Pesquisar neste blogue

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Lesão do ligamento cruzado anterior (LCA)

Anatomia e biomecânica do ligamento cruzado anterior

Os ligamentos cruzados são estruturas ligadas a estabilidade do joelho e estão localizados no centro da articulação. O ligamento cruzado anterior (LCA) assim como o posterior (LCP), são extra sinoviais, apesar de intra-articulares. Eles recebem esta denominação de acordo com sua inserção tibial, e  por se cruzarem no centro do joelho.

Fig.1 Visão intra articular do joelho

O ligamento cruzado anterior insere-se inferiormente na superfície pré-espinal da tíbia e dirige-se para cima, para trás e para fora fixando-se na face interna do côndilo femoral externo.
As bandas do LCA são constituídas por fibras de colágeno, multifasciculares e paralelas, que se encontram em diferentes graus de tensão conforme o grau de flexão/extensão do joelho. Com o joelho em extensão, as fibras estão paralelas; com o joelho em flexão as fibras anteriores cruzam sobre as fibras posteriores.






Fig.2 Bandas do LCA em flexão e extensão do joelho


O ligamento cruzado anterior tem em média um comprimento de 38mm e uma espessura de 11mm, que varia na sua extensão, sendo maior na porção mais distal.
Diversos estudos mostram estruturas mecano-receptoras no interior do ligamento, como corpúsculos de Golgi, que estão alinhados com as fibras de colagénio. A irrigação dos ligamentos cruzados está dependente da artéria genicular média assim como da bola  de gordura anterior e a sua intrínseca ligação com a membrana sinovial que o envolve. A inervação provem do plexo poplíteo, que se origina principalmente do nervo tibial posterior.
O LCA é um restritor primário do joelho e a sua principal função é impedir a translação anterior da tíbia em relação ao fémur, contribuindo assim de forma decisiva para uma maior estabilização do joelho. Actua também, secundariamente na restrinção da rotação tibial e em menor grau na angulação varo-valgo quando o joelho está em extensão, o que não ocorre na flexão. O LCA não possui acção na restrinção da translação posterior da tíbia.
Anatomicamente, o LCA  é dividido em duas bandas: a banda antero-medial que está tensa em flexão e a banda póstero-lateral que está tensa em extensão.
Em 1917 Strausser,  descreveu um sistema de quatro barras do joelho formado pelos: LCA, LCP, fémur e tíbia, que ainda hoje é utilizado para explicar os princípios da cinemática da flexão-extensão do joelho e a interação dos ligamentos cruzados com a  geometria óssea. As quatro barras representam as conexões formadas pelas  inserções tibiais  e femorais dos ligamentos cruzados: anterior  (A - B ) e posterior (C – D ) e pelas suas fibras neutras hipoteticamente isométricas, isto é,  fibras que não alteram ou quase não alteram seu  comprimento durante o movimento de flexão–extensão. No LCA  essas fibras são  mais anteriores e no LCP mais posteriores.






Fig.3 Modelo de 4 barras de Strausser

O LCA  é submetido a carga durante todo arco de flexão-extensão do joelho, resistindo às forças que anteriorizam a tíbia  em relação ao fêmur ,e em menor grau,  às forças e momentos que causam rotação tibial e abdução durante a flexão do joelho. Para isto, diferentes fibras são recrutadas conforme o joelho se move.
O LCA apresenta propriedades viscoelásticas que o permite  dissipar a energia, ajustar seu comprimento e distribuir a carga aplicada.
A resistência do LCA varia conforme a idade.  Uma análise da resistência do LCA em grupos de idades diferentes  verificou  que  o grupo mais jovem (20 a 35 anos) apresentou resistência 50% maior que o  2º grupo (40 a 50anos) e três vezes maior que o terceiro grupo (60 a 97 anos). O LCA suporta carga de aproximadamente 2500N  em adultos jovens e em atividades diárias recebe carga de somente 20% do seu limite de resistência máxima. No entanto, as propriedades mecânicas do ligamento, tanto na sua substância como nas suas inserções aumentam com a prática de exercício físico,  gerando,  um aumento de 20% no seu limite de resistência e 10% no seu limite de elasticidade.


Fig. 4 Mecanismo de lesão do Ligamento cruzado anterior
A lesao do LCA pode acontecer por trauma directo ou indirecto. Em cerca de 85% dos casos acontece no contexto da prática de actividade desportiva. É uma lesão frequente, invalidante e evolutiva.

Os mecanismos de lesão mais frequentes são:

  • Um traumatismo que leva o fémur posteriormente quando o joelho se encontra a 90º de flexão e a tíbia fixa;

  • Na hiper flexão forçada do joelho;

  • Na flexão, a lesão ocorre no joelho flectido acompanhado de rotação externa de tíbia sobre o fémur, outro mecanismo é uma força anteriormente dirigida e aplicada sobre a região posterior da tíbia proximal, isto pode ocorrer quando o joelho está em flexão, ou em completa extensão;

  • Na hiper extensão forçada do joelho a lesão pode ocorrer com ou sem rotação da tíbia;

  • Contracções fortes dos quadrícipetes com o joelho em extensão;

Existem vários níveis de lesões ligamentares, dependendo do mecanismo de acção sofrido pela articulação, quando é aplicada uma força superior à amplitude normal do movimento excessivo da articulação, com lesão do tecido, denominado distensão. Esta pode ir desde uma ruptura completa, podendo ou não ter avulsão do fragmento ósseo ao qual está inserido, até ruptura de apenas algumas fibras sem perda da integridade do ligamento.
É preciso determinar o grau da lesão ligamentar a fim de proceder a um tratamento adequado. A classificação e graduação das lesões ligamentares baseiam-se no número de filamentos rompidos e na instabilidade articular. Segundo Rodrigues, quanto aos graus de lesões, podem ser classificadas da seguinte forma:

  • Grau I: lesão do tipo leve, onde existe edema e sensibilidade local, com rompimento de alguns ligamentos sem perda funcional;

  • Grau II: lesão do tipo moderada, onde grande parte dos ligamentos encontram-se rompidos seguido de instabilidade na articulação, não demonstrando perda completa da integridade do ligamento;

  • Grau III: lesão do tipo grave, havendo rompimento completo dos ligamentos.

Normalmente quando acontece esta lesão o paciente sente um “estalo” no joelho e uma sensação de deslocamento. A dor tem um carácter variável, que é explicado pelo edema que tenciona a cápsula articular.

O diagnóstico baseia-se na história e exame clínico do joelho, no caso de situações muito agudas o exame é realizado de maneira a evitar dor. A punção articular com presença de sangue (hemartrose) é indicativa de uma ruptura ligamentar.
É esperado um flexum do joelho e o teste Lachman positivo, teste este que consiste em avaliar a quantidade de deslizamento da tíbia anteriormente sobre o fémur e é avaliada a 20º de flexão do joelho. Este teste tem-se apresentado de maior fidelidade do que o da gaveta anterior uma vez que este ultimo colocava em tensão também o ligamento colateral medial, adulterando assim os resultados.





Fig.5 Teste de Lachman



Outro teste para despiste de ruptura é o de rotação do pivot lateral (Pivot-Shift), quando há deficiência do ligamento cruzado anterior frequentemente descreve-se um falseio ou sensação de deslize que ocorre quando o indivíduo se vira sobre o joelho ou quando se para de repente durante uma corrida, sendo estes sintomas denominados como desvio de pivot.





Fig.6 Teste de rotação do pivot lateral (Pivot-Shift)



Exames complementares

As radiografias simples são necessárias pois podem mostrar a presença de lesões ósseas (espinhais tibiais, côndilo externo). A radiografia de frente do joelho pode mostrar a fractura de Segond, patognomónica de uma lesão do LCA. As radiografias activas (Lachman radiológico) são utilizadas na pesquisa de instabilidade. A ressonância magnética, normalmente, é o exame mais confiável para detecção da ruptura do LCA e lesões meniscais. O exame poderá ser também realizado por via artroscópica.

Tratamento conservador

O tratamento conservador normalmente é recomendado a pacientes mais idosos, sem aspirações a praticar desportos que facilitem o surgimento da dor, edemas e falseios. O principal objectivo deste tratamento é dar estabilidade dinâmica ao joelho através do reforço muscular.
A nível da fisioterapia é utilizado o uso de compressão e gelo associado, ou não, a analgésicos e ou anti-inflamatórios, exercícios de flexão/extensão e alongamento, visando aumentar o arco de movimento e exercícios de reforço muscular.
As grandes sequelas de um tratamento conservador incorrecto, ou a ausência de tratamento desta patologia são: as lesões dos meniscos, as alterações degenerativas, as lesões de cartilagem e a osteoartrite.


Tratamento cirúrgico


O tratamento cirúrgico é o mais indiciado para pacientes jovens e pacientes com grande mobilidade como é o caso de desportistas. É o tratamento mais eficaz para tratamento de rupturas do LCA.
Existem diversas técnicas de cirurgia para correcção deste problema, desde reparos directos suturando o ligamento a enxertos autólogos e homólogos.

Sutura do ligamento


A evolução da medicina cirúrgica ligamentar provou que a sutura do LCA dá maus resultados, uma vez que como o ligamento tem pouca vascularizaçao, necessitando assim, de um período de imobilização e restrição no apoio demasiado longo.

Enxertos homólogos

Os enxertos biológicos homólogos, obtidos de cadáveres humanos, são ainda pouco utilizados, devido à baixa disponibilidade e ao custo elevado do seu procedimento. As grandes vantagens deste tipo de técnica cirurgica é a de não necessitar de incisões para obtenção do enxerto, evitando desta forma a morbidade da área doadora, encurtando o tempo cirúrgico e diminuindo a dor pós-operatória, no entanto, apresentam um potencial de resposta imunogénica e de transmissão de doenças (embora baixo). Os enxertos homólogos mais utilizados são o ligamento rotuliano, o tendão de Aquiles, os tendões flexores (semitendíneo e gracilis) e o tendão quadricipital.

 Enxertos Autólogos

A intervenção cirúrgica mais utilizada e mais bem sucedida para a lesão do LCA é a reconstrução intra-articular por via artroscopia, através de enxertos autólogos. Os enxertos autólogos mais utilizados na actualidade são, o terço médio do ligamento (tendão) rotuliano, os tendões dos músculos isquiotibiais (semitendinoso e gracil) e o tendão quadricipital.

Ligamento rotuliano


Num passado, não muito distante, a grande maioria dos ortopedistas envolvidos na cirurgia do joelho dava preferência à utilização do enxerto retirado do terço central do ligamento rotuliano com 8 a 11 mm de largura, junto com um fragmento ósseo de 20 a 25 mm de comprimento, da rótula e da tuberosidade anterior da tíbia. A sua vantagem era possibilitar uma fixação mais rígida, através de parafusos de interferência, e a sua incorporação dáva-se através da consolidação dos fragmentos ósseos do enxerto com o tecido ósseo do túnel femoral e tibial. As grandes desvantagens desta técnica referem-se principalmente à morbidade da área doadora, o enfraquecimento, do ligamento rotuliano e o tempo de recuperação. Está indicado para adultos jovens, principalmente do sexo masculino, com participação em desportos de alta solicitação do joelho.




Fig. 7 Ligamentoplastias OTO

















 


Tendões dos Isquio-tibiais


Os tendões dos músculos semitendinoso e gracil têm vindo a ser utilizados com maior frequência que no passado, por apresentarem uma morbidade menor em relação à área doadora, um resultado estético melhor e um tempo de recuperação menor. A sua resistência é semelhante ou superior à do ligamento rotuliano e os resultados obtidos com os dois enxertos são muito parecidos.
 
Podemos colocar apenas o tendão do semitendinoso dobrado em três (triplo semitendinoso), ou os dois tendões dobrados em dois (enxerto quádruplo). As extremidades distal e proximal dos tendões são suturadas com fios inabsorvíveis resistentes imitando a costura de uma bola de baseball e estes fios servem como guias para o enxerto e podem ser utilizados para fixá-lo ao osso.






Fig.8 Tendão do semitendinoso

A cicatrização ocorre entre tecido mole e tecido ósseo do túnel, inicia-se em 6 semanas e após 30 a 52 semanas apresenta a sua estrutura histológica semelhante à da inserção original do LCA.
Existem inúmeros métodos de fixação destes enxertos nos túneis ósseos, como fios inabsorvíveis amarrados em parafusos e arruelas, parafusos de interferência de partes moles, pequenas placas (Endobutton), parafusos transósseos, etc... Cada método apresenta as suas vantagens e desvantagens, e geralmente tem um custo elevado.

Esta técnica está indicada para adolescentes com placa de crescimento aberta, mulheres, adultos mais idosos e pacientes envolvidos em atividades desportivas.



Fig 8 Recolha do Tendão semitendinoso

Esta técnica é a usada para pacientes  jovens e desportistas, aumentando assim os prognósticos para uma recuperação rápida e eficaz.



Tendão Quadricipital

O enxerto retirado do tendão quadricipital é uma boa alternativa para as cirurgias de reconstrução de múltiplos ligamentos e nas cirurgias de revisão. Este é retirado do tendão do recto anterior e vasto intermédio, juntamente com um fragmento ósseo de 20 a 25 mm da rótula. Deve existir um cuidado especial na sua retirada para não se abrir a bolsa suprapatelar, que se ocorrer pode permitir extravasamento do líquido de infusão da artroscopia, dificultando assim a sua realização. A fixação da extremidade óssea é semelhante à utilizada para fixação do ligamento rotuliano, e a extremidade tendinosa deve ser suturada como no caso do tendão dos isquio-tibiais e os fios amarrados em parafuso cortical com arruela, ou fixada com parafuso de interferência de partes moles ou absorvível. Os defensores da sua utilização rotineira afirmam que sua inserção na rótula é mais resistente que a do ligamento rotuliano, por se fazer em toda a espessura do bloco ósseo e não apenas na superfície anterior da rótula.
 

Sem comentários:

Enviar um comentário

Gostou do meu Blog? Envie a sua opinião para lmbgouveia@gmail.com