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domingo, 24 de julho de 2016

Reabilitação Cardiovascular do Idoso

Reabilitação Cardiovascular do Idoso

Autores: Elizabete Viana de Freitas, Andréa Araujo Brandão, Maria Eliane Magalhães, Roberto Pozzan, Ayrton Pires Brandão
http://www.rbconline.org.br/

Introdução


Os dados epidemiológicos apontam para a alta prevalência das doenças cardiovasculares (DCV) nos indivíduos com idade igual ou superior a 60 anos1-5, como sendo a maior causa de morbimortalidade e uma das principais de incapacidade neste grupo etário. Nos idosos a ocorrência de doença arterial coronariana (DAC) com manifestação clínica é superior a 25%, assim como 55% dos quadros de infarto agudo do miocárdio e mais de 50% das cirurgias de revascularização miocárdica6. De acordo com o DATASUS5, no Brasil, três quartos do total das mortes e mais da metade dos quadros de infarto agudo do miocárdio ocorrem em indivíduos com idade igual ou superior a 60 anos.
Nas mulheres, o início da DAC se faz mais tardiamente em relação aos homens, com diferença de aproximadamente 10 anos. Entretanto, o curso da doença é caracterizado por maior prevalência de ICC e responde por mais de 50% de todas as causas de mortalidade no sexo feminino2.
Observa-se que nos idosos a DAC determina maior taxa de limitação física e incapacidade, quando comparada aos jovens. Por outro lado, nessa faixa etária a expectativa de vida é, geralmente, subestimada e os profissionais tendem a minimizar o tratamento e menos freqüentemente incluem esses pacientes nos programas de reabilitação cardiovascular (CV)7.

Atualmente, inúmeros trabalhos5,8,9, entre eles o de Fletcher et al6, relatam os benefícios da atividade física e da reabilitação cardiovascular no idoso. Na realidade, é necessária a implantação de programas educacionais, visando ampla divulgação da atividade e da reabilitação e seus benefícios nos idosos. O Framingham Disability Study by Age and Coronary Disease Status10,11 mostrou significativos números relativos à incapacidade por DAC em idosos, comparando indivíduos com idade entre 55 e 69 anos e 70 e 88 anos (Tabelas 1 e 2).
Esses dados revelaram que entre indivíduos portadores de DAC, com idade entre 55 e 69 anos, 56% apresentavam incapacidade, sendo 49% dos homens e 67% das mulheres, se contrapondo à taxa de 18% entre indivíduos na mesma faixa etária e sem DAC, sendo 9% dos homens e 25% das mulheres3,12,13.
No grupo mais idoso portador de DAC a incapacidade atinge uma taxa maior que 76%3,10,11.
A atividade física corretamente orientada, tanto em idosos saudáveis como em cardiopatas, altera favoravelmente o metabolismo lipídico e dos carboidratos, induz o aumento dos níveis de lipoproteínas de alta densidade (HDL), tem efeito benéfico sobre a distribuição do tecido adiposo, melhora a sensibilidade insulínica, sendo importante na redução do risco cardiovascular6.
Apesar do ainda pequeno número de trabalhos com idosos e reabilitação, é indiscutível a melhora da capacidade funcional desse grupo, justificando maior difusão dos programas de reabilitação para essa faixa etária. Os resultados apontam para melhor desempenho das atividades de vida diária e das atividades instrumentais de vida diária4,1418.
Elementos de relevância na prescrição e na avaliação da atividade física
Considera-se que a capacidade máxima de realizar um trabalho diminui com a idade, como resultado do menor consumo de oxigênio para a realização de um exercício dinâmico. Conceitualmente o consumo máximo de oxigênio (VO2 max) é a maior quantidade de oxigênio (O2) que uma pessoa consegue extrair do ar inspirado, no esforço máximo, expressando a quantidade de Otransportado e usado para o metabolismo celular1921. O VO2 max encontra-se significativamente relacionado à idade, sendo seu valor máximo encontrado entre 15 e 30 anos, caindo, a partir de então, gradativamente. Aos 60 anos, o VO2 max é aproximadamente um quarto daquele dos 20 anos. Por outro lado, a capacidade aeróbica é beneficamente influenciada pela atividade física. Nos indivíduos inativos ocorre redução de 9% no VO2 max por década em relação a 5% nos indivíduos ativos21. Um indivíduo em repouso, sentado, consome 3,5ml/O2/kg/min, ou 3,5kcal/kg/min, representando o equivalente metabólico denominado – MET. Esta unidade permite avaliar o gasto energético durante uma determinada atividade física em relação ao repouso. Apresenta relevante importância, servindo de base para a prescrição de atividade física19,6,18.
O VO2 max é limitado em presença de doenças pulmonares graves e difusas. Só é atingido por esforço com duração igual ou superior a 5 minutos. É inversamente proporcional à idade19.
A freqüência cardíaca (FC) é influenciada por inúmeros fatores, incluindo a idade 19,21,22. Nos idosos, a FC máxima encontra-se diminuída tanto em repouso como no esforço, fenômeno que parece estar ligado a uma ineficaz modulação simpática22.
No entanto, a resposta da FC ao exercício não é atribuída aos níveis mais baixos de catecolaminas; ao contrário, os níveis de catecolaminas plasmáticas nos idosos são especialmente mais altos com o exercício23. Já a pressão arterial nos idosos tende a ser um pouco mais alta tanto em repouso como no esforço.
Reabilitação cardiovascular no Infarto Agudo do Miocárdio
O objetivo da atividade física e da reabilitação cardiovascular no idoso é melhorar ou recuperar ao máximo a capacidade funcional24,25, seja após um episódio clínico agudo seja pela necessidade de melhorar a capacidade de tolerância ao esforço. Esses objetivos são alcançados através de programas que visam aumentar a capacidade aeróbica, a força muscular e a flexibilidade26. Esse grupo de idosos, entretanto, exige cuidadoso levantamento de comorbidades que, no mínimo, podem interferir diretamente com a modalidade e a intensidade do exercício18,20.
A reabilitação cardíaca é um programa multidisciplinar de educação e exercício, tendo em vista o desenvolvimento e a manutenção do nível funcional físico, social e psicológico desde o início do acometimento, portanto, na fase aguda da doença7.
Diversas condições clínicas são passíveis de programas de reabilitação: infarto do miocárdio, revascularização miocárdica, angioplastia, angina estável, insuficiência cardíaca crônica, troca de válvula, hipertensão arterial, entre outras5,9.
Algumas situações clínicas, contudo, contra-indicam o início da reabilitação cardiovascular: infecções sistêmicas, tromboembolismo, endocardite, doenças musculoesqueléticas, insuficiência cardíaca descompensada, miocardites e pericardites, hipertensão arterial não-controlada, arritmias complexas, distúrbios metabólicos descompensados e fase precoce de cirurgia cardíaca21,27.
Todos os pacientes devem ser submetidos a teste ergométrico (TE) com o objetivo de avaliar a segurança do programa a ser instituído. Nos idosos, a estabilidade musculoesquelética deve ser analisada com cuidado, já que costumam mostrar restrições conseqüentes, principalmente, a processos osteoarticulares28.

O TE analisa a capacidade aeróbica, o balanço entre a carga de trabalho e a FC, além de estratificar o risco de cada indivíduo. Por outro lado, estabelece um padrão inicial, definindo um parâmetro que servirá de base para o acompanhamento da resposta ao plano de reabilitação instituído (Quadro 1).
Nos idosos são utilizados, com freqüência, protocolos modificados para a realização de TE. São esperados, como resposta, FC mais baixas e níveis maiores de pressão arterial sistólica.
No Brasil ainda não é comum a realização de TE em indivíduos com limitação física através de ergômetros para braço.
O TE define critérios para a individualização de programas de exercício. Nos pacientes anginosos é determinada a FC e a carga de esforço que desencadeiam o sintoma, adequando-se o programa de exercício para um estágio abaixo9. Nos hipertensos e coronariopatas, o nível de esforço deve manter a pressão arterial sistólica abaixo de 200mmHg e a diastólica abaixo de 110mmHg. O consumo de oxigênio deve ser mantido entre 60% e 70% do VO2 max e a FC entre 50% e 60% da FC
de reserva. O duplo produto, resultado da multiplicação da pressão arterial sistólica pela FC no pico de esforço, deve ser mantido dentro dos valores normais. A FC estabelecida, seja limitada pelo cansaço, determinada por sintoma ou por nível percentual de FC, é chamada freqüência cardíaca de treinamento (FCT)27. Em geral a FCT corresponde de 50% a 75% da freqüência cardíaca de reserva determinada pela aplicação da fórmula: (FCmax-FCR) x 50% (ou75%) + FCR, em que FCmax = freqüência cardíaca máxima, FCR = freqüência cardíaca de repouso6. A freqüência máxima é calculada pela fórmula de Karvonen – FCmax = 220-idade.
A depressão do segmento ST induzida pelo esforço deve ser menor que 2mm nos pacientes aceitos para reabilitação, devendo ser reavaliados com utilização de nitrato sublingual para a determinação da freqüência cardíaca de treinamento, isto é, a FC máxima que manterá o segmento ST acima de 2mm de infradesnivelo27. O supradesnivelo de segmento ST superior a 1mm por isquemia miocárdica primária contra-indica o início do programa de reabilitação, enquanto que decorrente de fibrose ou hipertrofia ventricular requer a adoção de criteriosos cuidados8,27.
No IAM, objetivos específicos na reabilitação cardíaca incluem estratificação de risco, melhora de bem-estar social e psicológico, redução dos fatores de risco, alívio nos sintomas e melhora da capacidade funcional, propiciando boa qualidade de vida.
Esse programa é constituído pela fase hospitalar, fase I, envolvendo o período de internação; fase II, envolvendo o período inicial após a alta hospitalar, algumas vezes ainda requerendo telemetria; fase III realizada em grupos e ainda sob supervisão de equipe especializada e a fase IV habitualmente sob autocontrole7,29.
A fase I pode ser subdividida em duas etapas: A fase I A é aquela que ocorre na fase aguda do infarto do miocárdio, tendo lugar na unidade coronariana e envolvendo exercícios de baixa intensidade, de até 3 METs; são especificamente exercícios de condicionamento e de treinamento para as atividades funcionais, correspondendo de 30% a 40% da FC max, incluindo movimentação passiva e exercícios respiratórios. A fase I B se refere à fase de reabilitação CV orientada por equipe hospitalar especializada; é iniciada no quarto após êxito na fase I A, implicando em exercícios ativos de braços, de pernas e deambulação, correspondendo a até 4 METs de intensidade23,30. Todas as etapas desta fase são realizadas com monitoramento cardíaco via telemetria. Um dos objetivos da fase I B é propiciar uma transição segura do ambiente hospitalar para a reabilitação ambulatorial, portanto, do paciente já em residência7,29. A fase I é importante para reduzir os sintomas de hipotensão ortostática, os riscos de tromboembolismo, as complicações musculoesqueléticas e a hipoventilação.
A fase II tem início 1 ou 2 semanas após a alta hospitalar, já com o paciente em casa e reúne um conjunto de medidas que envolve programa educacional com modificação de estilo de vida, além do programa de atividade física supervisionada, determinada pelo TE, atingindo de 60% a 75% da FC do TE. Nesta fase já é permitida atividade sexual. Interrupção   do   fumo,   redução   de peso, normalização dos lípides sangüíneos, controle dos níveis de estresse e modificações dietéticas, principalmente, complementam os programas de reabilitação física com o objetivo de promover prevenção secundária31 e melhora da qualidade de vida. É iniciada nos IAM pequenos e após os procedimentos de trombólise ou angioplastia. No pós-operatório de cirurgia de revascularização miocárdica o programa de exercícios é iniciado a partir da terceira semana 21,27,30.
A fase III, em geral sem telemetria, é baseada em programas determinados por novo teste ergométrico. É iniciada pelo menos após o terceiro mês do evento, atingindo o décimo segundo. São indicados exercícios isotônicos, aeróbicos, evitando-se os isométricos puros. É permitido o uso de pequenos pesos. Os exercícios podem atingir entre 60% e 70% da capacidade aeróbica máxima21,27,30.
A fase IV já não requer supervisão21,27, tendo início, habitualmente, a partir do primeiro ano do evento agudo, devendo o paciente manter os critérios adotados de mudança de estilo de vida e programa de exercícios de forma permanente. Também introduzida após a reavaliação por TE.
Os exercícios devem ser constituídos, após criteriosa avaliação, por um estágio de alongamento, com duração de 5 a 10 minutos, seguido por 30 a 40 minutos de exercícios aeróbicos dinâmicos contínuos como andar, pedalar, ciclismo eventualmente, de acordo com a avaliação, corridinha e leve atividade isométrica, com halteres de baixo peso para as mãos. E, por fim, uma fase final de resfriamento também constituída por exercícios de alongamento7.
Aspectos práticos na prescrição de exercícios
A estratégia de implantação e manutenção do programa de reabilitação cardiovascular deve seguir normas bem estabelecidas, sendo consideradas: freqüência, duração, intensidade e supervisão. Entretanto, é necessário estabelecer, como primeira medida, um elo de confiança com uma franca troca de informações, esclarecendo todo o procedimento com ênfase nos benefícios conquistados ao longo do tempo, visando despertar maior interesse pelo programa6,21. Tal conduta é fundamental na persuasão dos pacientes idosos, em geral, mais cautelosos na adoção de novos procedimentos18.
Os exercícios devem ter uma freqüência de 3 a 5 vezes por semana, com duração de 30 minutos, obedecendo à intensidade estabelecida previamente pelo TE6. Os pacientes com história clínica de DCV devem iniciar o programa de reabilitação sob supervisão médica, mantida até que o paciente aprenda a conhecer os seus limites3,4,21. Quando houver dificuldade de acesso ou financeira, o programa pode ser supervisionado por professor de educação física, porém em pacientes rigorosamente selecionados, clinicamente estáveis e capazes de assimilar os critérios de controle e interrupção da atividade. Nessa circunstância, o acesso a um eventual atendimento de emergência é mais difícil, sendo liberados para exercícios não supervisionados apenas pacientes que não apresentem quadros cardiológicos agudos, déficit inotrópico ao TE, HA refratária, baixa fração de ejeção, doenças metabólicas descompensadas, angina instável, arritmias ventriculares complexas (Lown III e IV), obesidade e capacidade aeróbica baixa27.

A atividade física deve ser precedida por uma fase de aquecimento, incluindo alongamento, mobilidade articular e caminhada, indispensáveis principalmente para os idosos, mais susceptíveis às lesões articulares e musculares. O término da sessão deve ser precedido por exercícios de alongamento e por gradativa volta à calma. Algumas recomendações devem ser observadas para uma segura e adequada realização de exercícios26 Quadro 2)27.
A atividade física pode levar a injúrias osteoarticulares mais freqüentemente nos pacientes idosos, em especial nas mulheres, devendo ser evitados os exercícios de alto impacto. Nesses indivíduos, a atividade física deve ser iniciada progressivamente, permitindo gradual adaptação ao esforço muscular e ao impacto articular.
Mesmo após a fase supervisionada, a prescrição do programa de recuperação impõe obediência a critérios que visam dar segurança ao paciente. Os dados obtidos pelo TE orientam a prescrição através do VO2 max e do número de METs alcançados, determinando a FC de equilíbrio.
De uma forma prática, o Quadro 3 correlaciona o nível de intensidade de algumas atividades físicas, mais utilizadas, em METs32.
A equivalência da intensidade do exercício com a queima calórica obtida é fácil de ser compreendida, considerando-se as equivalências abaixo32:
• Caloria – é a quantidade de calor necessária para elevar a temperatura de 1g de água em 1oC, na vizinhança de 15oC, e à pressão constante.
• 1000 calorias = 1 kilocaloria
•5 kilocalorias = 1 litro de oxigênio consumido
• 7000 kilocalorias = 1 kg de gordura
Uma atividade diária de intensidade moderada, durante 30 minutos, consome cerca de 1400 calorias semanais1,33.
A indicação de caminhada representa uma solução prática para idosos e sedentários, mantendo-se o critério do controle da FC antes e imediatamente após33. É aconselhável, entretanto, a associação de exercícios de resistência e de flexibilidade com duração de 15 minutos, gerando melhor condicionamento físico. Nos idosos os exercícios com pequenos pesos colaboram para melhorar o tônus muscular e para preservar a massa óssea, enquanto que os exercícios de alongamento são importantes para melhorar a flexibilidade.
Até a década de 90, no século passado, os exercícios de resistência não eram incluídos nos manuais de reabilitação, embora há muito tenham sido reconhecidos como meio de manutenção de força muscular, desenvolvimento de elasticidade e resistência, com ganho de massa muscular. Os benefícios dos exercícios de resistência são diferentes daqueles obtidos com os aeróbicos, entretanto, hoje indicados em todas as idades18.

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