Autor: Francisco Humberto de Abreu Maffei*
* Professor titular de Cirurgia Vascular, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista.
No presente número do Jornal Vascular Brasileiro, são apresentados dois artigos sobre oxigenoterapia hiperbárica (OHB): uma revisão sobre sua utilização em gangrena gasosa clostridiana e na fasciite necrotizante e a apresentação de três casos de afecções arteriais em que o método foi utilizado como terapia auxiliar.
Embora utilizada desde os anos 60 do século passado, para diferentes afecções1, com base no aumento da oxigenação dos tecidos pelo aumento do oxigênio dissolvido no plasma quando o mesmo é respirado em condições de pressão elevada, o uso expandido da OHB é, ainda hoje, motivo de controvérsias. Apesar de existir um grande número de artigos publicados sobre o assunto, (são mais de 300 páginas de referências na Medline), a maioria dos trabalhos realizados resume-se a descrições de casos e ensaios clínicos não controlados ou com controles inadequados2, o que fornece pouca evidência para sua indicação em diferentes situações clínicas.
Embora não existam trabalhos randomizados, em situações graves, como as de gangrena gasosa e fasciite necrotizante, o seguimento de casos comparados com controles históricos, como os citados na revisão de Lima et al., podem justificar plenamente o uso da OHB, quando disponível, desde que esse uso seja feito após o primeiro tratamento indispensável com fasciotomias e amplos debridamentos de tecidos, associados a antibioticoterapia. Entretanto, em outras situações também graves e agudas, como no acidente vascular encefálico e em lesões cerebrais, em que a OHB poderia parecer de primeira indicação, estudos controlados e metanálises acabaram mostrando que não só esse tratamento é ineficiente como pode ser prejudicial3,4.
Nas lesões isquêmicas crônicas, como as descritas por Costa Val et al., o uso é muito mais controverso e, embora o artigo ora apresentado seja interessante por chamar a atenção para uma possível terapêutica auxiliar, a validade de sua utilização e a relação custo-benefício necessitam ser examinados com muito cuidado. Por exemplo, certamente, todos angiologistas e cirurgiões vasculares lembram de casos similares aos descritos no artigo e que, ao serem tratados, mesmo apenas clinicamente, sem o auxílio da OHB, tiveram evolução semelhante. Por essa razão, para validar essa terapia, mesmo que utilizada apenas como método complementar, como indicam os autores, trabalhos controlados devem ser realizados, para sabermos se existe realmente um efeito terapêutico, principalmente quando o paciente é submetido, além de todos os curativos e medicamentos convencionais, a um procedimento tão espetaculoso, como a colocação em uma câmara hiperbárica.
Numa revisão sistemática recente da literatura sobre o uso da OHB para o tratamento de feridas, Wang et al.2 concluem que, embora esse tratamento possa ser útil para algumas lesões, não existe evidência suficiente para indicar quais os pacientes que dela se beneficiarão e qual o momento adequado para início do tratamento.
Chamam também a atenção para o fato de que sérios eventos adversos podem ocorrer e que ensaios clínicos randomizados e controlados de alta qualidade devem ser realizados para avaliar os riscos e benefícios, a curto e longo prazo, permitindo, assim, uma decisão clínica mais adequada.
Dessa maneira, ainda que seja um método terapêutico atraente, até o momento não existe, em nossa opinião, evidência suficiente para, por exemplo, justificar a aquisição de uma câmara hiperbárica para uso em pacientes vasculares. Justifica-se sim, para os colegas que disponham desse equipamento, a realização de ensaios clínicos bem planejados e conduzidos, cujos resultados possam confirmar, ou não, a validade de sua utilização.
Referências
1- Kindwall EP. Hyperbaric oxygen. Br Med J 1993;307:515-16.
2. Wang C, Schwaitzberg S, Berline E, Zarin DA, Lau J. Hyperbaric oxygen for treating wounds: a systematic review of the literature. Arch Surg 2003;138:272-9.
3. Alternative Therapy Evaluation Committee for the Insurance Corporation of British Columbia. A review of the scientific evidence on the treatment of traumatic brain injuries and strokes with hyperbaric oxygen. Brain Inj 2003;17:225-36.
4. Rusyniak DE, Kirk MA, May JD, et al. Hyperbaric oxygen therapy in acute ischemic stroke: results of the hyperbaric oxygen in acute ischemic stroke trial pilot study. Stroke 2003;34:571-4.
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