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segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Reabilitação física em um paciente com a Doença de Charcot-Marie-Tooth: Relato de caso

Fonte: Rev Neurocienc 2009


Autores: Talita Helen Ferreira e Vieira1 , Rosária Dias Aires1 , Vanessa Amaral Mendonça2 * Clynton Lourenço Corrêa3


RESUMO

Introdução. A doença de Charcot-Marrie-Tooth (CMT) é uma neuropatia periférica hereditária caracterizada por atrofia muscular e hipoestesia distal dos membros podendo estar associada à hipotonia, fraqueza muscular, diminuição dos reflexos profundos, fadiga e alterações respiratórias. O objetivo do estudo foi avaliar os efeitos da fisioterapia motora, do treinamento de condicionamento físico e do treino muscular respiratório em uma paciente com a doença de CMT. Método. As variáveis analisadas foram: Pressão Inspirató- ria Máxima (PImáx), Pressão Expiratória Máxima (PEmáx), Teste de Caminhada de 6 minutos, Timed up and go, os Testes de Velocidade Média da Marcha, Subida e Descida de Escadas e o Questionário de Qualidade de Vida SF-36. Resultados. Após 8 semanas de tratamento foram encontrados aumento dos valores da PImáx e PEmáx, da distância percorrida no teste de caminhada de 6 minutos, na pontuação atingida no questionário SF-36, na velocidade média da marcha e nos tempos de realização dos testes de subida e descida de escadas. Houve diminuição no tempo de realização do timed up and go.

 Conclusão. O treino de força muscular respiratória e o treinamento físico associados à fisioterapia convencional neurológica podem potencializar a funcionalidade motora e respiratória e prevenir a fadiga em pacientes com doença de CMT.

 Keywords: Condicionamento Físico Hmano. Exercícios Respiratórios. Fisioterapia. Qualidade de Vida. Doença de Charcot-Marie-Tooth. Citação: Vieira THF, Aires RD, Mendonça VA, Corrêa CL. Reabilitação física em um paciente com a Doença de CharcotMarie-Tooth: Relato de caso.

A doença de Charcot-Marie-Tooth (CMT), também conhecida como neuropatia hereditária sensitiva motora (NHSM), é a mais freqüente das doenças neuromusculares hereditárias, podendo ser classificada em diversos tipos distintos1-3. A doença de CMT é comumente classificada como tipo I (desmielinizante), em que ocorre desmielinização e grande redução na velocidade de condução nervosa ou tipo II (axonal), em que ocorre degeneração axonal primária e a velocidade de condução nervosa está normal ou ligeiramente comprometida4-6. Clinicamente a doença de CMT é caracterizada por amiotrofia, paresia, hipoestesia e arreflexia distal em membros inferiores, podendo também acometer os membros superiores1,2,4. Seus primeiros sintomas geralmente aparecem na 1a ou 2a décadas de vida2,4, com distúrbios na marcha ocasionados pela queda do pé e redução da propriocepção2 . Com a evolução da doença, o indivíduo pode apresentar outros sintomas, tais como escoliose, pé cavo e tremor nas mãos2-4,7. A maioria das causas de morbidade e mortalidade dos pacientes com doenças neuromusculares é a falência respiratória8,9. O primeiro relato de disfunção respiratória na doença CMT foi descrita por Chan et al., os quais descreveram 2 pacientes com fraqueza diafragmá- tica10,11. Posteriormente, Laroche et al., também descreveram 2 pacientes com CMT com a mesma alteração no diafragma11 e Gilchrist et al., encontraram atrofia neurogênica diafragmática e alterações no nervo frênico em autópsia de pacientes, com doença de CMT, que morreram de falência respiratória11,12. A presença da fraqueza dos músculos respiratórios associada à imobilidade, geralmente apresentada por pacientes portadores de doen- ças neuromusculares, pode levar o indivíduo a um quadro de descondicionamento13 e conseqüentemente a um importante quadro de limitações físicas. Analisando este fato e levando em considera- ção a escassez de estudos associando a fisioterapia motora, ao treino muscular respiratório e ao treinamento de condicionamento físico nos pacientes com doença de CMT, o objetivo do presente estudo destina-se a avaliar os efeitos da associação dessas três modalidades de tratamento em um paciente com essa doença.

MÉTODO

 Relato do Caso Paciente IMR, sexo feminino, 49 anos, com diagnóstico da doença de CMT 1A confirmado por exame genético há um ano, foi admitida e avaliada na Clínica-Escola de Fisioterapia da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). A paciente apresentava marcha escarvante, atrofia, fraqueza e hipotonia muscular, com predomínio em membros inferiores, hipoestesia e hiporreflexia distal, bem como escoliose e tremor nas mãos. Segundo a paciente, ela apresentava dificuldades para deambular, sentar-se em locais baixos, manter-se de pé por tempo prolongado, subir e descer escadas. Há dois anos relatou dispnéia acompanhada de fadiga ao deambular em solos inclinados.

 Procedimento 

Após entender o protocolo experimental e concordar em participar do estudo, a paciente assinou um termo de consentimento livre e esclarecido de acordo com a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e, em seguida, foi avaliada. Foram realizadas avaliações neurológicas e respiratórias de modo a coletar dados objetivos, além da avaliação cardiorrespiratória através do Teste de Caminhada de 6 Minutos. Para a coleta de dados subjetivos foi aplicado o Questionário de Qualidade de Vida (SF- 36). Todos os procedimentos foram realizados na Clínica-Escola de Fisioterapia da UFVJM no período de outubro a dezembro de 2006. Na avaliação neurológica foram coletados dados específicos referentes a uma avaliação de lesão de nervos periféricos, como força, tônus, reflexos, sensibilidade e equilíbrio. Além disso, foram aplicados os testes Timed Up and Go, Velocidade da Marcha e Subida e Descida de Escadas. Na avaliação respiratória foram coletados dados referentes à força da musculatura respiratória através das medidas da Pressão Inspiratória Máxima (PImáx) e da Pressão Expiratória Máxima (PEmáx). Para as medidas da força da musculatura respiratória foi usado um Manovacuômetro MV-150/300 fabricante Ger-Ar calibrado e um bucal descartável. A paciente estava em posição sentada com o nariz ocluí- do por um nasoclip. Os esforços respiratórios máximos foram sustentados durante pelo menos dois segundos, sem deixar que o ar escapasse. Foi anotada a pressão mais alta alcançada após o primeiro segundo. As manobras foram repetidas por, no máximo, cinco vezes e três dessas medidas foram consideradas reprodutíveis, desde que os dois valores mais baixos não diferissem em 10% do valor mais elevado. Foram dados 2 minutos de descanso entre uma manobra e outra14. Após a avaliação inicial foram programadas 8 semanas de tratamento, de modo que em 5 dias semanais a paciente receberia o treino muscular respiratório específico, 3 dias o treinamento de condicionamento físico e 2 dias receberia o tratamento neurológico convencional proposto. As avaliações fisioterapêuticas foram realizadas imediatamente antes e após o tratamento, sendo que ao final da 4a semana as variáveis respiratórias, PImáx e PEmáx, foram mensuradas novamente. A distância percorrida no Teste de Caminhada de 6 Minutos15, o Timed Up and Go16, o Teste de Velocidade da Marcha, o Teste de Subida e Descida de Escadas e o Questionário de Qualidade de Vida SF-36 só foram mensurados no início e ao final do tratamento. A análise estatística dos resultados foi realizada através de uma avaliação descritiva simples. Tratamento A paciente compareceu à Clínica-Escola de Fisioterapia da UFVJM, cinco vezes por semana, para receber o tratamento da fisioterapia respiratória e, duas vezes por semana, para receber o tratamento da fisioterapia neurológica convencional. O tratamento da fisioterapia respiratória consistiu no seguinte protocolo: treinamento de condicionamento físico na bicicleta ergométrica e treino de fortalecimento dos músculos inspiratórios. O treino de condicionamento físico foi realizado três vezes por semana por 30 minutos na bicicleta ergométrica, sendo que os 5 minutos iniciais e os 5 minutos finais consistiam de aquecimento e desaquecimento, respectivamente, nos quais a paciente foi orientada a pedalar o mais lentamente possível. Nos 20 minutos intermediários a paciente foi orientada a pedalar através de porcentagens da sua freqüência cardíaca máxima (FCmáx) prevista para a idade e sexo. Na primeira semana ela foi instruída a pedalar a 70% de sua FCmáx, progredindo para 80% na segunda e terceira semanas e, posteriormente, estabilizando a 90% até o final do tratamento. A intensidade do treinamento foi controlada através do aumento na velocidade de pedalagem na bicicleta ergométrica. A frequência cardíaca da paciente foi monitorada através do Cardiofreqüencímetro Polar S-810i, e o cálculo da FCmáx foi realizado por meio da fórmula (210-idade)17. Além disso, a pressão arterial da paciente foi aferida antes e após a realização do exercício na bicicleta ergométrica, juntamente com a aplicação da Escala de Borg Análogo Visual18. O treino específico dos músculos inspiratórios foi realizado com o aparelho de carga limiar inspiratória Threshold TM Inspiratory Muscle Trainer, Healthscan, New Jersey, USA, cinco vezes por semana com duração aproximada de 40 minutos cada sessão. A partir do valor obtido da PImáx coletada antes do tratamento, foi calculado o valor da carga imposta no Threshold. O protocolo foi iniciado com uma carga de 15% do valor da PImáx obtida e, semanalmente, até a 4a semana, a carga foi aumentada em 15%, totalizando em 60% ao final desta. Antes de iniciar a 5a semana foi realizada uma outra mensuração da PImáx a fim de calcular a nova carga que seria imposta no Threshold. Já que este não era capaz de atingir uma carga de 60% da nova PImáx, a carga ficou no valor máximo do aparelho (41 cm H2 O). A partir daí, este valor foi mantido até a 8a semana. A paciente foi instruída a respirar pelo aparelho por 10 minutos sequenciais e, posteriormente, a descansar por 2 minutos, repetindo o procedimento três vezes. O tratamento da fisioterapia motora convencional enfatizou as alterações neurológicas e ortopé- dicas causadas pela doença. A sessão, que teve duração aproximada de 50 minutos, foi composta de exercícios para melhorar a flexibilidade dos músculos flexores plantares e inclinadores do tronco, exercícios para treino de equilíbrio e exercícios para treino de dissociação de cinturas. Foram enfatizadas também atividades para promover o ganho de força da musculatura dos membros inferiores (músculos flexores de quadril, extensores de joelho e dorsiflexores), bem como da musculatura dos membros superiores (músculos flexores do cotovelo e ombro e rotadores internos e externos do ombro) e realização de atividades funcionais. Além disso, foram fornecidas orientações à paciente para o uso de enfaixamento com atadura para auxílio durante a marcha. Todas as atividades foram realizadas com o objetivo de melhorar a funcionalidade e a agilidade da paciente.

 RESULTADOS Ao final de 8 semanas de tratamento, totalizando 53 sessões de fisioterapia respiratória (32 de treino muscular respiratório e 21 de condicionamento físico) e 14 sessões de fisioterapia motora convencional, foram observadas algumas alterações, tanto nas variáveis respiratórias quanto nas variáveis da análise funcional.

A paciente apresentou melhora de 66,66% nos valores de PImáx e 25% nos valores de PEmáx após a intervenção (Tabela 1). Houve também aumento de 33,53% na distância percorrida no Teste de Caminhada de 6 Minutos (Tabela 2) e de 56,66% na Velocidade Média alcançada na marcha (Tabela 3). Com relação ao tempo de realização do teste Timed Up and Go houve redução de 20,79% (Tabela 3). Os tempos dos testes de Subida e Descida de Escadas, embora tenham aumentado seus valores, sofreram alterações menos evidentes alcançando índices de 0,20% para o tempo de subida e de 5% para o tempo de descida (Tabela 4). Apesar de a paciente ter reduzido em 10% a sua capacidade funcional no Questionário de Qualidade de Vida SF-36, a sua saúde mental e o seu estado geral de saúde aumentaram em 4% e 35%, respectivamente (Tabela 5).

CONCLUSÃO

 Embora a doença de CMT seja uma doença do sistema nervoso periférico de caráter progressivo, poucos estudos foram publicados sobre a atuação da fisioterapia nesta doença. Na literatura pesquisada, não foi encontrado nenhum estudo que associa a fisioterapia convencional à fisioterapia respiratória e ao condicionamento físico neste tipo de doença, considerando a qualidade de vida para estes pacientes. Analisando os resultados apresentados, podemos concluir que o treino muscular respiratório e o treinamento de condicionamento físico associados à fisioterapia motora podem beneficiar pacientes com a doença de CMT minimizando suas incapacidades e mantendo suas habilidades funcionais. Entretanto, não podemos estender essas conclusões a todos os pacientes com esta doença, uma vez que este estudo trata-se do relato de um caso clínico descritivo. Além disso, este estudo serve para encorajar novas pesquisas proporcionando, cada vez mais, fontes de conhecimento baseadas em evidência científica para o tratamento dessa doença.


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