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quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Reumatismos degenerativos ou artroses

As artropatias crônicas não inflamatórias, as artroses, caracterizam-se ao mesmo tempo por alterações da cartilagem articular uma proliferação do tecido ósseo subcondral e lesões congestivas e fibrosas sinoviais.
As causas locais serão mecânicas, quer dizer, de sobrecarga articular com um papel importante da pressão articular e inúmeras causas gerais são citadas como factores favoráveis ao desenvolvimento da artrose: a idade, a hereditariedade, certos problemas metabólicos, endócrinos, circulatórios.
A sintomatologia será essencialmente dolorosa de tipo mecânico e de deformação e limitação articular. 
É essencialmente causada pelo uso e erosão da articulação afectada.
No exame Rx, uma artrose mostra uma redução no "espaço articular" pois a articulação está progressivamente se desgastando. Se toda a cartilagem for perdida por desgaste, a articulação fica então "osso com osso". Após isso ter ocorrido, os ossos marginais da articulação se espessam e podem formar osteófitos ou esporões.
Embora existam vários tipos de artrite, a degeneração articular produz muitos sintomas e sinais comuns. Os mais comuns são dores e enrijecimento. Estes sintomas são sempre mais intensos quando uma articulação é movimentada após ter permanecido por um longo período de tempo em repouso. Isto ocorre porque a articulação teve a sua lubrificação e nutrição limitadas durante o repouso.
As articulações com artrite podem também ficar mais dolorosos se estiverem sido expostas a actividade muito intensa. As articulações não são suficientemente saudáveis para suportar tal carga de trabalho.
O enrijecimento presente nas articulações com artrite podem resultar da dor, deterioração da articulação ou encurtamento dostecidos moles secundários. Diminuição na força e na resistência muscular são também problemas para pacientes com artrite. Por esta razão recomendo um programa de fortalecimento gradual para manutenção de um nível funcional de força. Os exercícios aquáticos não modificarão a deterioração articular e podem apenas temporariamente aliviar a dor, mas são um excelente meio de reverter o encurtamento dos tecidos moles secundários. Muitos pacientes com artrite preferem um programa de exercícios aquáticos, por que são considerados mais confortáveis de se executar que exercícios de fortalecimento em terra, especialmente para as articulações que suportam o peso do corpo.

A cinesioterapia terá quatro grandes finalidades :

- Manter as amplitudes articulares;
- Manter a força dos músculos periarticulares
- Limitar as retrações e dores
- Ensinar a um estilo de vida de "economia" articular 

Recomendo a participação de tratamentos profilático por meio de uma reeducação correcta dos traumatismos, correcção das deformações e da estática geral.

As técnicas utilizadas serão essencialmente:

-Electroterapia e termoterapia antálgica (Calores húmidos, Ondas Curtas e Micro Ondas, Ultra-som, ionizações);
-Massagem descontraturante;
-Mobilizações articulares sem carga;
-Tonificação periarticular, principalmente isométrica;
-Correção da estática e da marcha;
-Ergoterapia funcional;
-Hidrocinesioterapia.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Lesão do ligamento cruzado anterior (LCA)

Anatomia e biomecânica do ligamento cruzado anterior

Os ligamentos cruzados são estruturas ligadas a estabilidade do joelho e estão localizados no centro da articulação. O ligamento cruzado anterior (LCA) assim como o posterior (LCP), são extra sinoviais, apesar de intra-articulares. Eles recebem esta denominação de acordo com sua inserção tibial, e  por se cruzarem no centro do joelho.

Fig.1 Visão intra articular do joelho

O ligamento cruzado anterior insere-se inferiormente na superfície pré-espinal da tíbia e dirige-se para cima, para trás e para fora fixando-se na face interna do côndilo femoral externo.
As bandas do LCA são constituídas por fibras de colágeno, multifasciculares e paralelas, que se encontram em diferentes graus de tensão conforme o grau de flexão/extensão do joelho. Com o joelho em extensão, as fibras estão paralelas; com o joelho em flexão as fibras anteriores cruzam sobre as fibras posteriores.






Fig.2 Bandas do LCA em flexão e extensão do joelho


O ligamento cruzado anterior tem em média um comprimento de 38mm e uma espessura de 11mm, que varia na sua extensão, sendo maior na porção mais distal.
Diversos estudos mostram estruturas mecano-receptoras no interior do ligamento, como corpúsculos de Golgi, que estão alinhados com as fibras de colagénio. A irrigação dos ligamentos cruzados está dependente da artéria genicular média assim como da bola  de gordura anterior e a sua intrínseca ligação com a membrana sinovial que o envolve. A inervação provem do plexo poplíteo, que se origina principalmente do nervo tibial posterior.
O LCA é um restritor primário do joelho e a sua principal função é impedir a translação anterior da tíbia em relação ao fémur, contribuindo assim de forma decisiva para uma maior estabilização do joelho. Actua também, secundariamente na restrinção da rotação tibial e em menor grau na angulação varo-valgo quando o joelho está em extensão, o que não ocorre na flexão. O LCA não possui acção na restrinção da translação posterior da tíbia.
Anatomicamente, o LCA  é dividido em duas bandas: a banda antero-medial que está tensa em flexão e a banda póstero-lateral que está tensa em extensão.
Em 1917 Strausser,  descreveu um sistema de quatro barras do joelho formado pelos: LCA, LCP, fémur e tíbia, que ainda hoje é utilizado para explicar os princípios da cinemática da flexão-extensão do joelho e a interação dos ligamentos cruzados com a  geometria óssea. As quatro barras representam as conexões formadas pelas  inserções tibiais  e femorais dos ligamentos cruzados: anterior  (A - B ) e posterior (C – D ) e pelas suas fibras neutras hipoteticamente isométricas, isto é,  fibras que não alteram ou quase não alteram seu  comprimento durante o movimento de flexão–extensão. No LCA  essas fibras são  mais anteriores e no LCP mais posteriores.






Fig.3 Modelo de 4 barras de Strausser

O LCA  é submetido a carga durante todo arco de flexão-extensão do joelho, resistindo às forças que anteriorizam a tíbia  em relação ao fêmur ,e em menor grau,  às forças e momentos que causam rotação tibial e abdução durante a flexão do joelho. Para isto, diferentes fibras são recrutadas conforme o joelho se move.
O LCA apresenta propriedades viscoelásticas que o permite  dissipar a energia, ajustar seu comprimento e distribuir a carga aplicada.
A resistência do LCA varia conforme a idade.  Uma análise da resistência do LCA em grupos de idades diferentes  verificou  que  o grupo mais jovem (20 a 35 anos) apresentou resistência 50% maior que o  2º grupo (40 a 50anos) e três vezes maior que o terceiro grupo (60 a 97 anos). O LCA suporta carga de aproximadamente 2500N  em adultos jovens e em atividades diárias recebe carga de somente 20% do seu limite de resistência máxima. No entanto, as propriedades mecânicas do ligamento, tanto na sua substância como nas suas inserções aumentam com a prática de exercício físico,  gerando,  um aumento de 20% no seu limite de resistência e 10% no seu limite de elasticidade.


Fig. 4 Mecanismo de lesão do Ligamento cruzado anterior
A lesao do LCA pode acontecer por trauma directo ou indirecto. Em cerca de 85% dos casos acontece no contexto da prática de actividade desportiva. É uma lesão frequente, invalidante e evolutiva.

Os mecanismos de lesão mais frequentes são:

  • Um traumatismo que leva o fémur posteriormente quando o joelho se encontra a 90º de flexão e a tíbia fixa;

  • Na hiper flexão forçada do joelho;

  • Na flexão, a lesão ocorre no joelho flectido acompanhado de rotação externa de tíbia sobre o fémur, outro mecanismo é uma força anteriormente dirigida e aplicada sobre a região posterior da tíbia proximal, isto pode ocorrer quando o joelho está em flexão, ou em completa extensão;

  • Na hiper extensão forçada do joelho a lesão pode ocorrer com ou sem rotação da tíbia;

  • Contracções fortes dos quadrícipetes com o joelho em extensão;

Existem vários níveis de lesões ligamentares, dependendo do mecanismo de acção sofrido pela articulação, quando é aplicada uma força superior à amplitude normal do movimento excessivo da articulação, com lesão do tecido, denominado distensão. Esta pode ir desde uma ruptura completa, podendo ou não ter avulsão do fragmento ósseo ao qual está inserido, até ruptura de apenas algumas fibras sem perda da integridade do ligamento.
É preciso determinar o grau da lesão ligamentar a fim de proceder a um tratamento adequado. A classificação e graduação das lesões ligamentares baseiam-se no número de filamentos rompidos e na instabilidade articular. Segundo Rodrigues, quanto aos graus de lesões, podem ser classificadas da seguinte forma:

  • Grau I: lesão do tipo leve, onde existe edema e sensibilidade local, com rompimento de alguns ligamentos sem perda funcional;

  • Grau II: lesão do tipo moderada, onde grande parte dos ligamentos encontram-se rompidos seguido de instabilidade na articulação, não demonstrando perda completa da integridade do ligamento;

  • Grau III: lesão do tipo grave, havendo rompimento completo dos ligamentos.

Normalmente quando acontece esta lesão o paciente sente um “estalo” no joelho e uma sensação de deslocamento. A dor tem um carácter variável, que é explicado pelo edema que tenciona a cápsula articular.

O diagnóstico baseia-se na história e exame clínico do joelho, no caso de situações muito agudas o exame é realizado de maneira a evitar dor. A punção articular com presença de sangue (hemartrose) é indicativa de uma ruptura ligamentar.
É esperado um flexum do joelho e o teste Lachman positivo, teste este que consiste em avaliar a quantidade de deslizamento da tíbia anteriormente sobre o fémur e é avaliada a 20º de flexão do joelho. Este teste tem-se apresentado de maior fidelidade do que o da gaveta anterior uma vez que este ultimo colocava em tensão também o ligamento colateral medial, adulterando assim os resultados.





Fig.5 Teste de Lachman



Outro teste para despiste de ruptura é o de rotação do pivot lateral (Pivot-Shift), quando há deficiência do ligamento cruzado anterior frequentemente descreve-se um falseio ou sensação de deslize que ocorre quando o indivíduo se vira sobre o joelho ou quando se para de repente durante uma corrida, sendo estes sintomas denominados como desvio de pivot.





Fig.6 Teste de rotação do pivot lateral (Pivot-Shift)



Exames complementares

As radiografias simples são necessárias pois podem mostrar a presença de lesões ósseas (espinhais tibiais, côndilo externo). A radiografia de frente do joelho pode mostrar a fractura de Segond, patognomónica de uma lesão do LCA. As radiografias activas (Lachman radiológico) são utilizadas na pesquisa de instabilidade. A ressonância magnética, normalmente, é o exame mais confiável para detecção da ruptura do LCA e lesões meniscais. O exame poderá ser também realizado por via artroscópica.

Tratamento conservador

O tratamento conservador normalmente é recomendado a pacientes mais idosos, sem aspirações a praticar desportos que facilitem o surgimento da dor, edemas e falseios. O principal objectivo deste tratamento é dar estabilidade dinâmica ao joelho através do reforço muscular.
A nível da fisioterapia é utilizado o uso de compressão e gelo associado, ou não, a analgésicos e ou anti-inflamatórios, exercícios de flexão/extensão e alongamento, visando aumentar o arco de movimento e exercícios de reforço muscular.
As grandes sequelas de um tratamento conservador incorrecto, ou a ausência de tratamento desta patologia são: as lesões dos meniscos, as alterações degenerativas, as lesões de cartilagem e a osteoartrite.


Tratamento cirúrgico


O tratamento cirúrgico é o mais indiciado para pacientes jovens e pacientes com grande mobilidade como é o caso de desportistas. É o tratamento mais eficaz para tratamento de rupturas do LCA.
Existem diversas técnicas de cirurgia para correcção deste problema, desde reparos directos suturando o ligamento a enxertos autólogos e homólogos.

Sutura do ligamento


A evolução da medicina cirúrgica ligamentar provou que a sutura do LCA dá maus resultados, uma vez que como o ligamento tem pouca vascularizaçao, necessitando assim, de um período de imobilização e restrição no apoio demasiado longo.

Enxertos homólogos

Os enxertos biológicos homólogos, obtidos de cadáveres humanos, são ainda pouco utilizados, devido à baixa disponibilidade e ao custo elevado do seu procedimento. As grandes vantagens deste tipo de técnica cirurgica é a de não necessitar de incisões para obtenção do enxerto, evitando desta forma a morbidade da área doadora, encurtando o tempo cirúrgico e diminuindo a dor pós-operatória, no entanto, apresentam um potencial de resposta imunogénica e de transmissão de doenças (embora baixo). Os enxertos homólogos mais utilizados são o ligamento rotuliano, o tendão de Aquiles, os tendões flexores (semitendíneo e gracilis) e o tendão quadricipital.

 Enxertos Autólogos

A intervenção cirúrgica mais utilizada e mais bem sucedida para a lesão do LCA é a reconstrução intra-articular por via artroscopia, através de enxertos autólogos. Os enxertos autólogos mais utilizados na actualidade são, o terço médio do ligamento (tendão) rotuliano, os tendões dos músculos isquiotibiais (semitendinoso e gracil) e o tendão quadricipital.

Ligamento rotuliano


Num passado, não muito distante, a grande maioria dos ortopedistas envolvidos na cirurgia do joelho dava preferência à utilização do enxerto retirado do terço central do ligamento rotuliano com 8 a 11 mm de largura, junto com um fragmento ósseo de 20 a 25 mm de comprimento, da rótula e da tuberosidade anterior da tíbia. A sua vantagem era possibilitar uma fixação mais rígida, através de parafusos de interferência, e a sua incorporação dáva-se através da consolidação dos fragmentos ósseos do enxerto com o tecido ósseo do túnel femoral e tibial. As grandes desvantagens desta técnica referem-se principalmente à morbidade da área doadora, o enfraquecimento, do ligamento rotuliano e o tempo de recuperação. Está indicado para adultos jovens, principalmente do sexo masculino, com participação em desportos de alta solicitação do joelho.




Fig. 7 Ligamentoplastias OTO

















 


Tendões dos Isquio-tibiais


Os tendões dos músculos semitendinoso e gracil têm vindo a ser utilizados com maior frequência que no passado, por apresentarem uma morbidade menor em relação à área doadora, um resultado estético melhor e um tempo de recuperação menor. A sua resistência é semelhante ou superior à do ligamento rotuliano e os resultados obtidos com os dois enxertos são muito parecidos.
 
Podemos colocar apenas o tendão do semitendinoso dobrado em três (triplo semitendinoso), ou os dois tendões dobrados em dois (enxerto quádruplo). As extremidades distal e proximal dos tendões são suturadas com fios inabsorvíveis resistentes imitando a costura de uma bola de baseball e estes fios servem como guias para o enxerto e podem ser utilizados para fixá-lo ao osso.






Fig.8 Tendão do semitendinoso

A cicatrização ocorre entre tecido mole e tecido ósseo do túnel, inicia-se em 6 semanas e após 30 a 52 semanas apresenta a sua estrutura histológica semelhante à da inserção original do LCA.
Existem inúmeros métodos de fixação destes enxertos nos túneis ósseos, como fios inabsorvíveis amarrados em parafusos e arruelas, parafusos de interferência de partes moles, pequenas placas (Endobutton), parafusos transósseos, etc... Cada método apresenta as suas vantagens e desvantagens, e geralmente tem um custo elevado.

Esta técnica está indicada para adolescentes com placa de crescimento aberta, mulheres, adultos mais idosos e pacientes envolvidos em atividades desportivas.



Fig 8 Recolha do Tendão semitendinoso

Esta técnica é a usada para pacientes  jovens e desportistas, aumentando assim os prognósticos para uma recuperação rápida e eficaz.



Tendão Quadricipital

O enxerto retirado do tendão quadricipital é uma boa alternativa para as cirurgias de reconstrução de múltiplos ligamentos e nas cirurgias de revisão. Este é retirado do tendão do recto anterior e vasto intermédio, juntamente com um fragmento ósseo de 20 a 25 mm da rótula. Deve existir um cuidado especial na sua retirada para não se abrir a bolsa suprapatelar, que se ocorrer pode permitir extravasamento do líquido de infusão da artroscopia, dificultando assim a sua realização. A fixação da extremidade óssea é semelhante à utilizada para fixação do ligamento rotuliano, e a extremidade tendinosa deve ser suturada como no caso do tendão dos isquio-tibiais e os fios amarrados em parafuso cortical com arruela, ou fixada com parafuso de interferência de partes moles ou absorvível. Os defensores da sua utilização rotineira afirmam que sua inserção na rótula é mais resistente que a do ligamento rotuliano, por se fazer em toda a espessura do bloco ósseo e não apenas na superfície anterior da rótula.
 

Espondilite Anquilosante

A espondilite anquilosante (EA) é uma doença reumática crónica com um envolvimento articular predominantemente axial. Até recentemente, a terapêutica assentava na administração de fármacos anti-inflamatórios e em medidas de medicina física e reabilitação. Nos últimos anos assistimos à introdução no mercado de terapêuticas biológicas, potencialmente eficazes no tratamento da EA. A disponibilidade destes fármacos tornou ainda mais crucial a existência de protocolos de seguimento e de avaliação dos doentes com EA.
Baseados na revisão da literatura e dos instrumentos mais consensualmente utilizados em ensaios clínicos,
os autores propõem um protocolo para avaliação clínica e funcional de doentes com o diagnóstico de espondilite anquilosante. Pretende-se que o protocolo seja de fácil utilização na prática clínica diária, adaptado à realidade portuguesa e que contribua para uma melhor avaliação dos doentes com EA.
A Espondilite Anquilosante (EA) é uma artropatia inflamatória com expressão e evolução clínicas muito variáveis de indivíduo para indivíduo. Os critérios de classificação mais consensuais são os critérios de Nova Iorque modificados1, que incluem:
sacroileíte documentada por radiografia, lombalgia inflamatória e rigidez com mais de 3 meses de duração, limitação da mobilidade da coluna e limitação da expansão torácica.

Os sintomas dolorosos associados à EA respondem caracteristicamente bem à terapêutica com anti-inflamatórios não esteróides (AINE)2. Por este motivo, até recentemente, a terapêutica da EA assentava na utilização de AINE e em medidas de Medicina Física e Reabilitação. Ao contrário do que se passa na AR, na EA não dispúnhamos de fármacos classificados como modificadores da doença (DMARDs), sobretudo considerando o envolvimento axial da doença. Na literatura estão publicados dois estudos randomizados e controlados3,4, utilizando sulfasalazina na terapêutica da EA, que demonstraram benefício no envolvimento
periférico, mas não no envolvimento axial. O metotrexato é utilizado nos casos refractários, mas não há evidências robustas que suportem a sua utilização5,6. Nos últimos anos têm surgido cada vez mais evidências de que os antagonistas do tumor necrosis factor alfa (TNF), podem ser eficazes no envolvimento axial da EA7,8. Mas a eficácia a longo prazo destes fármacos e a sua capacidade para alterar o curso da doença ainda estão por esclarecer. Assim, existe uma necessidade crescente de efectuar um seguimento rigoroso e objectivo dos doentes com EA. A monitorização clínica só é possível com um suporte escrito
estruturado, que seja de rápida execução, reprodutível e permita obter dados relativos à evolução da doença. Para além disso, um protocolo deste género deverá incluir uma avaliação inicial pormenorizada,
que possibilite uma análise exaustiva das características da doença, das patologias associadas e das terapêuticas anteriormente efectuadas.
Esta necessidade é particularmente relevante na EA, pois não há um consenso definitivo em relação a quais os melhores instrumentos de avaliação a seleccionar9.

O protocolo de monitorização clínica da EA (PMEA) que aqui publicamos, à semelhança do publicado para a artrite reumatóide (PMAR)10, permite a criação de uma base de dados das características epidemiológicas dos doentes com EA e pode funcionar também como instrumento deorientação para decisões terapêuticas.
No nosso país, seria útil que os vários centros de reumatologia utilizassem meios semelhantes na avaliação dos doentes com EA, o que permitiria a constituição de bases de dados comuns, contribuindo para a realização de estudos multicêntricos prospectivos e para a avaliação da eficácia e segurança das novas terapêuticas.

São raros os protocolos de monitorização da EA publicados, pelo que nos parece muito útil a apresentação deste protocolo. O PMEA foi desenvolvido de acordo com orientações que fomos obtendo a partir da literatura e de ensaios clínicos e tem sido aplicado a alguns doentes da Consulta de Reumatologia do Hospital de Santa Maria. A duração do preenchimento da primeira avaliação é de cerca de 30 minutos e as reavaliações demoram cerca de 15 minutos. Esperamos que a sua publicação seja um contributo para uma discussão mais alargada da melhor forma de avaliar os doentes com EA e que contribua para um melhor seguimento destes doentes.

No PMEA, a avaliação inicial é composta por uma folha de rosto que contém dados identificadores do doente como o nome completo, a morada e o telefone e está preparada para ser se-parada do restante registo, de forma a garantir o anonimato do doente. O protocolo na primeira visita, reúne dados demográficos do doente: nome, data de nascimento, sexo, raça, naturalidade, estado civil, situação profissional no início da doença e actual e escolaridade. Inclui ainda outros dados como o peso, altura, sinais vitais, hábitos tabágicos e alcoólicos. Regista-se também a data do início da doença e do diagnóstico, a data da primeira consulta de reumatologia, o número de consultas de reumatologia por ano, se cumpre ou não os critérios de Nova Iorque modificados e as terapêuticas prévias para a EA. O envolvimento da doença é classificado como apenas axial ou axial e periférico e a sacroileíte radiológica nos graus de I a IV11 e uni ou bilateral. Para avaliação da actividade da doença, utilizamos o Bath Ankylosing Spondylitis Disease Activity Index12 (BASDAI) de acordo com os critérios recentemente considerados mais consensuais13.

Este questionário simples, preenchido pelo doente, com 6 questões, consiste em 3 perguntas que avaliam dor em 3 locais de envolvimento (axial, periférica e entesis), 2 perguntas sobre rigidez matinal (duração e intensidade) e uma sobre fadiga. A resposta é fornecida com base em 6 escalas visuais analógicas com 10 cm de comprimento. A pontuação total é obtida pela média das diferentes pontuações. A doença é considerada activa quando o BASDAI é superior a 4.

A avaliação da mobilidade é efectuada utilizando os parâmetros definidos pelo Assessments in Ankylosing Spondylitis (ASAS)14. Este grupo de trabalho foi constituído em 1995 tendo como objectivo estabelecer normas de actuação consensuais na EA. Os parâmetros identificados para a avaliação da mobilidade foram o teste de Schober, a variação da amplitude torácica em inspiração e expiração e a distância occipital-parede.

No nosso protocolo e de acordo com a opinião generalizada13 a avaliação funcional é obtida através do Bath Ankylosing Spondylitis Functional Index (BASFI)15 que consiste em dez perguntas sobre capacidade funcional, também avaliadas através de escalas analógicas com 10 cm de comprimento.

Além destes índices, incluímos na avaliação a contagem e descrição da localização do envolvimento articular periférico e das entesis, as manifestações extra-articulares, cirurgias osteo-articulares anteriores e duas escalas visuais analógicas de actividade global da doença avaliada pelo doente e pelo médico.

O registo de exames laboratoriais inclui velocidade de sedimentação (VS), proteína C reactiva (PCR) e dados laboratoriais das alterações consideradas relevantes. São registadas a terapêutica actual, os seus efeitos adversos e a avaliação global da resposta ao tratamento, além de observações consideradas pertinentes. No final elabora-se um plano para a próxima visita. As avaliações seguintes trimestrais, constituem uma versão simplificada da avaliação inicial.

Na primeira página é feita a actualização de dados como o peso, situação profissional, aparecimento de novas manifestações extra-articulares, envolvimento articular periférico e entesites. Faz-se a avaliação da actividade através do BASDAI, da capacidade funcional com o BASFI e da mobilidade com as 3 manobras descritas anteriormente.
Incluem-se novamente as escalas visuais para avaliação da actividade da doença pelo doente e pelo médico. Registam-se intercorrências surgidas desde a última consulta, observações consideradas pertinentes e o plano a cumprir.

O desenho deste protocolo foi efectuado de acordo com os instrumentos de avaliação considerados mais consensuais e permite caracterizar os domínios considerados pertinentes pelo ASAS13: função, dor, mobilidade da coluna, avaliação global da actividade da doença pelo doente, rigidez, articulações periféricas e entesis, reagentes de fase aguda e fadiga. Os outros pontos destacados pelo ASAS são as alterações radiológicas da coluna cervical e lombar, articulações sacro-ilíacas e coxo-femorais. Os índices compostos aceites para essa avaliação são o Bath Ankylosing Spondylitis Radiology Index (BASRI)16 e o Stoke Ankylosing Spondylitis Spinal Score (SASSS)17. No entanto, cada vez mais as alterações radiológicas são consideradas pouco sensíveis à mudança, e por isso são pouco utilizadas como critério de variação entre duas avaliações18. Recentemente, a ressonância magnética (RMN) tem sido objecto de estudo, para eventual validação como instrumento de avaliação das modificações estruturais19. Ainda não há posições de consenso nesta área, nem sistemas de pontuação validados no entanto, é nossa intenção, sobretudo em doentes que vão ser submetidos a terapêuticas biológicas, procedermos a avaliação prévia, aos 6 meses, 1 ano e depois anual por RMN. Este protocolo foi também desenhado para monitorização da evolução e avaliação da resposta a fármacos. Assim, permite-nos o registo das pontuações do BASDAI em visitas sucessivas – alguns trabalhos consideram variações significativas a melhoria em 50% em 2 visitas separadas por 2 meses de intervalo. Permite também avaliar a melhoria, de acordo com os critérios do ASAS: melhoria de 20% em três parâmetros, sem agravamento superior a 20% no quarto. Estes parâmetros são: função (BASFI), dor (EVA da dor ou média da dor do BASDAI), avaliação global da doença pelo doente (EVA), rigidez (média da rigidez do BASDAI). Em conclusão, o PMEA parece-nos ser de fácil aplicabilidade e interpretação e pode permitir um seguimento mais rigoroso dos doentes com EA.

Referências Bibliográficas

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4. Clegg DO, Reda DI, Weisman MH et al. Comparison of sulfasalazine and placebo in the treatment of ankylosing spondylitis: a Department of Veterans Affairs Cooperative Study. Arthritis Rheum 1996; 39: 2004-12

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7. Brandt J, Haibel H, Cornely D et al. Successful treatment of active ankylosing spondylitis with the anti-tumor necrosis factor alpha monoclonal antibody infliximab. Arthritis Rheum 2000; 43(6): 1346-52

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9. Khan MA. Ankylosing spondylitis: introductory comments on its diagnosis and treatment. Ann Rheum Dis 2002; 61 (Suppl III): iii3-iii7

10. Fonseca JE, Canhão H, Reis P, Jesus H, Pereira da Silva JA, Viana Queiroz M. Protocolo de Monitorização Clínica da Artrite Reumatóide. Jornal CIAR 2001; 11: 113-118.

11. Resnick D, Niwayama G. Ankylosing spondylitis. In Resnick D, Niwayama G, eds, Diagnosis of bone and joint disorders. Philadelphia; WB Saunders 1981; 1040-102

12. Garrett S, Jenkinson T, Kennedy LG et al. A new approach to defining disease status in ankylosing spondylitis: the Bath ankylosing spondylitis disease activity index. J Rheumatol 1994; 21(12): 2286-91

13. van der Heijde D, Braun J, McGonagle D, Siegel J. Treatment trials in ankylosing spondylitis: current and future considerations. Ann Rheum Dis 2002; 61 (Suppl III): iii24-iii32

14. van der Heijde D, Bellamy N, Calin A et al. Preliminary core sets for endpoints in ankylosing spondylitis: assessments in ankylosing spondylitis working group. J Rheumatol 1997; 24: 2225-9

15. Calin A, Garrett S, Whitelock H et al. A new approach to defining functional ability in ankylosing spondylitis: the development of the Bath ankylosing spondylitis functional index. J Rheumatol 1994; 21(12): 2281-5

16. Calin A, Mackay K, Brophy S. A new dimension to outcome: application of the Bath ankylosing spondylitis radiology index. J Rheumatol 1999; 26: 988-92

17. Taylor HG, Wardle T, Beswick EJ, Dawes PT. The relations-hip of clinical and laboratory measurements to radiological change in ankylosing spondylitis. Br JRheumatol 1991; 30: 330-5

18. Spoorenberg A, de Vlam K, van der Heijde D et al. Radiological scoring methods in ankylosing spondylitis: reliability and sensivity to change over one year. J Rheumatol 1999; 26: 997-1002

19. Braun J, Golder W, Bollow M, Sieper J, van der Heijde D. Imaging and scoring in ankylosing spondylitis. Clin Exp Rheumatol 2002 Nov-Dec;20(6 Supp l28):S178-84.

Autores:

Helena Canhão

João Eurico Fonseca
Walter Castelão
Mário Viana de Queiroz

Hospital de Santa Maria, Lisboa
Hospital de Egas Moniz, Lisboa
Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

Músculos no idoso

De acordo com o US Census Bureau, o organismo americano do Censo, que eqüivale ao nosso IBGE, a população americana, de 65 anos ou mais idosa, aumentará de 1995 a 2030, 107%, e a de 85 anos, 133%. Em contraste, a percentagem das pessoas abaixo de 65 anos, nesse mesmo período, só aumentará 21%. Portanto, os idosos com incapacidades diárias aumentarão muito. Por isso, os conhecimentos sobre as alterações fisiológicas na musculatura esquelética que são causadas pelo envelhecimento, são de fundamental importância para os médicos e fisioterapeutas. Outro tema associado é verificar o que ocorre na musculatura, quando envelhecem as pessoas que realizaram exercícios a vida toda.
T. Trappe e colaboradores, fisiologistas, do Movimento da Universidade do Arkansas, fizeram um exame complexo por microdiálise para quantificar a substância (3MH) que resulta no ser vivo, da degradação das 2 mais freqüentes proteínas musculares que são, amiosina e a actina. Os autores compararam a dosagem de 3MH antes de 24 horas, após 2 grupos de pessoas realizarem exercícios de resistência. Foi constituído um Grupo A de 8 homens jovens que tinham em média (27 +/-2 anos ); e um Grupo B com 8 homens idosos (média 75 +/-4 anos). Os exercícios foram 3 séries para o quadriceps com 8 repetições, a 80% de resistência. A concentração intersticial de 3MH era 44% maior (p<0,05) nos idosos (6,16 +/-0,56 nmoloml-1) quando comparados com os jovens (4,28 +/-0,27 nmoloml-1). Não houve diferença significativa antes, durante e depois de 24 horas do exercício, nos 2 grupos. Isso significa que o músculo altera com idade, mas não com o exercício.



Fonte :: J Physiol. 2003 Nov 7

Pseudoartrose

Pseudoartrose: osso que não consolidou


Pseudoartrose é nome dado a não consolidação de uma fratura. Dito de outra maneira, existem algumas ocasiões em que as fraturas de ossos longos das pernas e dos braços não saram, dentro dos prazos certos. Após um trauma, quando o osso quebra, forma-se dois seguimentos de ossos, e se não existir nada (gordura, restos de balas, fragmentos de músculos, etc..) entre eles a tendência é eles se unirem ou soldarem. Forma-se o que se chama de calo ósseo. Para isso, é importante que a circulação sangüínea esteja ocorrendo normalmente no local e o osso deve ficar em repouso, por isso que ele é engessado. Mas, se após 3 a 6 meses, não houver essa solidificação, é o que denomina-se de pseudoartrose. Os dois pedaços de ossos têm movimentos e a imagem na radiografia parece com uma artrose de uma articulação, que é um desgaste da cartilagem. Mas aí não existe cartilagem, pois na realidade não é uma articulação. Qualquer pessoa pode ter a pseudoartrose, independente da idade, parece que existe também um componente genético. A neurofibromatose é uma doença genética com lesões na pele (manchas "café-com-leite"), e nos nervos, as extremidades ósseas no foco da pseudoartrose são atróficas, lembrando uma ampulheta. Crianças que nascem com o pé torto, podem ter pseudoartrose. Usa-se um tratamento clínico de estímulo nos cotos ósseos de ultra-som ou ondas eletromagnéticas, mas, a pseudoartrose quase sempre necessita de uma intervenção cirúrgica para corrigir o problema.
J. W. Simmons e colaboradores, cirurgiões de coluna, do Hospital de Galveston, no Texas, relataram a presença de uma pseudoartrose na coluna lombar de 100 pacientes, que foram operados da coluna lombar. Os pacientes tinham dores, e suspeita de hérnia de disco, e os ortopedistas operaram a coluna, realizando uma cirurgia chamada de fusão, colocando um enxerto ósseo, no local para estabilizar (imobilizar a coluna). O enxerto não soldou na vértebra e os pacientes passaram a ter dores locais. Os autores para não operar novamente esses pacientes empregaram estímulos eletromagnéticos, depois de 9 meses da cirurgia inicial. As sessões eram de 2 horas, e os pacientes ficavam deitados sob a ação dessa máquina, que age externamente, estimulando o osso a se fundir. O tratamento durou ao menos 90 dias e em 67% dos pacientes foi bem sucedido. Nos pacientes que fumam (tem circulação sanguínea pior) e os que fizeram várias fusões ao mesmo tempo os resultados foram piores. Os autores afirmam que deve-se sempre tentar esse método antes de operar novamente a pseudoartrose.




Fonte :: Am J Orthop. 2004 Jan;33(1):27-30

Artrose de joelho

A dificuldade de se locomover devido a presença da artrose do joelho traz um impacto sobre a qualidade vida dos idosos.
Rosângela Corrêa Dias apresentou tese na Escola Paulista de Medicina, para obtenção do grau de Doutor, sobre a influência da fisioterapia sobre a qualidade de vida de idosos com artrose de joelhos. A autora, que é fisioterapeuta, comparou as mudanças na gravidade da artrose e sua influência na qualidade de vida, em 47 pacientes, com idades entre 65 e 89 anos. Os autores compararam um grupo A, chamado grupo controle, com 23 pacientes, que recebeu uma sessão educativa de como cuidar do joelho, e um grupo B, com 24 pacientes, que além de participar desta mesma sessão educativa, também recebeu um conjunto de exercícios terapêuticos para o joelho e fez caminhadas, durante 6 semanas.
A gravidade da artrose foi medida pelo índice de Lequesne e a qualidade do estado de Saúde e a qualidade de vida pelo Health Assessment Questíonnaire (HAQ) e pelo Medical Outcomes Short-form Health Survey (SF-36). A gravidade do exame radiológico dos joelhos foi critério para o pareamento dos sujeitos nos grupos, que foram avaliados, por um observador independente, no início do estudo, após 3 e 6 meses. Nas comparações ao longo do tempo, entre sujeitos do grupo controle, não houve diferenças, estatisticamente significantes, exceto no SF-36 para dor e saúde mental. Entre os sujeitos do grupo experimental, houve melhora, exceto no SF-36 para estado geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais, aspecto emocional e saúde mental. Nas comparações entre os grupos, houve diferenças estatisticamente significantes após 3 e 6 meses, em todos os instrumentos, exceto para os componentes vitalidade (3 meses), aspectos sociais, aspecto emocional e saúde mental. Os resultados deste estudo demonstraram que o protocolo aplicado parece ter um impacto positivo na qualidade de vida de pessoas com atrose de joelhos.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Comportamento Organizacional no Hospital

1. INTRODUÇÃO


No nosso país, a instituição hospitalar tem merecido poucos estudos empíricos. A necessidade de reduzir as despesas dos Estados e as alterações demográficas das populações, nos países industrializados, com o prolongamento da vida, por um lado, e a diminuição relativa da população activa, por outro lado, têm contribuído para o questionar do modelo de solidariedade social em que assentava a prestação dos cuidados de saúde. Exige-se hoje uma maior racionalidade na gestão do sistema, lado a lado com o aumento, sempre necessário da qualidade da prestação dos cuidados.
Assim, a crise que se faz sentir no sistema de saúde vem motivar um olhar mais atento sobre a sua eficácia e eficiência. Procuram-se hoje soluções alternativas em termos de financiamentos, de propriedade e de gestão das organizações.

Em Portugal pode igualmente constatar-se que o utente não tem da estrutura do hospital uma percepção clara, registando-se incompreensões e mesmo a desvalorização do trabalho dos prestadores. Parece tratar-se de uma organização complexa, onde exercem a sua actividade profissionais de especialidades diferentes, levando-nos a prever a existência de interesses divergentes e a suspeitar da existência de um conjunto de
forças centrífugas relativamente à organização, o que leva a questionarmo-nos sobre a forma de conseguir dos actores as indispensáveis áreas de consenso para a prossecução de objectivos comuns.

Esta questão remete-nos para o problema da gestão hospitalar e da estruturação das suas actividades.
Interessou-nos, por isso, analisar como tem sido descrita a estrutura hospitalar na literatura.

1.1. O hospital, uma burocracia profissional

Ao longo da revisão efectuada, pudemos constatar que a organização dos serviços de saúde foi surgindo como uma organização burocrática de características específicas. Mesmo os autores clássicos, como Weber (1949) referem explicitamente esta especificidade. Outros, (Etzioni, 1974; Stelling & Bucher, 1972) salientam a impossibilidade de efectuar nestas organizações uma gestão assente nos princípios da burocracia mecanicista. A organização mecanicista segue os princípios da autoridade legal e racional de Weber (1949). São eles, uma direcção centralizada, separação entre direcção e execução, coordenação realizada através de normas e regulamentos cujo cumprimento é controlado pela hierarquia A caracterização do hospital como uma organização muito diferenciada apresentando uma estrutura dual de autoridade, parece uma constante dos diferentes modelos teóricos.
O elevado nível de qualificação dos profissionais dificulta, ou impossibilita a supervisão hierárquica. Henri Mintzberg (1982) descreve a estrutura do hospital como uma burocracia profissional. Trata-se de uma organização muito diferenciada vertical e horizontalmente, em que o poder se situa no centro operacional, parte mais importante da organização. Os serviços de apoio existem  apenas para servir o centro operacional; a tecnoestrutura e a hierarquia são embrionárias (a título de exemplo, o enfermeiro director e a enfermeira supervisora podem ser considerados como tecnoestrutura).
No centro operacional, o principal mecanismo de coordenação das actividades é a estandardização das qualificações, cujos parâmetros de concepção correspondentes são a formação e a socialização. O hospital recruta profissionais devidamente formados e socializados e conferelhes autonomia para execução do seu trabalho. O médico trabalha de modo quase independente dos seus colegas, e está próximo do cliente ou utente. Faz o diagnóstico e aplica assim a cada caso o programa standard adequado.O hospital difere substancialmente das burocracias mecânicas, na medida em que os profissionais obedecem a valores, normas éticas e códigos profissionais e não a uma hierarquia. Esta cultura profissional é transmitida durante a longa formação e prática supervisionada pelos professores, colegas e pelas associações profissionais.

Grande parte do poder situa-se na base da hierarquia, cada profissional trabalha com os seus clientes e submete-se apenas ao controlo dos seus colegas que o formaram e socializaram; são eles que têm o direito de o censurar em caso de erro profissional.

O vértice estratégico confere poder e autonomia aos profissionais porque a complexidade e urgência do trabalho bem como a necessidade de uma abordagem casuística dificulta o controlo por um superior hierárquico (não profissional) ou a estandardização por analistas. A progressão na carreira obedece a critérios profissionais, associados à capacidade de resolver problemas de crescente complexidade; o poder assenta pois na competência profissional. Assim o profissional tende a identificar-se mais com a sua profissão que com a organização onde exerce.
O profissional garante o seu poder na organização, não apenas pelo controlo sobre o seu próprio trabalho, mas procura controlar as decisões de carácter administrativo que lhes dizem respeito. Para tanto, asseguram eles próprios parte do trabalho administrativo, e participam em órgão e comissões, cujo número tende a ser relativamente importante. Estaremos, pois, no centro operacional, em presença de uma estrutura muito
participativa ou democrática. Paralelamente, o autor descreve a área administrativa como uma burocracia mecânica. O estatuto e a posição na carreira estão associados à função desempenhada. Existem regras e procedimentos definidos cujo cumprimento é controlado pela hierarquia. Estas duas hierarquias são independentes e tendem a manter-se separadas até ao nível do vértice estratégico.
Relativamente aos factores de contingência habitualmente referido Mintzberg (1982) apenas refere um meio envolvente complexo mas estável e um sistema técnico pouco sofisticado e não regulador.

1.2. O hospital como organização baseada no conhecimento

Desde há já alguns anos, a ideia de que o aumento das qualificações dos profissionais terá consequências determinantes na modificação dos modelos de gestão, tem vindo a ganhar adeptos junto dos teóricos. Com efeito, reconhece-se a dificuldade, senão mesmo a impossibilidade de exercer um controlo hierárquico sobre pessoas com elevados níveis de formação. Miner (1988) identificou quatro sistemas organizacionais diferentes.O sistema hierárquico ou burocrático que segue os princípios da autoridade racional de Weber. O sistema de tarefa ou empresarial, sistema baseado no indivíduo, sendo este que estabelece os seus próprios objectivos; o sucesso empresarial está ligado ao sucesso individual. O sistema grupal ou socio-técnico que caracteriza os grupos autónomos em que existem objectivos de grupo, normas de grupo e uma avaliação em grupo. E o sistema baseado no conhecimento que aqui descrevemos. E entre os quais o sistema baseado no conhecimento cuja descrição se aproxima muito da burocracia profissional de Mintzberg (1982) acima descrita.

Mais recentemente, a temática das organizações baseadas no conhecimento foi retomada. Blacker, Reed e Whitaker (1993) constataramque, à medida que as qualificações vão aumentando, o conhecimento e o trabalho baseado no conhecimento desempenham um papel cada vez mais importante nas teorias do desenvolvimento das sociedades industriais. O conhecimento começa a ser considerado como um recurso estratégico.
Levanta-se a questão de a perícia se tornar uma vantagem competitiva. Em termos organizacionais, esta perspectiva obrigaria a uma mudança, passando-se do enfoque na gestão dos peritos para a gestão das qualificações ou da perícia. Starbuck (1992) situa-se nesta perspectiva ao falar de «knowledge intensive firms» (organizações de conhecimentos intensivos) à semelhança da designação de empresas de capital intensivo.
Se a descrição de Miner se aproxima da configuração da burocracia profissional, a descrição de Starbuck está mais próxima da adocracia. A adocracia segue o modelo de organização orgânica, muito flexível, composta por peritos, agrupados em unidades de pequena dimensão, facilitando as relações interpessoais. Trata-se de uma estrutura orientada para o cliente, adequada para operar num meio envolvente complexo e instável.
Mas uma burocracia profissional pode evoluir para a adocracia, se a tecnologia se tornar mais complexa e exigir maior multidisciplinaridade e interdependência entre profissionais.

1.3. O hospital, sistema imperfeitamente conectado

A elevada diferenciação que se manifesta na estrutura hospitalar levou-nos a interessar-nos pelos trabalhos de Orton e Weick (1990) sobre os sistemas imperfeitamente conectados, definidos como sistemas em que os elementos respondem em conjunto, embora preservando a sua diferenciação e identidade. A conexão imperfeita numa organização sugere a existência de elementos interdependentes relacionados entre si, mas capazes de um certo nível de independência. «Daí resulta um sistema simultaneamente aberto e fechado, indeterminado e racional, espontâneo e deliberado» (p. 204-205).

O hospital aparece-nos, neste sentido e a vários níveis, como um sistema imperfeitamente conectado. A diferenciação faz-se sentir na dificuldade de estandardização do trabalho dos profissionais dada a sua complexidade e urgência, exigindo assim uma gestão casuística da actividade. O meio interno é fragmentado, como o atesta a grande autonomia de que gozam os profissionais, sendo de salientar o paradoxo entre esta tendência para a autonomia e a necessidade de coordenação das actividades internas sentida por toda a organização. O meio envolvente externo, também fragmentado, caracteriza-se por estímulos dispersos, os diferentes tipos de clientes e patologias, e pela existência de expectativas incompatíveis ou contraditórias, tais como as pressões institucionais para a redução dos custos e as pressões dos utentes e dos profissionais para o aumento da qualidade da prestação de cuidados. Para compensar a conexão imperfeita, Orton e Weick (1990) identificaram três tipos de estratégias– a liderança, a focalização e a partilha de valores. A liderança deve ser subtil e individualizada, assegurando-se que a visão central esteja sempre presente, facilitando assim a integração do sistema. Numa estratégia de focalização, o líder procura mudar o comportamento dos seus subordinados, mas apenas naquilo que se considera essencial, deixando-lhes uma considerável margem de liberdade para adaptação às situações. A título de exemplo procurar-se-ia uma mudança dos comportamentos relacionados com o utente, através da implementação de um sistema de informação permanente sobre o «sistema cliente» e o meio envolvente externo (Nunes,1994: 23). Quanto à partilha dos valores, e tendo em conta as características da organização hospitalar, podemos considerar que a perda decontrolo a que se assiste actualmente é compensada por uma orientação clãnica (Ouchi, 1986). Contudo, a perspectiva de focalização acima mencionada, ao exigir um aumento da coordenação que, neste contexto, obriga a uma mudança dos valores, remetendo-nos assim para uma liderança transformacional, como é definido por Burns e mais tarde retomado por Bass (1985).
Os sistemas imperfeitamente conectados, em termos de resultados organizacionais, tendem a apresentar, segundo Orton e Weick (1990), uma maior estabilidade, amortecendo o impacte dos problemas e impedindo-os de afectar toda a organização.
Parecem evidenciar simultaneamente uma maior adaptabilidade, fomentando a experimentação e inovação (parecendo por isso adequado à resolução de problemas complexos), o juízo colectivo (através da pertença a grupos ou associações colectivas), bem como a preservação do desacordo (garantindo a capacidade de influências das minorias). Estas organizações proporcionariam assim maior satisfação aos seus membros e seriam mais eficazes. Cremadez (1992), estudou a gestão dos hospitais franceses e identificou uma estrutura organizacional semelhante à burocracia profissional de Mintzberg. Um dos aspectos que nos interessou neste estudo foi a análise das mudanças que se fazem sentir actualmente sobre os seus actores e que põem em causa os modelos em que assentam os seus comportamentos e crenças. Assim, considera a mudança de três paradigmas: o paradigma da medicina, o paradigma do serviço público e o paradigma do profissional.

- A mudança do paradigma da medicina faz com que o hospital, tradicionalmente assente em valores caritativos e humanitários, fosse catapultado para o mundo do progresso científico e tecnológico, com uma crescente especialização, obrigando o médico a deixar o exercício liberal da profissão, integrar as instituições e aumentar a interdependência. A medicina procura hoje abordar o homem, na sua globalidade biológica, psicológica e social. Aumenta, portanto, a interdependência entre os diferentes actores organizacionais.

- Assiste-se também a uma mudança no paradigma do serviço público. O reconhecimento da ineficácia dos serviços públicos, bem como a constatação de que um sistema inicialmente pensado para servir a justiça social acabou por ser fonte de inequidade, obrigam à procura de novas soluções.

- O paradigma do profissional sofre a influência das mudanças tecnológicas que provoca uma rápida desactualização dos saberes e das práticas e vem obrigar simultaneamente a uma acção mais interdependente e multidisciplinar.

Assistimos pois ao aumento da especialização acompanhado de uma diminuição da autonomia das especialidades. O médico vê assim contestado o seu poder pelos outros profissionais, que tendo aumentada substancialmente as suas competências, reivindica o seu reconhecimento.

Das mudanças descritas, (Cremadez, 1992: 238-248), resultaria uma ruptura do contrato psicológico e consequentes alterações identitárias.
Através de uma gestão estratégica, com a elaboração de um projecto de organização, o hospital encontraria meios para solucionar as dificuldades que hoje se lhe colocam.
Desta breve revisão de literatura acerca da estrutura hospitalar, gostaríamos de salientar que os trabalhos de Mintzberg (1982), sobre a burocracia profissional se nos afiguram como um modelo particularmente abrangente e integrado para a análise destas organizações. De referir ainda que esta configuração estrutural, descrita por este autor para os hospitais dos EUA, é retomada por Cremadez (1992) no estudo, acima descrito, dos hospitais franceses, parecendo assim apontar para uma possível universalidade deste modelo. Esta constatação levou-nos a procurar características semelhantes num hospital português.

Tendo ainda em consideração que o modelo da burocracia profissional nos remete para uma organização muito diferenciada, podemos desde já prever que daí advêm diferenças nas percepções dos seus actores. O conceito de sistema imperfeitamente conectado parece-nos, assim, muito útil para a compreensão da dinâmica da estrutura do hospital, tanto mais que aponta para possíveis formas organizacionais de resolução de alguns dos problemas de gestão. Interessar-nosemos pois pelas características estruturais e suas consequências nas percepções dos diferentes profissionais.

2. ESTUDO DE UM HOSPITAL

2.1. Método

Procurando analisar uma estrutura hospitalar, para verificar se o modelo de Henri Mintzberg (1982), acima descrito, se poderia encontrar no nosso país, escolhemos como campo de estudo um pequeno hospital distrital, do Sul do País, que evoluiu de hospital da Misericórdia, com funções de prestação de cuidados de rectaguarda, para hospital distrital que denominamos aqui HDE (hospital distrital em estudo). Tem por missão a prestação de cuidados diferenciados à população da zona, assumindo simultaneamente a prestação de cuidados primários, de consultas de especialidade e, devido à falta de camas na região, é obrigado a assumir igualmente a prestação de cuidados de rectaguarda.

2.1.1. Caracterização da amostra

Participaram neste estudo os dirigentes do vértice estratégico (conselho de administração) e as chefias profissionais no centro operacional. Realizaram-se assim entrevistas semi-directivas aos quatro elementos que integram o conselho de administração (Director do Hospital, Administradora Delegada, Director Clínico e Enfermeiro Director), ao Adjunto do Director Clínico (Director do Serviço de Urgência) e aos restantes directores de serviço (Directores dos Serviços de Cirurgia, Ginecologia e Obstetrícia, Medicina, Oftalmologia, Pediatria, Laboratório e Farmácia). Foram igualmente entrevistadas as chefias de enfermagem Enfermeira Supervisora e os cinco enfermeiros chefes em funções nos serviços de Cirurgia, Esterilização, Ginecologia e Obstetrícia, Medicina e Pediatria. Ou seja 4 membros do Conselho de Administração; 7 médicos, directores de serviço; 1 farmacêutico; 6 enfermeiros.

2.1.2. Procedimentos e recolha de dados
Os dados foram recolhidos por entrevista semi-directiva, gravada, em condições de privacidade,no gabinete dos inquiridos.Tendo como objectivo caracterizar a estrutura do hospital e avaliar em que medida dela emergem as características descritas por Mintzberg (1982), procurámos, com o guião de entrevista, obter as opiniões dos inquiridos relativamente às seguintes dimensões: identidade dos profissionais; centralização ou descentralização da tomada de decisão; diferenciação da estrutura; modos de integração das actividades; conflitos emergentes no seio do centro operacional, do centro operacional com os serviços administrativos e de apoio logístico e finalmente as relações com os utentes.

2.1.3. Tratamento dos dados

As entrevistas foram submetidas a uma análise de conteúdo temática (Bardin, 1977; Vala,1986) de onde foram emergindo, por aproximações sucessivas, as categorias. Escolhemos o tema como unidade de registo, procurando «núcleos de sentido» (Bardin, 1977: 104) integrantes do discurso dos entrevistados e cuja presença se revela significativa para o objecto de estudo.

Como unidade de contexto escolhemos a entrevista individual de modo a podermos trabalhar um corpus suficientemente amplo e analisá-lo por temas.
Como unidade de enumeração definimos a importância para o entrevistado de cada tema. Partimos do princípio que a importância que um sujeito atribui a um tema é função da sua frequência de aparição no discurso.
Obtivemos deste modo um conjunto de categorias cujo número foi sendo reduzido por aproximações sucessivas:

1.ª categoria: A estrutura, sob a qual agrupamos as subcategorias emergentes que se aproximam do modelo da burocracia profissional (Mintzberg, 1982): descentralização vertical e horizontal, mecanismos de coordenação das actividades.

2.ª categoria: a identidade dos profissionais.

Esta categoria decorre igualmente do modelo teórico de Mintzberg (1982). Procurámos pôr em evidência as semelhanças (ou diferenças) entre os diferentes grupos profissionais.

3.ª categoria: as percepções dos diferentes grupos profissionais: conflitos e diferenciação intergrupal.

Na análise da diferenciação entre grupos reportámo-nos ao estudo de Baldwin (1978) que repetiu nos hospitais o estudo de Lawrence e Lorsch (1967). Assim, procurámos nas entrevistas elementos referentes à natureza dos objectivos, ao horizonte temporal e ao estilo de liderança. Na sequência destes estudos, interessou-nos saber se existiam diferenças significativas nas percepções que os grupos profissionais estudados têm do hospital. Definimos como variável independente a profissão e como variável dependente a importância atribuída a cada categoria pelos sujeitos. Utilizámos o teste t de Student para concluirmos da homogeneidade ou diferença entre grupos.

Comparámos os resultados obtidos com os modelos teóricos acima descritos, procurando salientar as semelhanças, nomeadamente com o modelo da burocracia profissional de Mintzberg (1982).

2.2. Resultados

2.2.1. 1.ª categoria: A estrutura organizacional

A descentralização vertical é reconhecida nomeadamente pelos membros do conselho de administração que afirmam a necessidade de delegar e consideram a sua gestão participativa. Os directores de serviço reivindicam uma maior autonomia e consideram que o hospital tem uma estrutura decisional demasiado centralizada. Reconhecem, contudo, ter real capacidade de influenciar o Conselho de Administração, através de pressões individuais. As chefias de enfermagem referem que existe participação na tomada de decisão.
A descentralização horizontal verifica-se a dois níveis: entre os serviços, e dentro dos próprios serviços.
Entre os serviços: os seus directores não sentem necessidade de integração das actividades, manifestam preocupar-se apenas com o seu próprio serviço e desconhecer os restantes; as chefias de enfermagem e directores dos serviços de apoio, manifestaram um bom conhecimento dos diferentes serviços clínicos. Esta grande descentralização entre serviços pode originar dificuldades ao doente que necessite de cuidados simultâneos de duas especialidades
Entre os grupos profissionais, verifica-se uma dupla hierarquia dentro dos próprios serviços – a hierarquia médica e a hierarquia de enfermagem, independentes até ao nível estratégico. Esta dupla hierarquia pode originar problemas de funcionamento no próprio serviço. (Um dos directores de serviço referiu que, no ano anterior, a maioria dos enfermeiros tinham sido mudados, sem o avisarem, o que dificultou a prestação de cuidados durante meses).
Quanto aos mecanismos de coordenação que encontramos no hospital estudado é de salientar, a par da estandardização das qualificações (o HDE recebe profissionais devidamente formados e socializados), a existência de múltiplos mecanismos de integração das actividades:

- Existe muito ajustamento mútuo que, na opinião de todos os entrevistados, soluciona ou previne grande parte dos problemas. A integração das actividades realiza-se, portanto, através destas relações informais
(ajustamento mútuo) e também através de grupos de trabalho e comissões.

- Ainda no centro operacional, mas apenas no corpo de enfermagem a integração efectuase também através da hierarquia, na medida em que existe alguma estandardização dos procedimentos (a implementação dos sistemas de enfermagem e de classificação de doentes são disso exemplo).

2.2.2. 2ª categoria: a identidade dos profissionais

No que concerne a identidade, chefias médicas e de enfermagem identificam-se com a sua profissão, privilegiando a sua carreira, em detrimento da organização. Mesmo os profissionais membros do conselho de administração do hospital, o director clínico e o enfermeiro director, manifestam identificar-se mais com a sua profissão que com a organização.
Em termos identitários, a maioria dos médicos entrevistados referem-se à mudança que se registou nos últimos anos: consideram que o médico deixou de ser percebido como «um pai, um amigo», sendo hoje um «técnico igual a outros técnicos». O humanista dá pois lugar ao técnico.
As entrevistas parecem apontar também para uma diferenciação entre os profissionais médicos e enfermeiros. Os primeiros consideram-se individualistas,e referem-se aos enfermeiros como um «corpo». Quanto aos enfermeiros reconhecem- se como grupo homogéneo e diferenciado.
Parece pois saliente a uma diferenciação intergrupal, o que nos conduz à análise da terceira categoria emergente das entrevistas.

2.2.3. 3ª categoria: a percepções dos diferentes

grupos profissionais

Sendo o hospital uma estrutura complexa e fragmentada, procurámos os indícios de diferenciação nos processos cognitivos. Assim, procurámos no discurso dos entrevistados diferenças nas percepções relativas à natureza dos objectivos, ao horizonte temporal e ao estilo de liderança.
Os membros do conselho de administração prosseguem objectivos essencialmente quantitativos e de médio prazo, procurando racionalizar custos e respeitar o orçamento atribuído ao hospital.
Quanto ao horizonte temporal, esta administração considera essencialmente objectivos anuais e de médio prazo – até à construção de um novo hospital. Considera a sua gestão essencialmente de manutenção, investindo apenas o indispensável.
Os profissionais manifestam objectivos de natureza essencialmente qualitativa e de curto prazo. É preocupação de todos os profissionais, melhorar o nível da prestação de cuidados aos doentes. Mas os profissionais não constituem um grupo homogéneo, como atrás referimos. Registámos,

assim, diferenças entre as chefias médicas

e de enfermagem quanto à natureza qualitativa

dos objectivos:

- os médicos apresentam essencialmente preocupações de carácter técnico-científico, pretendendo melhorar o equipamento e os recursos dos seus serviços ou aumentar o número de valências, de modo a ir ao encontro dos principais casos que se apresentam no hospital e para os quais não dispõem de meios adequados;

- os enfermeiros, paralelamente às preocupações de natureza técnica, manifestam uma orientação humanista, relacionada com a qualidade da estadia do utente e da hotelaria.
Nesse sentido, referem a necessidade de maior disponibilidade de tempo que lhes permita prestar algum apoio psicológico aos doentes.

Quanto ao estilo de liderança, os dados emergentes referem-se apenas à centralização/descentralização da tomada de decisão, que considerámos como indício de descentralização vertical.

Parecendo-nos existir uma marcada diferenciação intergrupal, procurámos, no discurso dos entrevistados, conteúdos que nos colocassem em presença de conflitos interserviços ou interprofissionais.
Contudo constatámos que o conflito não é significativo. Todos os entrevistados se referiram à pequena dimensão desta organização que, possibilitando muito ajustamento mútuo, dificulta a emergência de conflitos.

Um outro resultado do estudo realizado diz respeito ao modo como as chefias definem o seu próprio papel.

- Os directores de serviço, consideram o cargo de director de serviço um cargo de nomeação administrativa e não um cargo de carreira. (impõe-se aqui uma nota explicativa: alguns dos directores de serviço não possuem ainda o grau de chefe de serviço, o que dificulta o reconhecimento pelos pares). Consideram que não têm poderes sobre os colegas menos competentes ou menos conscienciosos.

Considera que apenas pode chamar a atenção mas não há mecanismo que obrigue o colega a modificar o seu comportamento.
Um outro problema que surge diz respeito à ausência de meios de gestão dos recursos humanos. O director do serviço não tem meios para escolher a sua equipa – ela é-lhe imposta pela via dos concursos públicos; não tem meios de recompensar ou punir os membros da sua equipa.

- As chefias de enfermagem colocam a tónica na socialização e formação dos enfermeiros.
Este hospital foi um dos primeiros a implementar os sistemas de classificação de doentes e de avaliação do desempenho, instituídos a nível nacional para esta classe profissional, e, nesse sentido o enfermeiro chefe, tem um papel de orientador, de formador dentro do serviço. Referem ainda o seu papel na identificação de necessidades de formação e no incentivo dos outros enfermeiros à formação interna ao hospital ou externa.

- Os membros do conselho de administração afirmam-se como garante das fronteiras da organização, assegurando as relações com o exterior da organização, no sentido da negociação dos recursos. Asseguram as relações com o Ministério da Saúde e a Administração Regional de Saúde, para recrutamento de médicos, negociação de verbas. Os membros do vértice estratégico definem-se ainda como gestores dos conflitos internos, compatibilizando objectivos dos diferentes serviços.

Os quatro membros do Conselho de Administração salientam, em diversas ocasiões, a necessidade de adoptar um estilo de decisão participativo.

A história recente do HDE constitui um bom exemplo do poder dos profissionais e das dificuldades que uma tentativa de controlo pela hierarquia tem de enfrentar. Uma administração muito centralizadora viu-se impossibilitada de terminar o seu mandato. A contestação dos médicos obrigou o Ministério da Saúde a substituir o conselho de administração. Verificou-se, assim, que a intenção de centralização do poder, através de uma liderança política, fez surgir de imediato o conflito com o centro operacional. Este conflito só será apaziguado voltando a dar o poder ao centro operacional.

Finalmente, pudemos constatar que a perspectiva

do cliente encontra-se ausente do discurso dos entrevistados. O hospital tem utentes a quem é facultada a possibilidade de reclamar (no gabinete do utente) mas não instituiu mecanismos para sua auscultação sistemática. Se considerarmos, com Hirschman, que apenas os sistemas que promovem as reclamações dos clientes se actualizam e aperfeiçoam, podemos concluir que, estando os profissionais afastados da pressão do utente, não se impõe a institucionalização de mecanismos para a melhoria da qualidade.

3. DISCUSSÃO

Verificamos, assim, que um pequeno hospital distrital, não muito diferenciado, que evoluiu a partir de uma estrutura humanista, de hospital da Misericórdia, parece apresentar características muito semelhantes ao modelo da burocracia profissional, descrito por Mintzberg (1982).

A sua estrutura aparece-nos como muito descentralizada vertical e horizontalmente: os nossos dados apontam claramente para um poder situado no centro operacional e para a consequente necessidade de uma gestão participativa.

O modo como o Conselho de Administração define o seu papel, parece-nos respeitar esta necessidade e ir ao encontro da liderança subtil e individualizada preconizada por Orton e Weick (1990) como uma das estratégias de gestão dos sistemas imperfeitamente conectados.

O hospital que estudámos apresenta também uma certa descentralização horizontal. Os diferentes serviços são autónomos e funcionam de modo independente. Embora o hospital não seja muito diferenciado, não possuindo muitas valências médicas, a autonomia entre elas pôde ser verificada.

Dentro dos serviços, constatámos igualmente a dupla hierarquia descrita por Mintzberg (1982) e que considerámos como um indicador de fragmentação interna, um dos aspectos que define os sistemas imperfeitamente conectados, definidos por Orton e Weick (1990). Esta fragmentação é também visível na identidade e nas percepções que os diferentes grupos profissionais manifestam.
Perante esta grande fragmentação interna verificada, os mecanismos de coordenação revestem-se de uma grande importância para assegurar uma certa coesão ao sistema. Mintzberg (1982), descreve-nos como principal mecanismo de coordenação a estandardização dos conhecimentos e, efectivamente, no nosso estudo, os entrevistados referem claramente que o hospital recebe profissionais devidamente formados e socializados na sua profissão. Contudo, pudemos constatar que ajustamento mútuo tem uma importância significativa na coordenação das actividades. Não encontramos na literatura referências a este mecanismo de coordenação para estas organizações. Este facto merece, em nosso entender, ser aprofundado, embora possa provavelmente ser explicado pelo reduzido tamanho deste hospital.

Assim, nesta organização, verificamos uma grande diversidade de mecanismos de coordenação, a par dos referidos, são de salientar várias comissões, umas previstas na lei, outras nomeadas para solucionar problemas específicos. Os profissionais de enfermagem implementam igualmente a coordenação hierárquica, através da estandardização de alguns dos procedimentos mais gerais, comuns aos vários serviços. Esta diversidade contribui, em nosso entender, para a baixa conflituosidade, quer entre grupos profissionais, quer também com os funcionários do apoio logístico.

Em suma, com este estudo, mostrámos que um pequeno hospital, que evoluiu de uma organização humanista de hospital da Misericórdia, para uma estrutura mais diferenciada de hospital distrital, apresenta muitas semelhanças com a configuração que Mintzberg (1982) descreveu nos hospitais americanos e que Cremadez (1992) reencontrou nos hospitais franceses. Impõe-se dar-lhe sequência, agora recorrendo a metodologias quantitativas que permitam a generalização e a procura de eventuais soluções.

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RESUMO

Reconhecendo a importância da gestão dos hospitais para fazer face às dificuldades que o sistema de saúde atravessa, e constatando que são poucos os estudos publicados sobre estas organizações, procurámos dar um contributo (necessariamente limitado) ao estudo desta matéria.

Após uma breve revisão de literatura, em que apresentamos alguns dos principais modelos, interessámonos particularmente pelo modelo da burocracia profissional, configuração estudada por Henri Mintzberg (1982), nos hospitais dos EUA e que Michel Cremadez (1992) descreve também nos hospitais franceses. Questionámo-nos pois se, no nosso país, esta estrutura também poderia existir.

Estudámos esta questão, através da análise de conteúdo de entrevistas realizadas junto dos membros do conselho de administração, das chefias médicas e de enfermagem do centro operacional, num hospital distrital do Sul do país, que evoluiu, em poucos anos, de uma estrutura humanista (de hospital da Misericórdia) para uma estrutura diferenciada. Os resultados obtidos levam-nos a concluir que a estrutura organizacional emergente se assemelha à burocracia profissional, descrita por aqueles autores.

Palavras-chave: Estrutura hospitalar, burocracia profissional, sistema imperfeitamente conectado.

ABSTRACT

Recognising the importance of hospital management to face the serious problems western health system
has to deal with and verifying that in Portugal little research have been done in this area, we tried to give a (limited) contribution to this subject.

From a literature review, in which we detached the most important models, we focused ourselves on Henri Mintzberg´s (1982) professional bureaucracy, for it seems a rather cross-cultural configuration. In fact, Mintzberg described it in the USA, and Michel Cremadez (1992) showed this structure in France.
We figured, it might as well emerge in a portugues hospital.
Therefore, we interviewed all administration’s board members and the medical department’s chiefs and nurse hierarchy of a small hospital in the South of Portugal which have recently evolved from an humanistic
structure to a more differentiated one. We have then analysed the emergent structure. From the content
analysis were able to conclude that it’s structure is very similar to Mintzberg’s professional bureaucracy configuration.
Key words: Hospital structure, professional burocracy, loosely coupled systems.

Autora: ILEANA PARDAL MONTEIRO


Psicóloga. Mestre em comportamento organizacional pelo ISPA. Equiparada a Professor Adjunto da Escola de Gestão, Hotelaria e Turismo da Universidade do Algarve.

Reabilitação de Fracturas da Tíbia e Peróneo

Fractura óssea define-se como uma situação de perda da continuidade óssea, geralmente com separação de um osso em dois ou mais fragmentos após um traumatismo (COLTON C. 1998).

Incidência:
Segundo a Idade e o Sexo:
Segundo Serra, 2001, as ocorrências traumáticas ao longo da vida podem dividir-se em três fases: 1ª – do nascimento aos 19 anos, 2ª dos 20-40 e a 3ª dos 50 em diante, sendo a 1ª e a 3ª os picos de incidência.
Idoso, sobretudo feminino, devido à osteoporose, sofre facilmente fracturas consequência de quedas durante a marcha.
Crianças entre os 5 e os 12 anos de idade, principalmente do sexo masculino, sofrem facturas durante o período de maior agitação motora e menor prudência.


































Imagem 1 Incidência segundo idade e sexo

Segundo a Localização:
O quadro seguinte apresenta as 12 mais frequentes localizações de fracturas em cerca de 13.000 casos:

Distal do Rádio 558
Diáfise da Tíbia 414
Diáfise do Fémur 220
Clavicula 200
Próximal do Fémur 193
Diáfise dos ossos do Antebraço 172
Colo do úmero 153
Base do 5º metatarso 139
Todos os metacarpianos 137
Maléolos 132
Bacia 101
Coluna 73

Classificação segundo Serra,2001:

Segundo a Causa de Fractura:

Fracturas Traumáticas – causa da grande maioria das fracturas;
Directa – pancada ou queda;
Indirecta – ocorre num local diferente do qual ocorreu o traumatismo; Fractura que poderá ocorrer tanto na clavícula, na cabeça do rádio ou na sua extremidade distal – Fractura e Colles – quando se cai para para a frente sobre a palma da mão;
Muscular – devido a uma contracção violenta e súbita de um musculo; Fractura da rotula na contracção súbita e violenta e resistida do quadricipete ou do olecrânio;
Fracturas por fadiga, de stress ou por sobrecarga – Devido a solicitações mecânicas repetidas
Fracturas Patológicas – ocorre numa zona óssea previamente fragilizada por doença; Ocorre normalmente na sequência de um traumatismo banal; A causa pode ser uma doença geral ou local;
Segundo as Lesões das Partes Moles:

Fractura Simples – A fractura não contacta com o meio exterior, a pele está integra;
Fractura Exposta – Há contacto entre o exterior e os topos de fractura por laceração da pele e tecidos moles; O perigo de infecção é muito maior pois há contacto directo à fractura. O contacto com o exterior pode ser de dentro para fora, quando há penetração directa do agente traumático, ou de fora para dentro, quando a perfuração é feita pelos topos ósseos; As fracturas da tíbia é a zona mais frequente de fracturas expostas devido à sua localização anatómica, sem revestimento muscular significativo, especialmente na face antero-interna. (Proença, Adrião; 2006).
Fractura Complicada – quando há lesão de estruturas fundamentais como nervos, artérias, articulações ou vísceras.

Segundo os Traços da Fractura:

Fractura Completa – o traço de fractura divide completamente o osso em dois fragmentos. O traço pode ser transversal, obliquo ou espiral;
Fractura Incompleta – são fracturas características das crianças e ocorre pois os ossos nesta fase têm elasticidade que lhes permite partir de um lado e apenas “enrugar” do outro;
Fractura Cominutiva – quando a fractura tem mais de dois fragmentos;
Fractura por Compressão ou esmagamento – ocorre em ossos formados por tecido trabecular ou esponjoso, como os corpos vertebrais, o calcâneo, ou as epífises dos ossos longos;

Imagem 2: Classificação de fracturas

Formas clínicas de Fracturas da Tíbia:

Fracturas associadas da tíbia e peróneo – forma mais frequentes
Fractura isolada da diáfise tibial – forma menos frequente
Fractura bilateral – associada a traumatismos violentos (inferior a 5%)
Fracturas associadas da extremidade afectada (luxações tíbio-peroneais superiores;
fracturas da tibiotársica; lesões ligamentares do joelho; fracturas do fémur);

Mecanismo de Lesão:

Traumatismo de alta energia gerado por impacto directo que pode provocar fracturas transversas ou cominutivas, que frequentemente são expostas.
Traumatismo indirecto e de baixo impacto resultante da entorse do pé fixo no chão ou de queda de baixa altura que pode provocar um padrão de fractura espiral ou oblíquio.


Imagem 3 Mecanismo de lesão

Reabilitação:

A fase de reabilitação é a última fase no tratamento de fracturas. Uma reabilitação adequada é geralmente determinada pela análise de um conjunto de factores tais como edema, dor, mobilidade articular e força muscular, sendo o membro afectado comparado com o contra-lateral.
Segundo Hoppenfeld, Stanley e Murthy, Vasantha, 2001 as fases de reabilitação de fracturas da diáfise da tíbia e peróneo são divididas da seguinte forma:



Consolidação das Fracturas segundo Serra 2001:

Formação do hematoma – quando ocorre a fractura os vasos dos canais ósseos de vascularização (Havers) e vasos dos tecidos vizinhos são rompidos e sangram até o mecanismo da coagulação interromper a hemorragia;

Organização do hematoma – depois da primeira fase (algumas horas) os fibroblastos provenientes dos tecidos vizinhos começam a penetrar, acompanhados alguns dias depois por capilares em neoformação. Desta forma ocorre a organização do hematoma em tecido de granulação;

Formação do calo ósseo: - nesta os fibroblastos existentes no tecido de granulação sofrem metaplasia, transformando-se em colagenoglastos, condroblastos e mais tarde em osteoblastos. Este osso é ainda anárquico fabricado ao redor das fibras de colagéneo e das olhas de cartilagem – osso fibroso. Ao palpar sente-se uma massa nodular, um calo;

Consolidação por osso lamelar definitivo: o osso fibroso é substituído por osso definitivo, organizado em lamelas e osteões segundo linhas de transmissão mecânica das forças de carga a que o osso está sujeito (lei de Wolff, 1892). Para ocorrer esta união não pode haver movimento entre os topos ósseos;

Remodelação: ao contrário de todos os outros tecidos do corpo, o osso é capaz de fazer desaparecer as cicatrizes após lesão. De acordo com a orientação das linhas mecânicas da função o calo ósseo em excesso é removido e o osso reassume a sua forma normal;

Período de Consolidação:
Infância – calo visivel em cerca de 2 semanas e consolidação em 4 a 6 semanas
Adulto – varia entre os 3 e os 5 meses

Testes de consolidação:
Exames Radiológicos – evidência de calo ósseo visível unindo os fragmentos fracturados e continuidade das trabéculas ósseas;
Evidência Clínica - ausência de mobilidade anormal, ausência/diminuição de dor com aplicação de força no local da fractura.
No entanto factores como a idade, tipo e zona de fractura, grau de imobilização, infecções, interposição de tecidos moles, etc., são factores que condicionam a consolidação da fractura;

A velocidade de consolidação óssea em fracturas da tíbia depende do padrão da fractura e da extensão das lesões aos tecidos moles. A principal irrigação sanguínea para a diáfise ocorre por um ramo da artéria tibial posterior, que penetra postero-lateralmente.
Dependendo do tipo de fractura haverá um tempo diferente de consolidação:
Lesões fechadas com padrões de fractura estáveis são capazes de sustentar peso e consolidam-se mais rapidamente;
Lesões em espiral causam menor lesão no perióstio, que distribui a irrigação sanguínea, quando comparadas com fracturas de angulação que laceram transversalmente o periósteo, portando as fracturas espirais consolidam mais rápido;
Fracturas expostas exibem lesão muito mais significativa aos tecidos moles e frequentemente levam mais tempo para consolidar;


Complicações das Fracturas:

São complicações gerais das fracturas:
Consolidação Retardada – falha na consolidação de uma fractura no tempo adequadamente exigido (cerca de 6 meses), sendo a principal causa a imobilização não efectiva;
Consolidação Viciosa – quando existe uma consolidação com angulação ou deformidade;
Não consolidação – considera-se quando não há uma consolidação estável passados 6 meses, existindo mobilidade excessiva no local da fractura, criando uma pseudoartrose (falsa articulação);
Pseudoartrose – refere-se a situações em que quer pelo tempo decorrido, quer pelos achados radiológicos se considera não haver possível consolidação espontânea da fractura; (Serra, 2001)
Aspecto do RaioX – ausência de calo ou interrupção ao nível do foco, desaparecimento das irregularidade dos topos que tentem a arredondar-se; (Serra, 2001)

Causas – Infecção, persistência dos topos isquémicos, movimento excessivo entre os topos, deficiência de contacto, sobretudo distracção,
interposição de partes moles, má rigidez da fixação interna, doença subjacente nas fracturas patológicas; (Serra, 2001)
Lesão Vascular – quando a fractura se dá na zona média das diáfises dos ossos longos dos membros, por exemplo nas fracturas supracondilianas do úmero nas crianças e nas fracturas da tíbia e fémur próximo do joelho em qualquer idade,a lesão arterial directa pelos topos ósseos é relativamente frequente. Outra causa de lesão arterial é a hiperpressão pelo edema e hemorragia no interior de um compartimento muscular rodeado de fascia inextensível, denominado sindrome do compartimento. O aumento rápido da pressão colapsa os vasos impedindo o retorno venoso, aumentando assim o edema. (Serra, 2001)

Lesão dos Nervos:

A lesão nervosa primária ocorre no momento da fractura e podem-se considerar três graus:
Neuropraxia – lesão mínima que perturbou a função dos axónios e recupera em poucas semanas;
Axonotemese – lesão suficiente para destruir os axónios contudo as bainhas mantêm-se intactas. Os axónios degeneram porém a reconstrução dá-se a uma velocidade de cerca de 1mm por dia apartir do ponto de lesão;
Neurotemese – ruptura completa do tronco nervoso sem regeneração espontânea;
Lesão tardia por envolvimento do nervo no calo ósseo
Este tipo de lesão é raro e resulta normalmente do “aprisionamento” do nervo entre os topos ósseos logo no inicio da lesão. (Serra, 2001)
Desmineralização óssea;
Atrofia muscular;
Alterações neuro-musculares;
Rigidez articular;
Aderências ao nível dos tecidos moles;

Especificamente das fracturas da Diáfise da Tíbia as complicações mais frequentes são:

Atraso da consolidação
Pseudoartrose
Infecção
Consolidação viciosa





Imagem 4 Pseudoartrose


Diagnóstico da Fractura/Manifestações Clínicas:

Como em todo o tipo de lesão a História é muito importante. É importante que o Paciente descreva como ocorreu o traumatismo, pois através desta descrição pode-se correlacionar com a classificação acima descrita, como por exemplo, se não houve nenhum tipo de traumatismo ou foi um traumatismo de importância minor pode-se desconfiar de fractura patológica.
No caso das Fracturas da Tíbia e Peróneo as fracturas são facilmente reconhecidas pela inspecção uma vez que, na maioria das vezes, estão presentes todos os sinais e sintomas de uma factura.
A inspecção permite identificar o local do foco da fractura devido à facilidade de acedo devido à reduzida quantidade de tecidos moles na face anterior da perna. Os fenómenos isquémicos são raros – para que ocorram é necessário que todas as vias de irrigação sejam interrompidas (artéria nutritiva, vascularização endóstea e perióstica),
no entanto deve sempre comprovar-se o estado neurológico e vascular da extremidade, comprovando pulsos periféricos, mobilidade e sensibilidade da tibio-társica e dedos do pé.
Segundo Proença, Adriao,2006 há dor e impotência funcional, a deformidade angular é mais ou menos acentuada. A palpação é dolorosa, há hematoma e, eventualmente, lesões cutâneas.

Tratamento:

Tratamento de Emergência de Fracturas:

O tratamento de uma fractura inicia-se no primeiro contacto com o paciente. Nesta fase os principais objectivos são imobilização imediata para restaurar a vascularização e minimizar os movimentos das extremidades ponteagudas dos ossos fracturados. Isto deve evitar uma lesão adicional dos tecidos moles e diminui a dor.
Os primeiros cuidados dever ser supervisionados por um médico ou por um técnico experiente. Todas as partes do corpo devem ser palpadas para verificar ou não a sua integridade. Nesta fase o princiopio-guia é “a fractura causa dor” (Gradisar, Ivan Jr). Com o reconhecimento da fractura é necessário uma imobilização de emergência antes que o paciente seja transportado para um atendimento médico mais completo.

Tratamento Definitivo da Fractura:

A fase de tratamento da fractura pode iniciar-se com a escolha do tipo mais apropriado de imobilização para a fractura em questão. O processo de selecção pode ser influenciado por uma gama de variáveis, como a natureza da fractura, a localização, a preferência do médico e a habilidade no tratamento e as necessidades e preferência do paciente.

Redução Fechada

É o processo de alinhamento normal dos topos ósseos seguido de imobilização do membro com gesso; O gesso é o modo de imobilização mais utilizado pois é facilmente colocado e removido, é barato, não alergenico e não inflamável.

Redução Aberta:

É um processo de redução cirúrgico do foco de fractura para alinhar o osso fracturado;
Indicações:
Impossibilidade de obter a redução por manipulação fechada;
Impossibilidade de manter a redução devido à instabilidade da fractura;

Métodos de Fixação: (Serra, 2001)
Diáfises dos ossos longos:
Placa de compressão óssea (placas e parafusos);
Vareta endomedular simples;
Vareta endomedular com parafusos (fracturas cominutivas);
Fixadores Externos (fracturas expostas);
Parafusos ou ansas em arame;
Extremidade dos ossos longos – usam-se elementos diversos mais leves:
Fios metálicos reforçados por ansas de arame ou placas rectas ligeiras;
Placas de forma ou moldagem apropriadas;
Parafusos isolados;

Especificamente em relação às Fracturas da Diáfise da Tíbia existe certa controvérsia quanto ao que seria uma redução aceitável:

Aposição de 50% ou mais do diâmetro do osso nas incidências anteroposteriores e de perfil;
O máximo de 5º de angulação em varo ou valgo;
5º de angulação no plano anteroposterior;
10º de rotação;
1 cm de encurtamento;

É importante que a consolidação se dê numa posição aceitável pois caso contrario vai afectar a mecânica das articulações do joelho e tíbio-társica o que poderá levar a fenómenos degenerativos precoces.
Nas Fracturas da tíbia e peróneo a redução pode ser conseguida de muitas formas:
Redução fechada -conseguida sob anestesia geral (se necessário) e o membro do paciente é imobilizado num aparelho gessado cruropodálico sem sustentação de peso;

Redução Aberta

Tracção esquelética por um pino transfixante no calcâneo raramente é usada, embora seja aceite e utilizada nos paciente politraumatizados;
Fixador externo é útil para fracturas expostas pois possibilita a fixação rígida e acesso à ferida;





Imagem 5 Fixação externa

Haste intra-medular – tratamento de eleição para fracturas com desvio mais amplo; existe divergência quanto ao uso de hastes fresadas ou não-fresadas como tratamento de fracturas expostas;






Imagem 6 Haste intra medular e placa e parafusos como fixação.

Parafusos e placas – exige uma incisão no local da fractura e impõe lesão ampla dos tecidos moles, acarretando desvascularização óssea e aumento do risco de infecção e demora na consolidação; são utilizadas em crianças politraumatizadas e raramente em adultos(Skinner, Harry B., 2003), em casos de pseudoartrose da tíbia (Hoppenfeld, Stanley, Murthy, Vasantha, 2001). Nos casos de fracturas cominutivas, obliquas ou espirais, este método, segundo Serra, 2001, é o mais indicado pois são fracturas instáveis e muitas vezes em zonas próximas da extremidade do osso e apenas assim é possível o máximo alinhamento ósseo. No entanto, hoje em dia, raramente são utilizadas devido ao risco de ocorrência de ocorrência do ciclo:






Imagem 7 Ciclo de evolução de uma pseudoartrose

Reabilitação:

A fase de reabilitação é a última fase no tratamento de fracturas. Uma reabilitação adequada é geralmente determinada pela análise de um conjunto de factores tais como edema, dor, mobilidade articular e força muscular, sendo o membro afectado comparado com o contra-lateral.
Segundo Hoppenfeld, Stanley e Murthy, Vasantha, 2001 as fases de reabilitação de fracturas da diáfise da tíbia e peróneo são divididas da seguinte forma:


Primeiro dia até uma semana
Amplitudes de movimento:
Fractura com fixação rígida
Mobilização activa das articulações metatarsofalangicas e do joelho
Fracturas não rigidamente fixadas
Mobilização das metatarsofalangicas;
Força Muscular
Não executar exercícios de fortalecimento para o tornozelo e pé, no estando realizar exercícios isométricos do quadricipede

 

Sustentação de Peso
Nenhuma
 
Primeiro dia até uma semana
Amplitudes de movimento:
Fractura com fixação rígida
Mobilização activa das articulações metatarsofalangicas e do joelho
Fracturas não rigidamente fixadas
Mobilização das metatarsofalangicas;
Força Muscular
Não executar exercícios de fortalecimento para o tornozelo e pé, no estando realizar exercícios isométricos do quadricipede

Duas Semanas
Amplitudes de movimento:
Manter os mesmo exercícios, contudo se o paciente não estiver com tala ou o aparelho gessado seja bivalvado o paciente poderá realizar movimentos activos do tornozelo
Força Muscular
Fractura com fixação rígida
Exercícios isométricos para flexores dorsais e flexores plantares;
Fracturas não rigidamente fixadas
Manter os exercícios resistidos do quadricipede;
Sustentação de Peso
Nenhuma;
Quatro a Seis Semanas:

Amplitudes de movimento
Fractura com fixação rígida
Mobilização activa do tornozelo, metatarsofalangicas e joelho:
Fracturas não rigidamente fixadas
Mobilização activa das articulações metatarsofalangicas, tornozelo, pé dentro do que permitam os aparelhos de imobilização;
Força Muscular
Fractura com fixação rígida
Exercícios isométricos dos flexores dorsais e flexores plantares e continuar o fortalecimento do quadricipede;
Fracturas não rigidamente fixadas
Exercícios isométricos leves para os flexores dorsais e extensores longos dos dedos e continuação do fortalecimento do quadricipede
Sustentação de Peso
Nenhum
Seis a Oito Semanas:

Amplitudes de movimento:
Fractura com fixação rígida
Iniciar exercícios em todos os planos da articulação do tornozelo e sub-astragalina
Fracturas não rigidamente fixadas
Continuar com os exercícios anteriores e iniciar exercícios de mobilização do tornozelo e joelho dentro do que permitam os aparelhos de imobilização
Força Muscular
Fractura com fixação rígida
Continuar com os mesmos exercícios
Fracturas não rigidamente fixadas
Continuar com os mesmos exercícios;
Sustentação de Peso
Nenhuma para fracturas que não apresentem evidência de consolidação;
Sustentação parcial para fracturas que não demonstrem sensibilidade à palpação e que nos Raio X pareçam estáveis;
Oito ás Doze Semanas
Amplitudes de movimento:
Fractura com fixação rígida
Exercícios contra-resistência em todos os planos do tornozelo e articulação sub-astragalina
Fracturas não rigidamente fixadas
Iniciar exercícios de mobilização passivos, activos-assistidos e activos para o tornozelo e articulação sub-astragalina;
Força Muscular
Fractura com fixação rígida
Continuar com os mesmos exercícios com maior resistência e iniciar reforço dos eversores e inversores;
Fracturas não rigidamente fixadas
Iniciar exercícios isotónicos resistidos de acordo com o feed-back do paciente

Sustentação de Peso
Sustentação de peso por contacto dos dedos do pé, até sustentação total do peso, conforme a tolerância do paciente; 
 
De uma forma geral, na recuperação de uma fractura é importante estipular objectivos para uma fase mais inicial e uma fase mais tardia.
Numa Fase Inicial de imobilização restrita, o é importante reduzir o edema, manter a amplitude articular e força muscular, evitar perda de esquemas motores e proprioceptivo e aconselhar o paciente. Para atingir esses objectivos pode-se realizar mobilização activa das articulações adjacentes, que auxilia na drenagem do edema devido às contracções musculares, elevação, mobilização passiva ou activa-assistida caso o tipo de imobilização permita e massagem.
Numa fase posterior, de imobilização relativa os objectivos passam ainda por diminuir os sinais inflamatórios, melhorar as amplitudes, fortalecimento muscular progressivo (de distal para próximal ao foco da fractura) e melhorar esquemas motores e. A mobilização activa evoluindo para resistida, o alongamento, a aplicação de termoterapia (como turbilhão), a massagem, treino proprioceptivo, podem ser técnicas utilizadas para alcançar esses objectivos.
Numa última fase, após o individuo retirar a imobilização os objectivos passam a ser eliminar sinais inflamatórios, adquirir os finais de amplitude, fortalecimento muscular progressivo, normalizar esquemas motores e proprioceptivos e proporcionar o regresso ás actividades normais do individuo.
No final a decisão quanto ao momento de retorno às actividades é tomada gradualmente de acordo com a recuperação da força muscular e amplitude articular, no entanto esta decisão é tomada pelo ortopedista. Também a opinião do paciente quanto ao momento de retorno ás actividades é importante e depende geralmente do seu nível de confiança.

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