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sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Tipos e gravidade de entorse do tornozelo

Tendo em consideração o mecanismo da lesão é possível considerar na entorse do tornozelo o envolvimento do ligamento colateral lateral ou do ligamento colateral medial.
Uma sobrecarga em inversão coloca em tensão e em risco o ligamento colateral lateral enquanto que uma sobrecarga em eversão pode comprometer a integridade do colateral medial.
A entorse mais frequente do tornozelo, cerca de 85% de todas as entorses (Robbins e col., 1994), ocorre na sequência de um traumatismo em inversão, num momento em que o pé se encontra em flexão plantar, facto que leva a uma distensão do ligamento colateral lateral e na maior parte das vezes da sua porção anterior (ligamento talofibular). Este tipo particular de lesão representa dois terços das entorses do tornozelo em inversão (Robbins e col., 1994).
Para Konradsen (2005a) a entorse do tornozelo dá-se quando a articulação não em carga é levada a realizar movimentos combinados de inversão e flexão plantar extremos e nessa posição é sujeita a uma carga substancial, normalmente o peso do corpo, que produz um momento de força em inversão capaz de lesionar as estruturas cápsulo-ligamentares da articulação. Quando o traumatismo em inversão se dá numa altura em que a articulação talocrural se encontra em posição neutra, será o ligamento calcaneo-fibular o mais afectado (Caillet, 1979).
O traumatismo desta articulação provocado por um movimento forçado de eversão, comprometedor do ligamento colateral medial é o menos frequente, cerca de 5% do total das entorses do tornozelo (Sheth e col., 1997b; Garrick e Requa, 1989; Balduini e Tetzlaff, 1982) ainda que, normalmente, seja o de maior gravidade (Caillet, 1979). Este traumatismo é muitas vezes acompanhado de lesões ósseas, nomeadamente fracturas da tíbia por avulsão, devido ao facto desta estrutura anatómica ceder, frequentemente, antes da ruptura do robusto ligamento colateral medial ou deltoide. Por outro lado, a sindesmosis corresponde a 10% das entorses do tornozelo (Sheth e col., 1997b) e envolve o ligamento tibiofibular antero-inferior, a membrana interóssea e os ligamentos fibulares posteriores.
A gravidade da entorse é outro critério de classificação deste traumatismo. Na sua globalidade, a entorse do tornozelo apresenta severidades diversas e, apesar das várias classificações clínicas disponíveis na literatura (Alonso e col., 1998; de Bie e col., 1997; Hocutt e col., 1982), a mais comum é aquela que atribui a esta lesão três níveis de gravidade, de acordo com o estado de integridade do ligamento afectado (Mann e col., 2005; Bass, 1969). Assim, as entorses podem ser classificadas em:

Ligeiras (Grau I) quando o estiramento ou micro-traumatismo do ligamento ocorre sem perda evidente da sua continuidade, o edema é ligeiro e há pequena ou inexistente perda funcional assim como ausência de instabilidade mecânica da articulação;

Moderadas (Grau II) quando se verifica rotura macroscópica parcial das fibras ligamentares, com dor moderada, edema à volta das estruturas envolvidas, alguma perda de movimento e ligeira ou moderada instabilidade articular;

Graves (Grau III) quando se identifica rotura completa das fibras do ligamento, edema grave e hemorragia, perda da função, movimento anormal e instabilidade articular.

Esta classificação privilegia o grau de distensão dos ligamentos como ponto de referência, sendo porém óbvio que, dependendo do grau da lesão, outras estruturas, ao nível dos tecidos moles, poderão estar eventualmente afectadas face à entorse do complexo articular do tornozelo. Estamos a referir-nos tanto a estruturas de suporte como a cápsula articular e o próprio osso, como a estruturas vasculares e nervosas, essenciais ao normal funcionamento dos tecidos.
A determinação da gravidade da lesão através da avaliação do grau de laxidão ligamentar anteriormente referida, é realizada através do teste de gaveta anterior por exame manual. Deste modo, o resultado da avaliação dependerá da sensibilidade e experiência do examinador (Hollis e col., 1995) podendo por isso ocasionar discrepâncias significativas na sua classificação. Apesar disso, a combinação dos três itens, teste de gaveta anterior positivo, presença de edema e dor à palpação do ligamento apresenta uma sensibilidade de 98% e uma especificidade de 84% na identificação e classificação da entorse (Van Dijk, 2005). Subjacente a esta mesma classificação e no domínio do diagnóstico do grau de entorse, refira-se a importância de alguns elementos clarificadores da avaliação como sejam o grau de capacidade de suporte de carga expresso pelo indivíduo, o mecanismo da lesão e a estabilidade articular (Garrick e col., 1997).

 Mecanismos de entorse do tornozelo no basquetebol

A entorse dá-se quando os ligamentos são estirados, facto que ocorre mais frequentemente na sequência de um traumatismo do tornozelo quando este se encontra numa posição instável. A posição de maior instabilidade para esta articulação é, como foi já referido, a flexão plantar, sendo nesta posição que habitualmente, um movimento forçado de inversão ou eversão poderá provocar a distensão dos ligamentos.
O mecanismo da entorse é relativamente constante. A lesão ocorre, usualmente, quando o suporte do peso do corpo é feito num pé em flexão plantar e em inversão. Esta é, como já foi anteriormente referenciado, uma posição de instabilidade para a articulação talocrural, na qual há um decréscimo da superfície que suporta a carga ao nível do astrágalo levando a que os ligamentos sejam sujeitos a uma força de tracção excessiva. Wright e col.(2000) concluíram que o ângulo de flexão plantar aquando do momento de contacto na recepção ao solo, tinha maior influência na ocorrência de entorse que o ângulo de supinação, embora ressalvem o facto de outros factores poderem igualmente influenciar a ocorrência desta lesão como seja a incapacidade para posicionar adequadamente o pé previamente ao contacto com o solo.
No basquetebol, esta instabilidade ocorre sempre que os atletas executam “cortes” ou rotações, quando o jogador inicia um movimento de arranque para o cesto tal como num lançamento na passada, e ainda quando na recepção ao solo o jogador pisa o pé de outro (Sonzogni e Gross, 1993), é pisado por outro (Ellison, 1995), ou apoia-o numa superfície irregular (Liu e Jason, 1994). Outros autores expressam um entendimento semelhante ao anteriormente referido e sugerem que as recepções ao solo, nas mais diversas circunstâncias (Thonnard e col., 1996; Liu e Jason, 1994; Robbins e col., 1994), as mudanças de direcção súbitas e o apoio do pé em superfícies irregulares são as causas de entorse mais frequentes no basquetebol (Ellison, 1995; Liu e Jason, 1994; Robbins e col., 1994). Pelo facto de o basquetebol ser um jogo extremamente rápido, os jogadores estão constantemente envolvidos em abruptas acelerações, desacelerações e mudanças de direcção, particularidades que colocam um stress considerável nos membros inferiores e tornam especialmente vulneráveis as articulações dos joelhos e tornozelos (Reilly e Borrie, 1992).
Sobre esta matéria e de um modo muito objectivo, Powell (1996), refere que a maior parte das lesões dos basquetebolistas ocorre durante a “luta” por bolas perdidas (34.4%), na sequência de lesões traumáticas desencadeadas por actividades padrão controladas (27.8%) e também nos momentos da “luta” pelo ressalto (26%). A recepção ao solo sobre uma superfície irregular promovendo instabilidade ou uma brusca mudança de direcção podem resultar num exagerado momento de força levando o pé para uma posição extrema de inversão que sobrecarrega as estruturas cápsulo-ligamentares da articulação.

 Factores de risco de entorse do tornozelo

Os factores de risco da entorse podem ser classificados em factores extrínsecos e intrínsecos. Nos primeiros, incluem-se os erros no planeamento do treino, o tipo de desporto, o tempo de prática, o nível de competição, o equipamento e as condições ambientais (Baumhauer e col., 1995b). Nos segundos, incluem-se os factores relacionados com as características biológicas e psicossociais dos indivíduos como seja a idade, o sexo, a história prévia de entorse do tornozelo, o mau alinhamento dos segmentos, o défice de flexibilidade, a amplitude limitada de movimento, a força muscular diminuída e o tempo de reacção muscular, a instabilidade articular, a laxidão articular generalizada, a diminuição da propriocepção e do controlo postural (Willems e col., 2005b; Baumhauer e col., 1995c). Da globalidade dos factores de risco intrínsecos, alguns poderão não ser modificáveis, como a idade e o sexo, enquanto que outros o serão como no caso da força, da flexibilidade e do equilíbrio (Andrish e col., 1974).

Relativamente ao tornozelo esta questão tem sido abordada na literatura com recurso a diversas metodologias, especialmente em estudos prospectivos ou de controlo de casos pela comparação de indivíduos lesionados com indivíduos sãos (Kofotolis e Kellis, 2007; McHugh e col., 2005; Tyler e col., 2005; Willems e col., 2005a; Willems e col., 2005b; Fu e Hui-Chan, 2005; Hertel e col., 1999; Brunt e col., 1992; Milgrom e col., 1991).
Os dispositivos experimentais mais usados no estudo da entorse do tornozelo, têm sido os sistemas de inversão brusca (Vaes e col., 2002; Konradsen e col., 1997) aquando da posição de pé e em apoio bipodal. Todavia este dispositivo permite um mecanismo de defesa ao sujeito, que passa pela transferência de peso para o membro inferior não em análise (Konradsen, 2005b), tornando-se dessa forma pouco reprodutores da realidade do mecanismo de entorse, que ocorre sobretudo numa situação de carga unipodal. Esta é a razão pela qual ultimamente, se têm usado sistemas mais dinâmicos, como sejam a marcha ou a recepção ao solo em apoio unipodal sobre superfícies inversoras (Gruneberg e col., 2003). A necessidade de reproduzir, o mais fielmente possível, as condições de ocorrência de entorse leva a que os dispositivos experimentais se tornem mais dinâmicos e coincidentes com as solicitações do gesto desportivo.
Há inúmeros factores e mecanismos tidos como possíveis contributos para a ocorrência de entorse do tornozelo (Lentell e col., 1995) ou pelo menos correlacionados com a ocorrência desta lesão. Apesar de alguns deles não poderem ser evitados, outros há que não ocorrerão se tiverem correcta e atempada intervenção por parte dos vários participantes na actividade desportiva (Richards e col., 2000b). No que concerne aos factores extrínsecos, o basquetebol aparece como sendo uma das modalidades em que o risco de ocorrência de entorse de tornozelo é elevado atendendo ao tipo de gestos exigidos pela prática desta modalidade e ao facto destes serem executados em espaços relativamente pequenos e densamente povoados. O mecanismo mais frequente de entorse do tornozelo é a recepção ao solo após o salto (McKay e col., 2001a) o que torna o basquetebol numa modalidade de risco atendendo ao elevado número de saltos a que os jogadores estão sujeitos. Similarmente, o tipo e o estado do campo surgem como determinantes da ocorrência de lesões que são mais frequentes em pisos sintéticos ou de madeira sem caixa-de-ar (Minkoff e col., 1994). As características do calçado usado poderão influenciar o risco de ocorrência de entorse do tornozelo (Beynnon e col., 2002). Para estes autores, o risco poderá ser diminuído se o calçado tiver características que possam aumentar o estímulo proprioceptivo ou, pelo contrário aumentado, se limitar a amplitude de movimento do tornozelo, tiver forças de tracção pé-sapatilha e sapatilha-chão anormais ou se provocar um aumento no momento da força de inversão sobre esse complexo articular. Outros investigadores (McKay e col., 2001a) encontraram risco acrescido de entorse em basquetebolistas cujas sapatilhas tinham ar no calcanhar enquanto que outros (Barrett e Bilisko, 1995; Barrett e col., 1993) não encontraram diferenças na sua ocorrência entre atletas que usavam sapatilhas tipo bota e tipo sapato.
A utilização de meios externos de protecção do tornozelo, como as ortóteses e as ligaduras funcionais, parece reduzir a incidência de entorse (Papadopoulos e col., 2005 ; Cordova e col., 2005; Handoll e col., 2001; Verhagen e col., 2000), ou pelo menos a sua reincidência (McKay e col., 2001b), embora haja tendência em atribuir-lhes a responsabilidade da diminuição da performance desportiva, facto ainda controverso (Rosenbaum e col., 2005b; Brizuela e col., 1997; MacKean e col., 1995; Burks e col., 1991).
A maior ocorrência de entorse em jogo que em treino (Meeuwisse e col., 2003; Arnason e col., 1996) ou a ocorrência de entorses de maior gravidade durante a competição, apesar de poder parecer lógico atendendo às diferentes solicitações, não é consensual (Sitler e col., 1994). O mesmo acontece com o risco diferenciado das várias posições ocupadas em campo pelos jogadores de basquetebol, que revelam diferentes ocorrências de lesão nos vários jogadores (Pfeifer e col., 1992), não sendo por isso possível identificar uma posição mais vulnerável. Já em relação ao nível competitivo parece poder encontrar-se uma maior ocorrência de entorse em basquetebolistas de elite apesar de outros factores poderem contribuir sem estarem previamente discriminados, como sejam a intensidade e nível de exigência, a frequência da exposição que poderá nos níveis competitivos mais altos não permitir tanto tempo para a recuperação pós jogo ou mesmo o aspecto cumulativo das exposições a que os basquetebolistas de elite estão sujeitos (Richards e col., 2000a).
Um dos factores de risco intrínseco frequentemente estudado é o género. Em relação à ocorrência de entorse do tornozelo especificamente, não parecem existir diferenças significativas entre homens e mulheres embora este aspecto não se estenda a todas as localizações anatómicas (Beynnon e col., 2002). Contudo, poderão encontrar-se riscos associados com a entorse do tornozelo que diferem entre homens e mulheres (Beynnon e col., 2001a). Ainda para estes autores, no estudo prospectivo efectuado em atletas de várias modalidades (Beynnon e col., 2001b), a laxidão ligamentar generalizada e o tipo anatómico de pé não são igualmente factores de risco de entorse do tornozelo. Para Willems e col. (2005a) os indivíduos que apresentam menor velocidade na corrida, menor resistência cardio-respiratória, menor equilíbrio e coordenação do movimento têm um risco acrescido de ocorrência de entorses do tornozelo. Esta autora identificou ainda como factores de risco para esta lesão o sentido de posição para inversão diminuído, a maior amplitude articular de extensão da primeira articulação metatarsofalangica, a menor coordenação no controlo postural (Willems e col., 2005b), a diminuição de força na musculatura dorsiflexora do pé e a diminuição do tempo de reacção dos músculos tibial anterior e gastrocnemius. O tempo de reacção da musculatura envolvida no complexo articular do tornozelo mantém grande controvérsia sobre se constitui ou não um risco de entorse (Beynon e col., 2002). Alguns autores (Vaes e col., 2002) não encontraram diferenças entre indivíduos com tornozelos sãos e previamente lesionados relativamente à latência, definida como o intervalo de tempo entre o início de uma inversão externamente imposta e o início da actividade do músculo longo peroneal, bem como em relação ao atraso electromecânico, tempo que medeia o inicio do registo da actividade electromiográfica e o início do movimento do pé, do mesmo músculo.
Resultados idênticos mas apenas no género masculino foram encontrados por outros autores (Beynnon e col., 2001a) para os tempos de reacção muscular a perturbações dos movimentos de dorsiflexão e inversão. Todavia, no sexo feminino, encontraram um tempo de reacção mais curto no músculo gastrocnemius e simultaneamente mais longo no tibial anterior em atletas lesionadas. Segundo os autores (Beynnon e col., 2001a) este aspecto sugere o compromisso da protecção articular dada pelos músculos da perna por via da co-contracção o que indica a possível existência de um défice neuromuscular em atletas lesionadas.
Para além do tempo de reacção muscular, também o peso, a altura (Knapik e col., 2001; McKay e col., 2001a; Milgrom e col., 1991), a dominância da perna (Chomiak e col., 2000; Seil e col., 1998), a laxidão ligamentar do tornozelo, o alinhamento anatómico, a força muscular (Soderman e col., 2001; Seil e col., 1998; Baumhauer e col., 1995b; Milgrom e col., 1991) e o equilíbrio (Soderman e col., 2001; McGuine e col., 2000; Hopper e col., 1995) mantêm a controvérsia relativamente ao facto de, se constituírem ou não, como factores de risco de entorse do tornozelo (Beynnon e col., 2002). Para alguns investigadores (McGuine e col., 2000) o equilíbrio constitui-se mesmo como um factor predictor de entorse do tornozelo em basquetebolistas e a sua avaliação deverá integrar o conjunto de exames clínicos a que os atletas são sujeitos na pré-época. Já outros autores (Beynnon e col., 2001a) encontraram diferentes factores de risco entre atletas de ambos os sexos. Relativamente às mulheres, encontraram maior risco de entorse de tornozelo naquelas que apresentavam varo tibial e eversão calcaneana aumentada enquanto que nos homens, o maior risco se associava à maior inclinação lateral do astrágalo. Sem qualquer controvérsia, a preexistência de entorse surge como o factor de risco que mais contribui e simultaneamente se constitui como a melhor predição da ocorrência de entorse do tornozelo (McKay e col., 2001a; Watson e Ozanne-Smith, 2000; Thacker e col., 1999).

 Mecanismos de protecção articular do tornozelo

A relativa simplicidade com que o centro de gravidade é mantido dentro da base de sustentação nos vários ambientes sensoriais em que o corpo humano se movimenta, contrasta claramente com a complexidade dos mecanismos de controlo motor que lhe estão subjacentes (Santello, 2005). Ou dito de outra forma, aparentemente é muito mais simples a manutenção do equilíbrio do que o é na realidade, face ao conjunto de processos de controlo motor que se devem desenvolver para que esse seja mantido. Do mais pequeno e simples ao mais complexo gesto, o sistema nervoso tem de controlar todos os factores envolvidos no movimento, para que este seja realizado de forma eficaz. A capacidade para, a cada momento, colocarmos o complexo sistema de alavancas que é o corpo humano, na posição adequada à situação, depende de uma série de factores sensoriomotores (Coelho, 2005). Discute-se a importância que esta capacidade de constante ajuste postural, o equilíbrio, poderá representar na protecção do movimento exagerado nas articulações, levando desse modo, à adaptação do movimento e evitando assim a lesão das estruturas articulares envolvidas. Segundo Konradsen, ( 2002b) a análise destes factores em relação ao membro inferior tem sido efectuada através do estudo de diferentes elementos electromiográficos da resposta reflexa, bem como pelo papel das estratégias periféricas e centrais de diferentes padrões de resposta e ainda pelo efeito da repetição e aprendizagem na modelação das respostas à perturbação.
Lephart e col. (1997) definem propriocepção como uma variação especializada da modalidade sensorial do toque que envolve a sensação de movimento e de sentido de posição articular provendo assim o sistema nervoso de informação sobre a situação no espaço de cada segmento corporal e da posição relativa dos vários segmentos entre si (sentido de posição), assim como do movimento por estes efectuado (cinestesia). Apesar de, durante muito tempo se ter atribuído à actividade reflexa espinhal a totalidade desta resposta, nos últimos tempos, à semelhança do que aconteceu no membro superior, tem sido colocada em causa.
As informações sensoriais dos segmentos chegam à medula espinhal pelas raízes dorsais dos nervos espinhais e daí até ao cérebro por uma das duas vias sensoriais alternativas: o sistema coluna dorsal lemnisco medial e o sistema antero-lateral que se juntam novamente a nível do tálamo. O sistema coluna dorsal lemnisco medial, transmite sinais principalmente, pelas colunas dorsais da medula e, depois para cima, pelo tronco cerebral até ao tálamo, pelo lemnisco medial. Os sinais do sistema antero-lateral, depois de se originarem nas pontas dorsais da substância cinzenta espinhal, cruzam para o lado oposto da medula e sobem por ela, pelas colunas brancas anterior e lateral, a todos os níveis do tronco cerebral e também ao tálamo. Ambos os sistemas são compostos de fibras nervosas mielinizadas que fazem a transmissão de sinais para o cérebro a uma velocidade entre 30 a 110 m/s no caso do sistema coluna dorsal – lemnisco medial e de 8 a 40 m/s no sistema antero-lateral (Nolte, 2002). Pelo sistema antero-lateral são transmitidas as informações que não têm necessidade de ser transmitidas rapidamente, as que não detectam graduações finais e têm menor precisão na localização. Este sistema tem capacidade de transmissão de vários tipos de informação sensorial como a dor, o calor, o frio e as sensações tácteis grosseiras.
O sistema coluna dorsal – lemnisco medial é usado essencialmente pelas informações mecanorreceptivas com maior necessidade de rápida transmissão, as que detectam graduações finais de intensidade e as que são distintamente localizadas em pontos exactos do corpo. Este é o sistema de transmissão preferencial das informações acerca da posição que englobam o reconhecimento consciente da orientação das diferentes partes do corpo, umas em relação às outras e o reconhecimento das frequências de movimento das diferentes partes do corpo. Os receptores deste tipo de informação incluem as terminações sensoriais nas cápsulas articulares e ligamentos (terminações de Ruffini estimuladas pelo movimento súbito da articulação; Órgãos Tendinosos de Golgi que são sensíveis a alterações na tensão do músculo; Corpúsculos de Paccini, que ajudam a detectar a velocidade de rotação na articulação), os receptores na pele e tecidos profundos na proximidade das articulações, e os fusos neuromusculares que detectam alterações do comprimento muscular. O ajuste do movimento depende não só da excitação do músculo pelos neurónios motores anteriores, mas também de um feedback contínuo de informações dos músculos ao sistema nervoso em cada instante. Para fornecer essas informações, os ventres musculares e tendões possuem dois tipos especiais de receptores sensoriais. Os fusos neuromusculares (FNM), que se distribuem por todo o ventre muscular e que enviam informações sobre o comprimento do músculo e ou a velocidade de alteração do seu comprimento; e os órgãos tendinosos de Golgi (OTG), que transmitem informações sobre o grau de tensão muscular ou a velocidade de alteração da tensão.
As contracções musculares que ocorrem quando o músculo é estirado, os reflexos miotáticos, podem ser divididos em dois componentes, dinâmico e tónico, que diferem tanto no estímulo como na resposta dada. O reflexo miotático dinâmico que se opõe a alterações súbitas do comprimento muscular é provocado por um estiramento rápido do músculo que origina um sinal potente transmitido pelas terminações aferentes primárias as quais, causam por sua vez, uma contracção reflexa do mesmo músculo que originou o sinal. O reflexo miotático tónico, que contribui para a manutenção do tónus muscular, é desencadeado por um estiramento passivo do músculo e caracteriza-se por uma contracção tónica relativamente fraca e de longa duração. Na posição de bipedestação, as articulações do membro inferior, através do reflexo miotático tónico que activa os músculos necessários para se oporem ao movimento, mantêm uma determinada posição para impedir o deslocamento do centro de gravidade do corpo para além do limite da base de sustentação, permitindo a manutenção da postura. Este reflexo é completado pelo reflexo miotático inverso cujos receptores são Órgãos Tendinosos de Golgi, sensíveis à força que o músculo desenvolve. O aumento de tensão provoca um aumento de actividade destes receptores que leva a uma inibição dos neurónios motores do músculo em contracção, limitando assim a força desenvolvida e que será maior que a tolerada pelos tecidos que estão a ser estirados. Aqui agem como "disjuntores" do músculo. O Reflexo Miotático Inverso é um mecanismo de feedback negativo que impede o desenvolvimento de demasiada tensão pelo músculo e permite equalizar a força desenvolvida pelas diversas fibras musculares, inibindo aquelas que desenvolvem demasiada tensão, e activando as que desenvolvem menos força pela ausência da inibição reflexa. Para além da função no controlo motor pela espinhal medula dos Fusos Musculares e dos Órgãos Tendinosos de Golgi, estes órgãos receptores têm também ligações a centros motores superiores, como o cerebelo e substância reticulada do tronco cerebral, aos quais fornecem informação fundamental para o seu funcionamento (Chaves e col., 2002).
Em caso de lesão, os receptores podem estar alterados, podendo causar desequilíbrios.
Aparentemente um dos mecanismos protectores de lesão está relacionado com a capacidade de uma estrutura (articular, muscular, etc.) apresentar um comportamento motor que possa contrariar a carga lesional a que é sujeita nas diversas actividades motoras. No que ao complexo articular do tornozelo se refere, alguns destes mecanismos estarão relacionados com a capacidade de gerar uma resposta motora rápida. Durante muito tempo esta questão foi abordada apenas de um ponto de vista estático (Konradsen e col., 1997; Karlsson e Andreasson, 1992; Konradsen e Ravn, 1990; Isakov e col., 1986) e relacionada com os reflexos originários dos receptores proprioceptivos que permitiriam a análise de posições articulares e a activação muscular de resposta a essa posição, apesar da maior parte das lesões cápsulo-ligamentares do tornozelo ocorrerem em situação dinâmica, frequentemente durante o ataque ao solo.
Quando um segmento é sujeito a uma força externa, ocorre uma resposta reflexa nos músculos estirados. Este reflexo acontece nas diversas actividades do dia a dia, como na marcha, na corrida, no salto. Apesar de poder ser considerado apenas como um simples comportamento neuromuscular, tem sido demonstrado que estas respostas são também influenciadas pelo tipo de contracção muscular, pelo nível de contracção prévia (Ogiso e col., 2002; Wallace e Miles, 1998; Nakazawa e col., 1997) e ainda pelas tarefas impostas ao complexo músculo-tendão (Doemges e Rack, 1992). Tipicamente o estiramento do complexo músculo-tendão gera uma resposta mecânica numa ou duas articulações. Esta resposta é composta por dois componentes: um primeiro em que a força aumenta imediatamente após o estiramento e um segundo, com uma latência maior. Parece haver consenso de que o primeiro componente desta resposta seja um reflexo de estiramento espinhal já que o seu tempo de latência é compatível com o atraso na activação monosináptica das fibras aferentes Ia. Já o segundo componente, é frequentemente descrito como um arco reflexo longo que atravessa o córtex cerebral pois a sua latência é suficientemente longa para tal (Thilmann e col., 1991; Day e col., 1991). Para os músculos distais do membro superior este reflexo de latência longa é mediado por via transcortical (Palmer e Ashby, 1992; Day e col., 1991; Capaday e col., 1991; Matthews e col., 1990). Mas este mecanismo supra espinhal tem sido questionado, especialmente para os músculos do membro inferior. Para vários autores (Corna e col., 1995; Schieppati e col., 1995) esta segunda resposta ao nível dos músculos do tornozelo é mediada por fibras aferentes tipo II provavelmente, de origem espinhal.
Em indivíduos sãos, os músculos peroneais, longo e curto, são os primeiros músculos da perna a registar actividade electromiográfica com uma latência entre 54 ms (Konradsen e col., 1997) e 85 ms (Lynch e col., 1996) face a uma inversão súbita executada numa situação estática, frequentemente o apoio bipodal. Apesar de alguns autores (Vaes e col., 2002; Johnson e Johnson, 1993), não terem encontrado diferenças significativas no tempo de latência dos peroneais pós inversão súbita entre indivíduos saudáveis e com instabilidade do tornozelo, outros (Karlsson e Andreasson, 1992; Konradsen e Ravn, 1990) encontraram latências mais elevadas em indivíduos com história de instabilidade funcional do tornozelo. As alterações no tempo de resposta dos peroneais podem indicar alterações na estabilidade dinâmica ao stress provocado pelo movimento de inversão (Lynch e col., 1996). As respostas reflexas dependem do tipo de actividade efectuada, pelo que é de esperar que estes valores possam ser bastante variáveis quer se tratem de actividades estáticas ou dinâmicas (Lavoie e col., 1997; Duysens e col., 1993; Capaday e Stein, 1986). Os tempos de latência dos músculos da perna dependem também da velocidade de estiramento desses músculos (Lynch e col., 1996), da mesma forma que diferirá, se a tarefa for desencadeada pelo próprio ou for externamente imposta, como acontece num salto auto-realizado ou na sujeição a um movimento inesperado em que o movimento iniciado não é desencadeado pelo próprio indivíduo.
Muitos autores consideram que as repostas musculares verificadas na recepção ao solo correspondem a reflexos espinais de latência curta (Greenwood e Hopkins, 1976); (Duncan e McDonagh, 2000; Dietz e col., 1981; Prochazka e col., 1977) enquanto que outros (Dyhre- Poulsen e Laursen, 1984) as consideram pré-programadas. Segundo alguns investigadores (Gruneberg e col., 2003) estas respostas de estiramento (miotáticas) serão inespecíficas e será de esperar que as de latência longa se tornem progressivamente mais específicas. Para Corden e col. (2000) este componente de latência longa não é mediado por via intra muscular.
A discussão relativamente à origem destas respostas mantém-se apesar de se encaminhar para a existência de duas vias diferentes. O papel dos reflexos de latência longa, média e curta observados durante os movimentos de inversão do tornozelo permanece ainda pouco claro, apesar de se admitir a sua possível contribuição para a prevenção da lesão em inversão do tornozelo, ao colocarem o pé em posição que dificulte a lesão.
A manutenção da estabilidade articular do tornozelo segundo Konradsen (2002b) será possível se este não for submetido a situações que o coloquem em risco por via do excesso de flexão plantar e inversão ou se nessa situação, for possível desencadear mecanismos de reacção contrária ao momento da força em inversão de forma suficientemente rápida e poderosa (Konradsen, 2002b). Este autor, defende que essa reacção muscular de defesa activa pode ser montada em tempo útil para a protecção da torção do tornozelo em determinadas situações e que, a magnitude e capacidade de recrutamento desta reacção é mediada por via cortical, podendo por essa razão, responder positivamente ao treino. Toda esta complexidade se torna ainda mais evidente quando variam os envolvimentos sensoriais em que a tarefa se pode desenrolar, de entre as quais salientamos, para o basquetebol, o salto com recepção ao solo no chão ou sobre o pé de outro atleta, alterando dessa forma a dureza e estabilidade da superfície em que o ataque ao solo é efectuado.
Durante o movimento descendente do salto a musculatura da perna activa-se suavemente para absorver o impacto da recepção ao solo (Santello, 2005). As características electromiográficas temporais e as de amplitude desta activação muscular são modeladas pelos constrangimentos da tarefa tais como a dureza da superfície de recepção e a altura do salto. Alguns autores (Kyrolainen e col., 2003) referem igualmente que a compreensão dos mecanismos reflexos e antecipatórios envolvidos no salto são da maior importância. Antes do contacto com o solo os músculos desencadeiam uma actividade muscular de pré contacto preparatória da recepção ao solo, que aparece como uma estratégia de preparação da musculatura para absorver o impacto, cujo tempo de ocorrência e magnitude são antecipadas pelo sistema nervoso central (Santello e McDonagh, 1998). De notar que se esperam diferenças tanto na pré-activação muscular como na força de reacção ao solo, quer se trate de um salto iniciado pelo próprio ou não (Fu e Hui-Chan, 2002). Aparentemente, a uma maior altura de salto corresponde uma maior amplitude electromiográfica mas um idêntico tempo (100 a 120ms) de activação muscular pré contacto. Este aspecto poderia significar que o salto seria independente da impulsão e eventualmente dependente do momento esperado de contacto (Santello e col., 2001). O mecanismo de co-contracção verificado durante esta activação de pré-contacto seria determinante para a colocação da tensão muscular necessária ao impacto da recepção ao solo. Mas seria também determinante para o posicionamento, tanto ao nível da articulação do tornozelo como de todo o membro inferior e do resto do corpo, no sentido de recolocar espacialmente os segmentos de forma a obter as posições mais adequadas à tarefa, com o máximo de eficácia. A posição em que os segmentos se colocam na fase prévia ao contacto é para Konradsen (2002a) determinante dos acontecimentos quando se faz a colocação da carga sobre o membro inferior. As posições articulares assumidas pelo membro inferior condicionam a eficácia do ataque ao solo, e a respectiva absorção do impacto produzido (Self e Paine, 2001). Segundo alguns autores (McKinley e Parker, 1991) outro tipo de constrangimentos, como a dureza da superfície de recepção do salto, podem alterar esta activação, sugerindo que essa possa ser treinada com a repetição de saltos para superfícies de dureza diversa.
Após o contacto, a actividade muscular poderá ser o resultado do efeito do reflexo de estiramento ou, de uma resposta programada centralmente e independente do grau de estiramento sofrido pelo músculo no momento de contacto (Duncan e McDonagh, 2000; Dyhre-Poulsen e col., 1991). Contudo, os mecanismos associados ao estiramento muscular aparentemente contribuem mas, não controlam a actividade muscular pós-contacto (Santello, 2005). Os mecanismos envolvidos no controlo da recepção ao solo estão ainda pouco esclarecidos. Para Johansson (1991) a memória sensoriomotora das interacções dinâmicas entre os segmentos corporais e o envolvimento ambiental, constitui um forte mecanismo de controlo. A sucessiva repetição do movimento em diferentes constrangimentos ambientais levaria à “construção de uma base de dados” que permitiria a realização desses movimentos em condições diversas. Provavelmente, ao contrário do que acontece com a informação produzida pela visão, a informação vestibular e proprioceptiva parecem ter uma influência determinante neste controlo de movimento (Santello e col., 2001). Dificilmente a entorse do tornozelo poderá ser considerada uma condição isolada e apenas com implicações locais. Diversos autores referenciados por Beynnon (2005) demonstraram existirem relações entre esta lesão e outras alterações aparentemente, inexistentes. Verificou-se a existência de alterações no equilíbrio e na capacidade de reequilibrar o corpo em indivíduos com história de entorse (Cornwall e Murrell, 1991; Konradsen e Ravn, 1990). Nitz e col. (1985) encontraram lesão do nervo peronial em 17% dos indivíduos que tinham sofrido entorse moderado e em 86% das entorses graves. Nesse mesmo estudo, também o nervo tibial anterior aparecia lesionado em 83% dos indivíduos com entorse mais grave. As alterações mencionadas e outras possíveis estão na origem da sugestão feita por dois investigadores (Beckman e Buchanan, 1995) da existência de mecanismos posturais compensatórios à alteração sofrida pelas estruturas pós entorse, pelo que as estratégias terapêuticas de recuperação desta lesão deveriam incluir exercícios em cadeia cinética fechada progredindo para a activação muscular concertada do membro inferior.
Parece assim, ser imprescindível a identificação das alterações mecânicas e funcionais conducentes a este traumatismo. Com efeito, mantém-se a necessidade de investigar acerca das alterações mecânicas e funcionais provocadas pela entorse do complexo articular do tornozelo e das relações estabelecidas entre ambas (Hertel, 2000) dado estarmos longe de ter atingido conclusões definitivas.

Autora : Maria António Castro

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