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domingo, 20 de fevereiro de 2011

Medicina Hiperbárica

Origens da Medicina Hiperbárica

A origem da medicina hiperbárica relaciona-se com a exploração do ambiente subaquático.
Historicamente, ocorreram progressivas tentativas de superar as limitações do meio aquático, com o uso de equipamentos que permitissem aumentar o tempo de imersão ou profundidade atingida.
Devido a patologias relacionadas com ambiente subaquático ou pressurizado, tornou-se necessária a intervenção de médicos e pesquisadores. É marco histórico, o trabalho do fisiologista francês Paul Bert, que em 1876 publicou a obra "A Pressão Barométrica", origem da fisiologia hiperbárica e base da medicina hiperbárica moderna.
O trabalho de Paul Bert criou a área médica dedicada ao estudo das alterações fisiológicas e metabólicas do organismo exposto a pressões superiores à pressão atmosférica e sistematizou a oxigenoterapia hiperbárica, utilizando a inalação de oxigênio puro em ambiente pressurizado.
O Professor Álvaro Ozório de Almeida (1882-1952), brasileiro, é considerado pioneiro mundial do uso da hiperóxia hiperbárica, tendo realizado na década de 1930 trabalhos clínicos e experimentais, sobre a aplicação da oxigenoterapia hiperbárica na gangrena gasosa e lepra lepromatosa .
A medicina hiperbárica está subdividida em duas áreas:
Uma delas é dedicada à atividade profissional e saúde ocupacional de mergulhadores (mergulho de saturação), aeronautas e trabalhadores sob ar-comprimido, portanto ligada à medicina do trabalho.
A outra área da medicina hiperbárica está voltada à aplicação clínica da oxigenoterapia hiperbárica em ambiente hospitalar.

Câmara Hiperbárica  
Não se caracteriza como oxigenoterapia hiperbárica (OHB) a inalação de oxigênio a 100% na respiração espontânea ou por meio de respiradores mecânicos na pressão ambiente. Da mesma forma, o tratamento utilizando bolsas ou tendas, ainda que pressurizadas, não pode ser considerado terapia hiperbárica, estando o assistido em pressão ambiente.
No procedimento da OHB o cliente deve estar no interior da câmara hiperbárica pressurizada.
As câmaras de OHB podem ser monocliente ou multiclientes.
A câmara multicliente comporta, de forma simultânea, várias pessoas, inclusive o médico e/ou enfermeiro especializado.
O mecanismo de pressurização e despressurização é realizado com ar comprimido e o oxigênio a 100% é inspirado por meio de máscara ou capuz especial.
As câmaras monoclientes permitem a acomodação de apenas um cliente, é pressurizada pelo oxigênio puro, não havendo necessidade de dispositivos especiais para a inspiração do O2.
Há limites pré-estabelecidos de exposição à OHB, referentes ao nível de pressão e período de permanência no interior da câmara, pois poderão ocorrer efeitos colaterais indesejáveis, envolvendo determinadas regiões e órgãos do corpo.
Antes de iniciar a oxigenoterapia hiperbárica, o cliente deverá ser submetido à anamnese e exame clínico completo, com particular atenção aos pulmões e membrana timpânica.
O paciente deverá ser informado sobre todas as medidas de segurança, tais como: utilização de vestimenta adequada (antifogo) e espoliar-se de qualquer objeto de uso pessoal que possa originar fagulha elétrica, pois o oxigênio é altamente inflamável.           

Princípios Físicos
A atmosfera consiste em uma mistura gasosa, contendo em volume 20,94% de oxigênio, 78,08% de nitrogênio, cerca de 0,04% de dióxido de carbono e traços de gases, como argônio, hélio e criptônio.
O ar que respiramos, portanto, em termos práticos, é composto por 21% de oxigênio e 79% de nitrogênio.

Conceitos sobre o uso de Oxigênio Hiperbárico
O tratamento da OHB tem por fator primordial o aumento da tensão de oxigênio nos líquidos corporais.
A OHB provoca aumento de substrato livre disponível, ou seja, aumento da produção de radicais ativados. Vários tecidos são mais suscetíveis a lesões oxidativas, podendo provocar disfunções evidentes indesejadas. Além da ação tóxica pulmonar do O2, cujos efeitos crônicos ou subagudos são bem conhecidos, o sistema nervoso central pode apresentar alterações importantes e agudas.
Paul Bert, em 1878, descreveu a ação neurotóxica aguda do O2, que apresenta as fases prodrômica e convulsiva. Na primeira fase (prodrômica) o assistido manifesta desconforto e sintomas neuropsicomotores, já, na fase convulsiva surgem contrações tônico-clônicas e perda de consciência, assemelhando-se à crise epilética clássica.
A OHB pode provocar alteração pulmonar, em razão das altas tensões de oxigênio as quais o pulmão é submetido, pois quanto maior a pressão deste gás no pulmão, maior quantidade de O2 será absorvida pelo sangue e dissolvida nos líquidos corpóreos.
Diante desses efeitos secundários da oxigenoterapia hiperbárica, há limites pré-estabelecidos de exposição a essa terapia, referentes ao nível de pressão e período de permanência no interior da câmara.

Efeitos Mecânicos da OHB no organismo
Os efeitos mecânicos do aumento da pressão atmosférica absoluta durante o procedimento da OHB podem corresponder a barotraumas das cavidades preenchidas por ar, tais como pulmão, ouvido médio e seios da face.
1. Barotrauma do ouvido médio:
O ouvido médio está sujeito às variações de pressão barométrica do ambiente, podendo provocar inclusive a ruptura da membrana timpânica.
Para evitar esse problema, o paciente a ser submetido ao tratamento de oxigenoterapia hiperbárica é orientado a realizar a "manobra de Valsalva", que promove equalização da diferença de pressão entre o meio externo (câmara hiperbárica) e o ouvido interno.
A manobra, descrita pelo fisiologista italiano Valsalva, consiste no ato do paciente provocar o mecanismo de expiração, mantendo a boca fechada e nariz tapado como os dedos, assim, o ar, que deveria ser expirado, passa através da trompa de Eustáquio para o ouvido interno.
2. Barotrauma Sinusal:
Os seios da face comunicam-se por meio de canais membranosos com a nasofaringe.
Quando os canais membranosos estão obstruídos por secreção, a equalização fisiológica entre as pressões interna e externa poderá ser dificultada, podendo causar dor local e hemorragia.
3. Barotrauma Pulmonar:
Alguns desses tecidos são sensíveis à variação de pressão atmosférica durante o procedimento de OHB, podendo ocorrer sangramento e enfisema durante a exposição hiperbárica excessiva.
4. Embolia Traumática Causada pelo Ar:
Durante as sessões de OHB, o paciente dentro da câmara hiperbárica deve inspirar o ar na mesma pressão do ambiente, permitindo a expansão da cavidade torácica e pulmões durante o ato respiratório.
Caso o assistido inspire o oxigênio hiperbárico e retenha a respiração em apnéia e, acidentalmente, ocorra rápida despressurização da câmara hiperbárica, o pulmão, pela diminuição da pressão externa, ficará submetido à expansão súbita, que provoca aumento de sua pressão interna pulmonar e ruptura alveolar (barotrauma pulmonar).
Nessa hipótese, a ruptura dos alvéolos pulmonares pode provocar:
a) pneumotórax: entrada de ar no espaço pleural;
b) pneumomediastino: entrada de ar no mediastino, membrana que reveste o coração;
c) enfisema subcutâneo: presença de ar no subcutâneo do tórax ou pescoço.
Esse acidente é denominado embolia traumática provocada pelo ar (ETA).

Efeitos fisiológicos e metabólicos
1 - Alterações Hemodinâmicas
A hiperóxia hiperbárica tem efeito vasoconstritor peculiar na maioria dos tecidos.
Ocorre vasoconstrição generalizada, sendo exceção a circulação pulmonar, uma vez que a hiperóxia hiperbárica provoca vasodilatação pulmonar.
A vasoconstrição prevalece em maior ou menor grau conforme o tipo de tecido, provocando aumento da resistência vascular periférica e deslocando a volemia sangüínea para os vasos de capacitância, diminuindo, assim, o retorno venoso.
A hiperóxia induz à diminuição da freqüência cardíaca.
A combinação desses efeitos reduz o débito cardíaco, em aproximadamente 20 a 30%.
Embora a resistência vascular periférica aumente com o procedimento da oxigenoterapia hiperbárica, a pressão arterial é mantida, devido à diminuição proporcional do débito cardíaco.

2 - Alterações Neuro-Endócrinas
A hiperóxia hiperbárica ativa a formação reticular do SNC, com manifestações ascendente e descendente.
A manifestação descendente se relaciona a maior excitabilidade medular, provocando aumento do tônus muscular.
A ativação ascendente da formação reticular provoca alterações endócrinas, através do eixo hipotálamo-hipófisário, com liberação de hormônio adeno-córtico-trófico (ACTH), levando ao aumento de corticóides adrenais e, por meio da estimulação direta do córtex adrenal, também da epinefrina.
Normalmente, a aplicação da OHB, com rigor terapêutico, exige atenção clínica sobre essas alterações  apenas em pacientes suscetíveis.

3 - Alterações Metabólicas
A maior concentração de oxigênio, proporcionada pela hiperóxia hiperbárica, aumenta a formação de radicais ativados de O2, estimulando as reações oxidativas e sistemas antioxidantes.

Efeito microbicida e microbiostático
Condições patológicas diversas podem diminuir a tensão de oxigênio no local afetado.
O desenvolvimento bacteriano é favorecido pela hipóxia ou anaerobiose.
A hiperóxia hiperbárica favorece a ação bacteriostática, alterando, por exemplo, a biossíntese de aminoácidos, difusão da membrana e síntese e degradação de DNA das bactérias.
A sensibilidade bacteriana em relação à tensão de oxigênio é variável, sendo mais evidente nas bactérias anaeróbicas.

A Medicina Hiperbárica é o ramo da medicina responsável pelo estudo e implementação das normas técnicas e de segurança em ambientes pressurizados, aplicados para o tratamento das patologias causadas pelas variações de pressão sobre o organismo humano. É também responsável pelo estudo e estabelecimento de protocolos de tratamento para todas aquelas patologias para as quais o oxigênio sob pressão tem a função de potente ferramenta auxiliar de tratamento.

Para tanto, utilizamos as chamadas câmaras hiperbáricas.

Câmara Hiperbárica:
São equipamentos de paredes sólidas, com janelas que permitem a visualização do que está acontecendo dentro e fora do equipamento, no qual o paciente entra para se tratar respirando oxigênio puro (a 100%), sob uma pressão correspondente a aproximadamente 10 a 20 metros de profundidade no mar. Dentro desse equipamento o paciente está em constante contato com a equipem médica, podendo assistir televisão e se movimentar dentro dos limites físicos do mesmo.


Normas de Segurança:

Há diversas normas de segurança que devem ser respeitadas. Dentre elas, uma das principais é não levar objeto algum para dentro da câmara. Todas essas normas são oportuna e detalhadamente explicadas para os pacientes e seus acompanhantes antes da primeira sessão.

Oxigenioterapia:
O oxigênio, quando administrado sob pressão, funciona como um medicamento. A elevada pressão desse gás no ar, quando ingerido, corresponde a um grande aumento da fração de oxigênio dissolvido no plasma. Esse aumento faz com que o gás se difunda a uma distância até quatro vezes maior, atingindo pontos que se encontram pouco oxigenados. Uma vez melhor oxigenadas, as células chamadas fibroblastos voltam a ter a sua função normalizada, com conseqüente estímulo na formação de novos capilares sanguíneos, aumento da ação bactericida e bacteriostática dos antibióticos, e formação de células responsáveis pela estrutura da pele.
Inúmeros trabalhos publicados em todo o mundo nos últimos 40 anos comprovam a eficácia da Oxigenioterapia Hiperbárica como excepcional ferramenta do tratamento médico, promovendo, entre outros efeitos, o retorno dos fibroblastos a suas funções normais. Isso culmina com a aceleração de cicatrizações, melhora a qualidade da osteogênese e dos tecidos de granulação e um combate mais eficaz de infecções. Atua também de maneira sinérgica com determinados antibióticos, ou seja, aumenta a eficácia dos mesmos. Desta forma, pode auxiliar a reduzir ou até mesmo evitar procedimentos cirúrgicos mutilantes e excessivos, proporcionando uma recuperação mais rápida e com melhores resultados clínicos.


Propicia também um efeito mecânico de compressão de todas as bolhas gasosas (cuja maior utilidade é tratar patologias relacionadas ao mergulho), e uma ação sobre a formação de radicais livres (com função nos casos de lesões por isquemia-reperfusão). Todos os mecanismos anteriormente descritos estão envolvidos quando da utilização dessa modalidade terapêutica para queimaduras.

Utilidades:
Resumidamente, há indicação de se utilizar a oxigenioterapia hiperbárica para tratar de doenças descompressivas (relacionadas ao mergulho); embolia arterial gasosa (por mergulho, iatrogênica ou idiopática); deiscências e complicações de cirurgias, pancreatites e isquemias pós-transplantes; traumas com lesões por isquemia-reperfusão, com infecção secundária ou com abrasões; infecções de partes moles, como erisipelas, celulites e fasciites necrosantes, feridas refratárias (de difícil cicatrização); enxertos ou retalhos comprometidos; doenças arteriais obstrutivas e vasculites, doenças venosas e linfáticas, osteomielites e infecções em próteses, necrose asséptica de fêmur; queimaduras; lesões actínicas (originadas pela exposição à radiação ionizantes); e infecções odontológicas.

De acordo com as conclusões da 7ª conferência europeia de consensus em medicina hiperbárica, realizada em Lille, em 2004, as recomendações actuais, para a oxigenoterapia hiperbárica, estão estratificadas em três tipos e em três níveis de evidência, a saber75:




Tipo 1 – Fortemente recomendada, na medida em que contribui para a alteração positiva do prognóstico vital do enfermo, ou da evolução da afecção de que é portador.



Tipo 2 – Recomendada, contribuindo para uma alteração positiva da evolução da patologia em causa.



Tipo 3 – Opcional, podendo revelar‑se útil no tratamento complementar da doença em questão.



Nível A – Recomendação suportada por nível de evidência 1, baseada em, pelo menos, dois estudos concordantes duplamente cegos, com signifi­cativa amostra populacional, estudos controlados e randomizados com poucas ou nenhumas falhas metodológicas.



Nível B – Recomendação suportada por nível de evidência 2, baseado em estudo duplamente cego controlado, estudos randomizados mas com falhas metodológicas, estudos com pequenas amostras populacionais, ou um único ensaio clínico.



Nível C – Recomendação suportada por nível de evidência 3, baseado em opinião consensual de peritos.



De acordo com as recomendações actuais, a OTHB tem aplicabilidade numa ampla constelação de afecções do foro médico‑cirúrgico.



Esta terapêutica é insubstituível nalgumas situações, como nas embolias gasosas vasculares e nos acidentes disbáricos de mergulho embolígenos (certas formas de doença de descompressão e de sindroma de hiper‑pressão intra‑torácica complicado com embolia gasosa arterial).
Noutras, constitui, igualmente, terapêutica de primeira linha, no contexto de uma abordagem terapêutica multidisciplinar, como, por exemplo, em certos casos de intoxicação pelo monóxido de carbono, nas intoxicações cianídricas, nas mionecroses clostridiais, e na cistopatia pós‑rádica hemorrágica, cursando com macro‑hematúria resistente à terapêutica convencional.



Há, também, aquelas patologias em que o oxigénio hiperbárico não é a única forma possível de tratamento nem assume importância vital, mas em que se tem revelado comprovadamente benéfico através de ensaios clínicos controlados.

São exemplos várias situações clínicas da área da infecciologia (infecções graves dos tecidos moles por microorganismos anaeróbios não esporolados, osteomielites crónicas, por exemplo), da cirurgia plástica e reconstrutiva (viabilização de enxertos cutâneos e de retalhos músculo‑cutâneos com vascularização comprometida), as lesões pós‑traumáticas das extremidades com compromisso do seu prognóstico vital e funcional (isquémias pós‑traumáticas agudas, sindromas de esmagamento, sindromas compartimentais, congelamentos), os atrasos de cicatrização de feridas das extremidades (regra geral devidos a insuficiência circulatória), as lesões induzidas ao nível de vários órgãos e tecidos pela exposição prévia a radiações ionizantes (osterradionecrose mandibular, cistite rádica hemorrágica, entero‑colite e proctite pós‑rádica, mielite pós‑rádica, necrose laríngea, etc) e casos clínicos de surdez de instalação súbita, relativamente frequentes numa faixa laboralmente activa e jovem da nossa população.
Noutras afecções, a oxigenoterapia hiperbárica pode revelar‑se benéfica, em complemento da restante terapêutica.
Constituem exemplos afecções oftalmológicas (retinopatia oclusiva aguda), neurológicas (encefalopatias agudas hipóxico‑isquémicas), toxicológicas (intoxicações por tetracloreto de carbono), gastrenterológicas (doenças inflamatórias crónicas intestinais, como por exemplo a doença de Crohn, a pneumatose quística intestinal), e do âmbito da cirurgia plástica e reconstrutiva (grandes queimados, viabilização de segmentos de membros reimplantados cirurgicamente, por exemplo).

Há ainda publicações ocasionais referindo benefícios proporcionados pela oxigenoterapia hiperbárica em muitas outras situações clínicas, como, por exemplo, as retinopatias diabéticas e a retinite pigmentada41.

Em termos gerais, a selecção dos candidatos a esta modalidade terapêutica deve basear‑se em rigorosos critérios de ordem clínica, devendo o médico especializado nesta disciplina abster‑se da tentação de alargar a aplicação destes tratamentos a situações clínicas não contempladas nas listagens elaboradas pelas sociedades científicas internacionais com reconhecida competência neste domínio, como a Undersea and Hyperbaric Medical Society e o European Committee for Hyperbaric Medicine.