Segundo
a paciente, ela apresentava dificuldades para deambular,
sentar-se em locais baixos, manter-se de pé por
tempo prolongado, subir e descer escadas. Há dois
anos relatou dispnéia acompanhada de fadiga ao deambular
em solos inclinados.
Procedimento
Após entender o protocolo experimental e
concordar em participar do estudo, a paciente assinou
um termo de consentimento livre e esclarecido
de acordo com a resolução 196/96 do Conselho Nacional
de Saúde e, em seguida, foi avaliada. Foram
realizadas avaliações neurológicas e respiratórias de
modo a coletar dados objetivos, além da avaliação
cardiorrespiratória através do Teste de Caminhada
de 6 Minutos. Para a coleta de dados subjetivos foi
aplicado o Questionário de Qualidade de Vida (SF-
36). Todos os procedimentos foram realizados na
Clínica-Escola de Fisioterapia da UFVJM no período
de outubro a dezembro de 2006.
Na avaliação neurológica foram coletados dados
específicos referentes a uma avaliação de lesão
de nervos periféricos, como força, tônus, reflexos,
sensibilidade e equilíbrio. Além disso, foram aplicados
os testes Timed Up and Go, Velocidade da Marcha
e Subida e Descida de Escadas.
Na avaliação respiratória foram coletados dados
referentes à força da musculatura respiratória
através das medidas da Pressão Inspiratória Máxima
(PImáx) e da Pressão Expiratória Máxima (PEmáx).
Para as medidas da força da musculatura respiratória
foi usado um Manovacuômetro MV-150/300
fabricante Ger-Ar calibrado e um bucal descartável. A
paciente estava em posição sentada com o nariz ocluí-
do por um nasoclip. Os esforços respiratórios máximos
foram sustentados durante pelo menos dois segundos,
sem deixar que o ar escapasse. Foi anotada a pressão
mais alta alcançada após o primeiro segundo. As manobras
foram repetidas por, no máximo, cinco vezes e
três dessas medidas foram consideradas reprodutíveis, desde que os dois valores mais baixos não diferissem
em 10% do valor mais elevado. Foram dados 2 minutos
de descanso entre uma manobra e outra14.
Após a avaliação inicial foram programadas
8 semanas de tratamento, de modo que em 5 dias
semanais a paciente receberia o treino muscular
respiratório específico, 3 dias o treinamento de condicionamento
físico e 2 dias receberia o tratamento
neurológico convencional proposto.
As avaliações fisioterapêuticas foram realizadas
imediatamente antes e após o tratamento, sendo
que ao final da 4a
semana as variáveis respiratórias,
PImáx e PEmáx, foram mensuradas novamente. A
distância percorrida no Teste de Caminhada de 6
Minutos15, o Timed Up and Go16, o Teste de Velocidade
da Marcha, o Teste de Subida e Descida de Escadas
e o Questionário de Qualidade de Vida SF-36 só foram
mensurados no início e ao final do tratamento.
A análise estatística dos resultados foi realizada
através de uma avaliação descritiva simples.
Tratamento
A paciente compareceu à Clínica-Escola de
Fisioterapia da UFVJM, cinco vezes por semana,
para receber o tratamento da fisioterapia respiratória
e, duas vezes por semana, para receber o tratamento
da fisioterapia neurológica convencional.
O tratamento da fisioterapia respiratória consistiu
no seguinte protocolo: treinamento de condicionamento
físico na bicicleta ergométrica e treino
de fortalecimento dos músculos inspiratórios.
O treino de condicionamento físico foi realizado
três vezes por semana por 30 minutos na bicicleta
ergométrica, sendo que os 5 minutos iniciais e os 5
minutos finais consistiam de aquecimento e desaquecimento,
respectivamente, nos quais a paciente foi
orientada a pedalar o mais lentamente possível. Nos
20 minutos intermediários a paciente foi orientada
a pedalar através de porcentagens da sua freqüência
cardíaca máxima (FCmáx) prevista para a idade e
sexo. Na primeira semana ela foi instruída a pedalar
a 70% de sua FCmáx, progredindo para 80% na segunda
e terceira semanas e, posteriormente, estabilizando
a 90% até o final do tratamento. A intensidade
do treinamento foi controlada através do aumento na
velocidade de pedalagem na bicicleta ergométrica.
A frequência cardíaca da paciente foi monitorada
através do Cardiofreqüencímetro Polar S-810i, e
o cálculo da FCmáx foi realizado por meio da fórmula
(210-idade)17. Além disso, a pressão arterial
da paciente foi aferida antes e após a realização do
exercício na bicicleta ergométrica, juntamente com
a aplicação da Escala de Borg Análogo Visual18.
O treino específico dos músculos inspiratórios
foi realizado com o aparelho de carga limiar inspiratória
Threshold TM Inspiratory Muscle Trainer, Healthscan,
New Jersey, USA, cinco vezes por semana com
duração aproximada de 40 minutos cada sessão. A
partir do valor obtido da PImáx coletada antes do
tratamento, foi calculado o valor da carga imposta
no Threshold. O protocolo foi iniciado com uma carga
de 15% do valor da PImáx obtida e, semanalmente,
até a 4a
semana, a carga foi aumentada em 15%,
totalizando em 60% ao final desta. Antes de iniciar
a 5a
semana foi realizada uma outra mensuração
da PImáx a fim de calcular a nova carga que seria
imposta no Threshold. Já que este não era capaz de
atingir uma carga de 60% da nova PImáx, a carga
ficou no valor máximo do aparelho (41 cm H2
O). A
partir daí, este valor foi mantido até a 8a
semana. A
paciente foi instruída a respirar pelo aparelho por 10
minutos sequenciais e, posteriormente, a descansar
por 2 minutos, repetindo o procedimento três vezes.
O tratamento da fisioterapia motora convencional
enfatizou as alterações neurológicas e ortopé-
dicas causadas pela doença. A sessão, que teve duração
aproximada de 50 minutos, foi composta de
exercícios para melhorar a flexibilidade dos músculos
flexores plantares e inclinadores do tronco, exercícios
para treino de equilíbrio e exercícios para treino de
dissociação de cinturas. Foram enfatizadas também
atividades para promover o ganho de força da musculatura
dos membros inferiores (músculos flexores
de quadril, extensores de joelho e dorsiflexores), bem
como da musculatura dos membros superiores (músculos
flexores do cotovelo e ombro e rotadores internos
e externos do ombro) e realização de atividades
funcionais. Além disso, foram fornecidas orientações
à paciente para o uso de enfaixamento com atadura
para auxílio durante a marcha. Todas as atividades
foram realizadas com o objetivo de melhorar a funcionalidade
e a agilidade da paciente.
RESULTADOS
Ao final de 8 semanas de tratamento, totalizando
53 sessões de fisioterapia respiratória (32 de
treino muscular respiratório e 21 de condicionamento
físico) e 14 sessões de fisioterapia motora convencional,
foram observadas algumas alterações, tanto
nas variáveis respiratórias quanto nas variáveis da
análise funcional.
A paciente apresentou melhora de 66,66%
nos valores de PImáx e 25% nos valores de PEmáx
após a intervenção (Tabela 1).
Houve também aumento de 33,53% na distância
percorrida no Teste de Caminhada de 6 Minutos
(Tabela 2) e de 56,66% na Velocidade Média
alcançada na marcha (Tabela 3). Com relação ao
tempo de realização do teste Timed Up and Go houve
redução de 20,79% (Tabela 3).
Os tempos dos testes de Subida e Descida de
Escadas, embora tenham aumentado seus valores,
sofreram alterações menos evidentes alcançando índices
de 0,20% para o tempo de subida e de 5% para
o tempo de descida (Tabela 4).
Apesar de a paciente ter reduzido em 10% a
sua capacidade funcional no Questionário de Qualidade
de Vida SF-36, a sua saúde mental e o seu
estado geral de saúde aumentaram em 4% e 35%,
respectivamente (Tabela 5).
CONCLUSÃO
Embora a doença de CMT seja uma doença do
sistema nervoso periférico de caráter progressivo, poucos
estudos foram publicados sobre a atuação da fisioterapia
nesta doença. Na literatura pesquisada, não foi
encontrado nenhum estudo que associa a fisioterapia
convencional à fisioterapia respiratória e ao condicionamento
físico neste tipo de doença, considerando a
qualidade de vida para estes pacientes.
Analisando os resultados apresentados, podemos
concluir que o treino muscular respiratório e o
treinamento de condicionamento físico associados à
fisioterapia motora podem beneficiar pacientes com
a doença de CMT minimizando suas incapacidades e
mantendo suas habilidades funcionais. Entretanto, não
podemos estender essas conclusões a todos os pacientes
com esta doença, uma vez que este estudo trata-se
do relato de um caso clínico descritivo. Além disso, este
estudo serve para encorajar novas pesquisas proporcionando,
cada vez mais, fontes de conhecimento baseadas
em evidência científica para o tratamento dessa
doença.
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